PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre o dever de fornecimento gratuito de sistema de identificação infantil em eventos públicos realizados em locais abertos e dá outras providências" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 055/2019 à Câmara Municipal, dispondo sobre o dever de fornecimento gratuito de sistema de identificação infantil em eventos públicos realizados em locais abertos. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle preventivo quanto à constitucionalidade. 2. Parecer:Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende estabelecer dever no sentido de ser obrigatória a disponibilização de instrumentos de identificação de crianças presentes em eventos abertos ao público, com concentração superior a 150 pessoas, para que sejam mais facilmente localizadas no caso de desaparecimento. Para que a proposição não invada indevidamente a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, é necessário ajuste na redação, a fim de que não se possa estender a aplicação da lei aos eventos organizados pelo Poder Público. Do contrário, o Projeto de Lei nº 055/19, ora em análise, iria de encontro ao art. 60, II, “d”, e ao art. 82, VII, ambos da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul:
Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e arts. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):
Da mesma forma, o não ajuste do Projeto de Lei nº 055/2019 apresentaria, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa:
Desse modo, para que a norma não represente inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, sugere-se mudança na redação do art. 1º, seguindo o presente modelo: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o fornecimento gratuito de sistema de identificação infantil, como pulseiras, crachás, bótons ou similares para crianças de até 12 (doze) anos, em eventos realizados em locais abertos ao público, organizados por particulares.” Ainda, deve ser modificada a ementa do projeto, a fim de que fique esclarecido o âmbito de aplicação: “Dispõe sobre o dever de fornecimento gratuito de sistema de identificação infantil em eventos realizados em locais abertos ao público, organizados por particulares.” Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 055/2019 é promover a proteção dos interesses dos infantes, por meio de sistema de identificação de crianças em eventos, para que possam ser localizadas mais facilmente em caso de desaparecimento. O art. 227, caput, da CF/88 prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:
É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 055/2019 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Conclusão:Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe – PL nº 055/2019, para ajuste na redação da ementa e do art. 1º, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; art. 60, II, “d”, e art. 82, VII, ambos da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, inciso II, da Lei Orgânica Municipal. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 04 de junho de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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