PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe a campanha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio e violência sexual no Município de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador Florindo Motorista (PSD) apresentou o Projeto de Lei nº 054/2019 à Câmara de Vereadores, objetivando dispor sobre a campanha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio e violência sexual no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). A iniciativa privativa, nesse caso, é norma constitucional de reprodução obrigatória pelos entes federados, dentre estes o Município de Guaíba, devendo observar a simetria com as diretrizes constitucionais. O processo legislativo é matéria essencialmente constitucional, visto que regula a organização do Estado e as estruturas do ordenamento jurídico, devendo obedecer aos princípios e às regras constitucionalmente estabelecidos, sob pena de caracterização de inconstitucionalidade formal ou material dos atos. Há, portanto, vícios do processo legislativo que caracterizam inconstitucionalidade, como se pode verificar na proposição em análise, ocorrendo vício formal de iniciativa. Tem assentado o Egrégio Supremo Tribunal Federal que as normas que dizem respeito ao processo legislativo, previstas na CF/88, são de reprodução obrigatória pelos entes federados: ADIN 1434. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente enfatizado a asserção de que os Estados-membros estão sujeitos à observância “das linhas básicas do modelo federal do processo legislativo, em particular, das que dizem respeito com hipóteses de iniciativa reservada e com os limites do poder de emenda parlamentar... (Adin 1434 – Min. Celso de Mello, fls. 132) Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de Constituição Estadual. Processo legislativo. Normas de reprodução obrigatória. Criação de órgãos públicos. Competência do Chefe do Poder Executivo. Iniciativa parlamentar. Inconstitucionalidade formal. Precedentes. 1. A orientação deste Tribunal é de que as normas que regem o processo legislativo previstas na Constituição Federal são de reprodução obrigatória pelas Constituições dos Estados-membros, que a elas devem obediência, sob pena de incorrerem em vício insanável de inconstitucionalidade. [...] (RE 505476 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012). De acordo com o artigo 112, parágrafo único, a organização dos serviços administrativos da Câmara Municipal cabe à Mesa Diretora. Assim, a iniciativa é reservada à Mesa Diretora da Câmara. Isso porque, de um modo geral, o órgão diretivo do Legislativo Municipal é responsável pela organização administrativa e, inclusive, pela ordenação das despesas de interesse interno, cabendo-lhe a iniciativa para deflagrar o processo legislativo que disponha sobre essa matéria, consoante as regras do processo legislativo – norma de matriz constitucional. Importante trazer, como referência de simetria, o previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigo 15, inc. XVII): Art. 15. À Mesa compete, dentre outras atribuições estabelecidas em lei, neste Regimento ou por resolução da Câmara, ou delas implicitamente resultantes: XVII - propor, privativamente, à Câmara projeto de resolução dispondo sobre sua organização, funcionamento, polícia, regime jurídico do pessoal, criação, transformação ou extinção de cargos, empregos e funções e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; Compreende-se, diante deste contexto jurídico-normativo, que em âmbito federal compete à Mesa Diretora a proposição de projeto envolvendo questões essencialmente administrativas (“organização e funcionamento”), o que, por simetria, é aplicável ao caso, diante da mesma natureza das funções exercidas pela Câmara Municipal. Pelo conteúdo meritório da matéria proposta, recomenda-se que a proposta seja remetida à Mesa Diretora sob a forma de indicação, forte no art. 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, respeitando a iniciativa parlamentar e a constitucionalidade formal da proposta legislativa. A jurisprudência do Tribunal de Justiça gaúcho, da mesma forma, permite a conclusão da ocorrência de inconstitucionalidade formal da proposição, consoante as normas constitucionais do processo legislativo: Ora, na esteira do princípio federativo, tal regra não poderia sofrer variações de Estado para Estado ou entre os diversos Municípios, sob pena de macular a sistemática principiológica constitucional, devendo ser simetricamente observada a norma da Carta Republicana pelos demais entes federados. Não há dúvida de que o modelo estatuído na Constituição Federal, acerca dos princípios e regras que informam o processo legislativo, deve, necessariamente, ser de observância obrigatória para os Estados e Municípios, na esteira de jurisprudência firmada nesse sentido, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o que, diga-se, não atenta contra a autonomia dos entes federados. Pela clareza com que abordada a temática relacionada ao princípio da simetria, assevera Samuel Sales Fonteles: “(...) Em apertada síntese e com a objetividade que este artigo requer, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal tem construído uma jurisprudência nem sempre coerente sobre o assunto. Há, contudo, alguns temas que reiteradamente têm sido considerados como dignos de reprodução. Segundo o Excelso Pretório, são normas de reprodução obrigatória aquelas que versam sobre a separação dos poderes, o processo legislativo, as comissões parlamentares de inquérito e os tribunais de contas. Em todas essas temáticas, não há espaço para a discricionariedade. A absorção pelas constituições estaduais é compulsória, devendo, ainda, haver uma conservação dessas regras no corpo das cartas estaduais. É que, grosso modo, as normas de reprodução obrigatória também atuam como cláusulas pétreas estaduais, na medida em que estão imunes a tentativas de reforma por parte das Assembleias, órgãos incumbidos do dever de reproduzi-las e, também, de conservá-las. Obviamente, o rol apresentado não revela qualquer pretensão de esgotar tudo aquilo que necessariamente deve ser incorporado no direito constitucional estadual, mas já revela um mínimo de calculabilidade e previsibilidade quando se trata da construção pretoriana do STF. Como o próprio nome revela, as normas de reprodução obrigatória implicam uma clonagem do instituto mutatis mutandis. Daí resulta a consequência natural dessa espécie: a impossibilidade de se ampliar, reduzir ou adaptar a regra ou o princípio por ela albergado. Muda-se apenas o que deve ser mudado, observando-se o paralelismo das formas, mas a reprodução deve ser fiel, pelo menos naquilo que couber. (...) Parece óbvio que a regra não pode ser reproduzida de maneira idêntica no ordenamento constitucional dos Estados, pois as Assembleias são unicamerais. A solução é ignorar a norma neste particular. É de se ressaltar, ainda, que, conforme já decidido pelo STF, as normas de reprodução obrigatória podem incidir no âmbito estadual, mesmo sem que estejam expressamente previstas na Carta do Estado-membro. Assim já se manifestou o Guardião da Constituição, embora em alusão às normas centrais, na ADI 2076/AC: “Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local”.(...)” Deve-se asseverar, ademais, que o Projeto de Lei ora em análise afronta o princípio nuclear da separação entre os poderes, insculpido no art. 2º da CF/88, ao criar obrigações a órgãos do Poder Executivo Municipal, especificamente Secretarias Municipais, conforme se observa do exame das pretendidas normas dispostas em seu artigo 6º, indo de encontro ainda ao que estabelece o art. 61, § 1º da Constituição Federal, que prevê as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Conclusão:Diante do exposto, destacando a natureza de assessoramento da Procuradoria Jurídica e do caráter opinativo do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a decisão do Presidente, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe (art. 105 do RI), em razão de vício formal de iniciativa, caracterizado com base nos arts. 2º e 61, § 1º, da Constituição Federal, no art. 53, XXXV, da Constituição Estadual, no art. 28, III, da Lei Orgânica Municipal e no art. 21, caput, do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guaíba, cabendo recurso ao Plenário. Retirando-se as normas que criam obrigações para a Mesa Diretora e para o Poder Executivo Municipal e corrigida a técnica legislativa e a espécie legislativa, a proposição estaria apta para a tramitação. É o parecer. Guaíba, 30 de maio de 2019. FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador Geral da Câmara Municipal OAB/RS 107.136 O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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