Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 050/2019
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 137/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Declaração Municipal de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece normas para os atos de liberação de atividade econômica e a análise de impacto regulatório e dá outras providências"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim (DEM) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 050/2019, que “Institui a Declaração Municipal de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece normas para os atos de liberação de atividade econômica e a análise de impacto regulatório e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)".[1]

De plano, verifica-se que a proposta em análise é mera cópia integral da MEDIDA PROVISÓRIA Nº 881, DE 30 DE ABRIL DE 2019, que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências.”

Destarte, a proposição não está apropriada quanto à competência para deflagração do processo legislativo, já que é reservada à União a competência para estabelecer normas gerais, sendo que este ente já o fez através da referida MPV 881/2019 (em anexo).

Assim, é cristalino que o Projeto de Lei nº 050/2019 pretende adentrar no ordenamento jurídico nacional usurpando a competência de outros entes, qual seja a competência da União.

Nesse sentido o art. 24 da CF/88 estabelece:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

(...)

  • 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

É cediço o entendimento dos tribunais de que a Constituição Federal estabeleceu clara repartição vertical de competências normativas e que a matéria versada no PL nº 050/2019 não corresponde à competência municipal:

Se é certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe de poderes ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a esfera de competência normativa dos Estados-membros, não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, consubstanciada na LC 80/1994), não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta Política. [ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, j. 1º-12-2005, P, DJE de 19-9-2008.]

A Constituição do Brasil contemplou a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. É inconstitucional lei estadual que amplia definição estabelecida por texto federal, em matéria de competência concorrente. [ADI 1.245, rel. min. Eros Grau, j. 6-4-2005, P, DJ de 26-8-2005.]

Ademais, a repartição de competência é tratada pela doutrina como: a) cumulativa, pela qual os entes podem avançar na disciplina das matérias desde que o que lhes é considerado superior não o faça (não há limites prévios, mas a regra da União prevalece, e m caso de conflito); b) não-cumulativa, em que, previamente, as matérias estão delimitadas por sua extensão (normas gerais e particulares).[2] Assim sendo, a disposição normativa do art. 24 trata da repartição vertical, que é não-cumulativa, determinando-se previamente que a União limitar-se-á a legislar sobre normas gerais quanto às matérias que enumera, dentre as quais o direito econômico. Inclusive, se houvesse lei de outro ente, a sua eficácia seria suspensa pelo advento de lei nacional de normas gerais.

Para Uadi Lammêgo Bulos, “normas gerais são declarações principiológicas, dirigidas aos legisladores, condicionando-lhes a ação legiferante. Recebem a adjetivação de ‘gerais’, porque possuem um alcance maior, uma generalidade e abstração destacadas, se comparadas àquelas normatividades de índole local. Consequência disso, elas não se prestam a detalhar minúcias, filigranas ou pormenores.”[3] Com efeito, no que diz respeito a matérias que exigem tratamento uniforme em âmbito nacional, existe uma precedência normativa da União, admitindo-se a produção normativa dos Estados no caso de omissão do ente central, para possibilitar apenas disciplina de suas peculiaridades, não cabendo ao Município, como no caso ora em análise, pretender dispor sobre a matéria em sede de norma geral e principiológica, conforme pretende, literalmente, o art. 2º da proposição.

Diante disso, apesar de relevante e louvável a proposição, diante da edição da MPV 881/2019, o projeto acarreta a invasão de competência da União para editar normas gerais quanto à matéria e está eivado de inconstitucionalidade, por em parte não inovar a ordem jurídica e por ultrapassar a competência legislativa da União para estabelecer normas gerais (art. 24, § 1º da CF/88). Acresce-se a isso o fato de que as normas editadas pela União na MPV 881/2019 já possuírem força normativa no âmbito do ente municipal.

[1] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740

[2] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira, 6a ed., São Paulo, Saraiva, 1986, p. 98 ss.

[3] Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 575

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inconstitucionalidade do PL nº 050/2019, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por ser matéria antijurídica ao não inovar o ordenamento jurídico e por extrapolar a competência legislativa suplementar do Município expressa no art. 30, II e a repartição de competência legislativa prevista no art. 24, ambos da Constituição Federal.

É o parecer.

Guaíba, 20 de maio de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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