Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 018/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 129/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Plano Municipal pela Primeira Infância"

Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 018/2019 à Câmara Municipal, em que objetiva instituir o Plano Municipal pela Primeira Infância. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

MÉRITO:

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe a instituição de um plano municipal para a implementação de direitos da primeira infância, tendo como marco legal a Lei Federal nº 13.257/2016, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, ao qual cabem as competências privativas dos arts. 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei nº 018/2019, uma vez que apresentado pelo Prefeito, responsável pela organização administrativa do Poder Executivo e, em termos gerais, pelos serviços públicos.

A respeito do teor do Projeto de Lei nº 018/19, tem-se que o seu objeto é instituir o Plano Municipal pela Primeira Infância, com vigência até 31 de dezembro de 2022, o qual estabelece diagnósticos, metas, objetivos e ações para a concretização de direitos fundamentais do grupo categorizado como primeira infância – crianças de zero a seis anos de idade completos –, tal como dispõe a Lei Federal nº 13.257/16. Segundo a referida legislação, as políticas públicas voltadas à primeira infância devem estar voltadas a garantir os seguintes objetivos e finalidades:

Art. 4º As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a:

I - atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã;

II - incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento;

III - respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos sociais e culturais;

IV - reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando o investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação da criança;

V - articular as dimensões ética, humanista e política da criança cidadã com as evidências científicas e a prática profissional no atendimento da primeira infância;

VI - adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços;

VII - articular as ações setoriais com vistas ao atendimento integral e integrado;

VIII - descentralizar as ações entre os entes da Federação;

IX - promover a formação da cultura de proteção e promoção da criança, com apoio dos meios de comunicação social.

Parágrafo único. A participação da criança na formulação das políticas e das ações que lhe dizem respeito tem o objetivo de promover sua inclusão social como cidadã e dar-se-á de acordo com a especificidade de sua idade, devendo ser realizada por profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas de expressão infantil.

Como se percebe a partir da leitura do parágrafo único, a formulação das políticas e das ações que dizem respeito às crianças na faixa da primeira infância deve contar com a sua participação, por meio de profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas de expressão infantil. Por essa razão, é importante que o presente Plano Municipal pela Primeira Infância receba ampla publicidade, estendendo-se a sua criação e formação para a comunidade guaibense, por meio de audiências públicas e de outros procedimentos que garantam o recebimento de opiniões e de sugestões sobre as metas e ações previstos no PL nº 018/2019.

No mesmo sentido, o art. 12 da Lei Federal nº 13.257/16 impõe a participação solidária da sociedade com a família e o Estado na proteção e promoção dos direitos da criança, como já prescreve o art. 227 da CF/88:

Art. 12. A sociedade participa solidariamente com a família e o Estado da proteção e da promoção da criança na primeira infância, nos termos do caput e do § 7º do art. 227 , combinado com o inciso II do art. 204 da Constituição Federal , entre outras formas:

I - formulando políticas e controlando ações, por meio de organizações representativas;

II - integrando conselhos, de forma paritária com representantes governamentais, com funções de planejamento, acompanhamento, controle social e avaliação;

III - executando ações diretamente ou em parceria com o poder público;

IV - desenvolvendo programas, projetos e ações compreendidos no conceito de responsabilidade social e de investimento social privado;

V - criando, apoiando e participando de redes de proteção e cuidado à criança nas comunidades;

VI - promovendo ou participando de campanhas e ações que visem a aprofundar a consciência social sobre o significado da primeira infância no desenvolvimento do ser humano.

Ainda dispõe a Lei Federal nº 13.257/16, nos arts. 5º e 6º:

Art. 5º Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica.

Art. 6º A Política Nacional Integrada para a primeira infância será formulada e implementada mediante abordagem e coordenação intersetorial que articule as diversas políticas setoriais a partir de uma visão abrangente de todos os direitos da criança na primeira infância.

Portanto, são áreas prioritárias que, em tese, devem ser consideradas para a criação do Plano Municipal pela Primeira Infância: saúde, alimentação, nutrição, educação infantil, convivência familiar e comunitária, assistência social, cultura, o brincar e o lazer, espaço e meio ambiente, prevenção contra violência e pressão consumista, prevenção de acidentes e exposição precoce à comunicação mercadológica. É responsabilidade dos vereadores, portanto, em conjunto com a sociedade, analisar o conteúdo do plano municipal e propor modificações, novas metas e consideração por prioridades que não tenham sido contempladas pelo Poder Executivo.

Da leitura do Plano Municipal pela Primeira Infância, percebe-se a existência de um amplo diagnóstico socioeconômico local, com consideração a diversos fatores, tais como nível de educação e de saúde, desenvolvimento humano, população, áreas de maior concentração urbana, redes de assistência e de apoio à infância e juventude, inclusão social, faixas etárias, produto interno bruto, crescimento econômico, níveis de violência, enfim, uma série de estatísticas que permitem a formulação de políticas públicas voltadas às crianças.

As metas e objetivos, por outro lado, restringem-se às áreas da saúde, da educação, da assistência social e do esporte, não contemplando outras áreas prioritárias também previstas no art. 5º da Lei nº 13.257/16 e que poderiam ser objeto de consideração. Todavia, tal ponto diz respeito, notadamente, ao conteúdo e mérito do projeto de lei, que pode ser aprimorado por incentivos do Legislativo e da sociedade (audiências públicas), nada havendo que se corrigir sob o ponto de vista estritamente jurídico.

Vale lembrar, por fim, que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 018/2019 é instituir um plano de proteção da faixa de crianças mais vulnerável – zero a seis anos –, uma obrigação que decorre tanto da Constituição Federal quanto da Lei Federal nº 8.069/90.

O artigo 227, caput, da CF/88 prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 018/2019 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Assim, estando atendidas a competência (art. 30, inciso I, CF/88) e a iniciativa legislativa (art. 60, II, “d”, CE/RS), não há óbice legal à tramitação e à aprovação do Projeto de Lei nº 018/2019, registrando-se novamente que a formulação das políticas e das ações que dizem respeito às crianças na faixa da primeira infância deve contar com a sua participação, por meio de profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas de expressão infantil. Por essa razão, é importante que o presente Plano Municipal pela Primeira Infância receba ampla publicidade, estendendo-se a sua criação e formação para a comunidade guaibense, por meio de audiências públicas e de outros procedimentos que garantam o recebimento de opiniões e de sugestões sobre as metas estabelecidas.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 018/2019, por estarem atendidas a competência (art. 30, inciso I, CF/88) e a iniciativa legislativa (art. 60, II, “d”, CE/RS).

Recomenda-se, entretanto, tal como pontuou o IGAM na orientação técnica nº 19.923/2019, que se façam reuniões de trabalho com a Comissão de Elaboração do Plano Municipal pela Primeira Infância, bem como audiências públicas para ouvir a sociedade, no sentido de aprimorar as políticas públicas e metas previstas no plano, que deve ser construído com a colaboração de todos os responsáveis pela proteção das crianças: família, Estado e sociedade (art. 227, CF/88, c/c art. 4º, ECA, e art. 12 da Lei nº 13.257/16).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 16 de maio de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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