Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 017/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 128/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre alterações da Lei Municipal n.º 1759, de 19 de maio de 2003, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 017/2019 à Câmara Municipal, em que busca alterar a Lei Municipal nº 1.759, de 19 de maio de 2003. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. O parecer orientou pela parcial legalidade da proposta, sugerindo modificação mediante emenda. Em seguida, o Vereador Florindo Motorista protocolou emenda, retornando a proposição a esta Procuradoria, para novo parecer.

2. Parecer:

O Projeto de Lei nº 017/2019 foi apresentado pelo Executivo Municipal, relacionando-se a questões de organização do Conselho Tutelar, de sua iniciativa privativa, à luz do art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual. A respeito desse assunto, não é vedada, em regra, a apresentação de emendas parlamentares a projetos de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, visto que exercida inicialmente a iniciativa pelo Prefeito. Os limites para o exercício desse poder estão fixados, inicialmente, no artigo 63 da Constituição Federal, que prevê:

Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.

Na Constituição Estadual, a matéria é regulada pelo artigo 61, que estabelece:

Art. 61.  Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa privativa do Governador, ressalvado o disposto no art. 152;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembléia Legislativa, dos Tribunais e do Ministério Público.

Por fim, na esfera municipal, refere o artigo 46-A da Lei Orgânica de Guaíba:

Art. 46-A Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Prefeito;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara Municipal. (Redação acrescida pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

O mais importante, portanto, no caso de emendas parlamentares a projetos de iniciativa do Executivo, é que não ocorra o aumento da despesa prevista, uma vez que tal medida é capaz de afetar o erário público por não demonstrar a viabilidade econômico-financeira, interferindo, assim, na independência do Poder Executivo, gestor das contas públicas. Além disso, a jurisprudência pacífica defende que as emendas parlamentares devem guardar o grau de pertinência temática da proposta originária, isto é, não podem veicular matérias diferentes das previstas inicialmente, de modo a não desnaturá-las ou desconfigurá-las. Veja-se o julgado do Supremo Tribunal Federal:

As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011.

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 4.620/2016, DO MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. EMENDAS PARLAMENTARES. IMPOSSIBILIDADE DE AUMENTO DE DESPESA EM PROJETO DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. 1. A Constituição Estadual, em seu art. 60, inc. II, delimita quais são as matérias cujas leis são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, sendo tal dispositivo aplicável aos Municípios, por simetria. É inquestionável o cabimento das emendas parlamentares em projetos de lei de iniciativa reservada, porém, tais emendas devem guardar relação com a temática original da proposição e não podem implicar aumento de despesa, o art. 61, inc. I, da CE, também aplicável aos Municípios por simetria. [...] JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072358336, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/08/2017)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. LIMITES AO PODER DE EMENDA DO PODER LEGISLATIVO. Em matérias de iniciativa privativa ou reservada ao Poder Executivo, o Poder Legislativo tem limites ao seu poder de emenda. Tais limites são a inviabilidade de aumentar despesas e a pertinência temática em relação ao projeto original. Precedentes do STF. Lição doutrinária. No presente caso, a matéria objeto do projeto de lei é de iniciativa privativa do Executivo. E o projeto de lei foi elaborado pelo próprio Executivo, não tendo ocorrido, na hipótese, vício de iniciativa. Contudo, ao longo da tramitação do processo legislativo, o Legislativo municipal emendou o projeto originário, acrescendo 02 artigos e alterando a redação de 01 artigo. Com tais emendas, considerando os seus respectivos teores, o Legislativo transcendeu seu poder de emenda, ao aumentar despesas para a Administração, ao acrescentar no projeto originário disposições que com ele não guardam pertinência temática estrita; e ao determinar a retroação dos efeitos da lei para antes da sua vigência, o que não é viável na hipótese tanto por gerar aumento de despesas, quanto por impor retroação de lei com efeito punitivo. Decreta-se a inconstitucionalidade integral dos artigos 3º e 4º da Lei Municipal n.º 4.439/2016; e a inconstitucionalidade parcial do art. 5º da mesma lei, com redução de texto. JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068690429, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 01/08/2016)

Leia-se, por outro lado, hipótese em que não cabe emenda parlamentar:

ADIN. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO. INICIATIVA PRIVATIVA DO EXECUTIVO. É vedado ao Legislativo propor emendas que importem em aumento de despesa nos projetos que versam matérias de iniciativa privativa do Executivo, o que implicaria afronta ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Ação julgada procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70008897647, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 29/11/2004)

A emenda protocolada pelo Vereador Florindo Motorista em momento algum traduz aumento de despesas ao Executivo ou se afasta da temática tratada na proposição. No caso, a emenda propõe a revogação da alínea “e” do inciso I do art. 35 da Lei Municipal nº 1.759/03, que trata de um dos requisitos para o deferimento da inscrição preliminar de candidato ao mandato de conselheiro tutelar, qual seja, o de “não se encontrar no exercício de cargo de confiança ou eletivo.”

A justificativa apresentada para a revogação se reporta ao fato de que servidores comissionados interessados no processo de seleção devem, previamente, romper o vínculo com o órgão público, submetendo-se a uma mera expectativa de êxito na eleição, sendo que ocorrem situações nas quais servidores exonerados de cargos em comissão não são eleitos, ficando sem qualquer fonte de sustento e sobrevivência (nem o cargo em comissão, nem o mandato de conselheiro tutelar). No caso de efetiva eleição, permanece a exigência de que ocorra o rompimento do vínculo com o cargo em comissão para que se possibilite a posse na função de conselheiro, requisito, aliás, previsto na própria Constituição Federal (art. 37, XVI).

A proibição prevista na Constituição Federal se refere à acumulação dos cargos públicos, o que ocorre somente no ato da posse, razão pela qual a permanência do candidato no cargo em comissão durante o período das inscrições não é causa de acumulação vedada. O impedimento referido, na realidade, busca evitar situações em que o titular do cargo em comissão utilize de sua influência política para angariar votos das pessoas que exercem funções perante a Administração Pública. Nada impede, entretanto, que se revogue tal exigência da legislação municipal, visto que as Constituições não estabelecem a proibição, nem mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, inclusive, remete à legislação local a regulamentação da organização dos conselhos tutelares (art. 134).

Não havendo dispositivo federal ou constitucional que exija a exoneração do titular do cargo em comissão durante o período de inscrições e de campanha para o Conselho Tutelar, mostra-se possível, em âmbito local, a revogação de disposição nesse sentido, cabendo aos vereadores fazer a análise de mérito quanto à pertinência da alteração, ou seja, se a permanência do interessado no cargo em comissão durante o processo de eleição do Conselho Tutelar acarretará, ou não, a possibilidade de indevida influência política sobre os potenciais eleitores, de modo a angariar maior quantidade de votos pelo seu posicionamento estratégico na Administração Pública.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela adequação jurídica da emenda apresentada pelo Vereador Florindo Motorista, visto que: 1) A iniciativa privativa do Prefeito foi exercida pela apresentação do PL 017/2019; 2) Não há vedação à apresentação de emendas pelos vereadores, desde que não impliquem aumento de despesa e guardem pertinência temática com a proposta; 3) Não há regra constitucional ou da legislação federal/estadual que proíba a permanência do servidor comissionado no cargo durante o período de inscrições preliminares e definitivas para o Conselho Tutelar, sendo proibida a acumulação apenas no momento da posse (art. 37, XVI, CF/88); 4) O Estatuto da Criança e do Adolescente remete à legislação local a regulamentação da organização e dos processos de seleção para o mandato de conselheiro tutelar, sendo o interesse predominantemente local (art. 30, I, CF/88).

Por fim, registra-se que caberá aos vereadores fazer a análise de mérito quanto à pertinência da alteração, ou seja, se a permanência do interessado no cargo em comissão durante o processo de eleição do Conselho Tutelar acarretará, ou não, a possibilidade de indevida influência política sobre os potenciais eleitores, de modo a angariar maior quantidade de votos pelo seu posicionamento estratégico na Administração Pública.

No mais, reiteram-se os fundamentos do parecer jurídico anterior.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 16 de maio de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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