Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 017/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 127/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre alterações da Lei Municipal n.º 1759, de 19 de maio de 2003, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 017/2019 à Câmara Municipal, em que objetiva alterar a Lei Municipal nº 1.759, de 19 de maio de 2003. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico

MÉRITO

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe alterações no processo de seleção para o Conselho Tutelar, órgão da administração pública local, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, ao qual cabem as competências privativas dos arts. 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei nº 017/19, uma vez que apresentado pelo Prefeito, responsável pela organização administrativa do Poder Executivo.

A respeito do teor do Projeto de Lei nº 017/19, tem-se que o seu objeto é reorganizar as regras de seleção dos conselheiros tutelares, incluindo-se novas disposições e, em especial, suprimindo exigências então existentes de comprovação de experiência de dois anos e de realização de prova de conhecimentos técnicos (art. 35, inciso I, alíneas “b” e “c”).

A justificativa esclarece que a retirada desses dois requisitos atende reivindicação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – COMDICA, o qual, em reunião, deliberou por unanimidade pelas modificações apresentadas na proposição. O Prefeito também argumentou que, na última eleição para o Conselho Tutelar, apenas 10 (dez) pessoas foram aptas na fase de pré-inscrição, já que mais de 20 (vinte) pessoas não lograram êxito na prova de conhecimentos técnicos, que “privilegia quem tem melhor capacidade de memorização”, não sendo este um requisito para o exercício da função (fl. 02). O objetivo da retirada dos requisitos da comprovação de experiência e da habilitação em prova técnica é a abertura da seleção para um maior número de candidatos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), nos artigos 131 a 133, dispõe genericamente sobre a organização dos conselhos tutelares:

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha. (Redação dada pela Lei nº 13.824, de 2019)

Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos:

I - reconhecida idoneidade moral;

II - idade superior a vinte e um anos;

III - residir no município.

 Como se percebe, os requisitos exigidos pelo ECA para que alguém se habilite a desempenhar a função de conselheiro tutelar são: a) reconhecida idoneidade moral; b) idade superior a vinte e um anos; c) residência no município. As referidas exigências estão contempladas na redação do art. 35, inciso I, que se pretende aprovar por meio do Projeto de Lei nº 017/2019, razão por que não há ilegalidades flagrantes. Há, inclusive, exigências mais específicas na proposição, consistentes em “escolaridade mínima de ensino médio completo”, “não se encontrar no exercício de cargo de confiança ou eletivo” e “não ter sido penalizado com a destituição da função de Conselheiro Tutelar”, o que guarda correspondência com a natureza da atividade e, portanto, não se afigura desproporcional e ilegal.

Quanto aos requisitos que se buscam dispensar por meio da proposição, é importante destacar que o art. 11 da Resolução nº 139/2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (norma que estabelece as diretrizes gerais das eleições e do funcionamento dos conselhos tutelares) estimula a avaliação e habilitação de candidatos em prova técnica, bem como a comprovação de experiência na área:

Art. 11. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar serão exigidos os critérios do art. 133 da Lei nº 8.069, de 1990, além de outros requisitos expressos na legislação local específica.

§ 1º Os requisitos adicionais devem ser compatíveis com as atribuições do Conselho Tutelar, observada a Lei nº 8.069, de1990 e a legislação municipal ou do Distrito Federal.

§ 2º Dentre os requisitos adicionais para candidatura a membro do Conselho Tutelar a serem exigidos pela legislação local, devem ser consideradas:

I - a experiência na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;

II - formação específica sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, sob a responsabilidade do Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente local; e

III - comprovação de conclusão do ensino fundamental.

§ 3º Havendo previsão na legislação local é admissível aplicação de prova de conhecimento sobre o direito da criança e do adolescente, de caráter eliminatório, a ser formulada por uma comissão examinadora designada pelo Conselho Municipal ou Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente, assegurado prazo para interposição de recurso junto à comissão especial eleitoral, a partir da data da publicação dos resultados no Diário Oficial do Município, do Distrito Federal ou meio equivalente.

Não há dúvida de que as exigências para a eleição dos conselheiros tutelares são apenas as previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e na legislação local de regência (em Guaíba, pela Lei Municipal nº 1.759/03). Entretanto, a norma acima transcrita, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, deixa claro que a legislação local deve considerar a previsão de requisitos adicionais compatíveis com as funções técnicas do conselheiro tutelar, entre as quais está a demonstração de conhecimentos sobre o Direito da Criança e do Adolescente e de experiência na área de atuação.

Portanto, embora a dispensa dos dois requisitos – habilitação em prova teórica e experiência comprovada – não se configure como ilegal, por não afrontar o Estatuto da Criança e do Adolescente, há que se fazer o registro e a advertência de que tal fato poderá vir a acarretar, futuramente, problemas ao próprio funcionamento do Conselho Tutelar, visto que os seus membros, embora eleitos, exercem uma função notadamente técnica que demanda prática e domínio do aparato legal de amparo às crianças e adolescentes – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/90), Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), além, obviamente, da Constituição Federal e de todas as leis correlatas.

Quanto ao art. 35C, que impede a participação em novo processo de seleção do conselheiro tutelar em exercício no cargo há mais de um mandato e meio (diretriz também prevista no § 2º do art. 6º da Resolução nº 139/10 do CONANDA), é necessária a sua retirada mediante emenda, que pode ocorrer por iniciativa parlamentar, tendo em vista que o ECA foi recentemente alterado pela Lei nº 13.824, de 9 de maio de 2019, a qual autoriza expressamente o conselheiro tutelar a ser reconduzido à função por sucessivos processos de escolha (art. 132, caput, Lei nº 8.069/90). Assim, o art. 35C afronta diretamente a nova redação do ECA, dada pela Lei nº 13.824/19, sendo necessária a revisão da proposta.

As demais disposições legais da proposição guardam correspondência lógica e jurídica com as funções, os fins e a estrutura do Conselho Tutelar, dispondo sobre sua organização interna, de modo que não contrariam normas superiores e estão aptas à aprovação. As eventuais antinomias (contradições) com as normas já existentes se resolvem pelo critério do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela parcial legalidade do Projeto de Lei nº 017/2019, já que o art. 35C deve ser suprimido por emenda, por contrariar a nova redação do art. 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente, dada pela Lei nº 13.824, de 9 de maio de 2019.

Por fim, embora a dispensa dos dois requisitos – habilitação em prova teórica e experiência comprovada – não se configure como ilegal, por não afrontar o Estatuto da Criança e do Adolescente, há que se fazer o registro e a advertência de que tal fato poderá vir a acarretar, futuramente, problemas ao próprio funcionamento do Conselho Tutelar, visto que os seus membros, embora eleitos, exercem uma função notadamente técnica que demanda prática e domínio do aparato legal de amparo às crianças e adolescentes – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/90), Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), além, obviamente, da Constituição Federal e de todas as leis correlatas. O referido ponto deve ser enfrentado como mérito da proposição, exclusivo de cada membro da Câmara Municipal.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 14 de maio de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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