Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 045/2019
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 118/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o Artigo 4.º da Lei n.º 3.764, de 27 de março de 2019"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 045/2019 à Câmara Municipal, objetivando alterar o art. 4º da Lei nº 3.764, de 27 de março de 2019. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle preventivo quanto à constitucionalidade.

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende alterar o art. 4º da Lei Municipal nº 3.764/2019, que trata do vale-supermercado aos servidores do Poder Executivo, para que faltas justificadas sejam consideradas como efetividade para o fim de recebimento da indenização mensal. A matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito de indenização paga regularmente no âmbito do Poder Executivo, o que cabe exclusivamente ao seu gestor definir, por meio de atos próprios.

O Projeto de Lei nº 045/2019, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “b”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e arts. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.” (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a regulamentação do pagamento de vale-supermercado no âmbito do Poder Executivo, por se tratar de matéria de competência privativa do Prefeito, na esfera de sua discricionariedade. Veja-se o precedente do Tribunal de Justiça Gaúcho:

ADIN LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. INCIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INFRAÇÃO AOS ARTS. 10, 62, INCISO II, ALÍNEA "D ", E 82, INCISO VII, COMBINADO COM ARTIGO 8°, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal que amplia as vantagens do vale alimentação, permitindo sua concessão e utilização por servidores afastados por motivo de acidente ou doença de trabalho e em licença maternidade determinando condutas administrativas próprias do Executivo e criando despesas sem previsão orçamentária, em afronta aos princípios da simetria e independência entre os poderes. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70032093395, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 19/04/2010)

O Projeto de Lei nº 045/2019 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem de servidores públicos e regime jurídico (inciso III):

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que o Prefeito implemente a medida veiculada.

Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PL nº 045/19, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, CF/88; art. 60, II, “b”, e art. 82, VII, da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, inciso III, da Lei Orgânica Municipal. Nada impede, por outro lado, que o Executivo receba indicações no sentido de implementar a medida, propondo o competente projeto de lei (art. 114, Regimento Interno).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 09 de maio de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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