Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 041/2019
PROPONENTE : Ver. Everton da Academia
     
PARECER : Nº 116/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Garante a utilização de vagas de estacionamento, filas de atendimento prioritário e uso de assentos reservados em transportes públicos ou coletivos para portadores de doenças e transtornos mentais graves"

1. Relatório:

 O Vereador Everton da Academia (PTB) apresentou à Câmara Municipal de Guaíba o Projeto de Lei nº 041/2019, que garante a utilização de vagas de estacionamento, filas de atendimento prioritário e uso de assentos reservados em transportes públicos ou coletivos para portadores de doenças e transtornos mentais graves. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da CF/88:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)" (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 041/2019 dispõe sobre a promoção da dignidade humana e a inclusão social da pessoa com moléstias graves, matérias para as quais a iniciativa é concorrente, porquanto não incidente sobre qualquer dos temas de iniciativa privativa:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

De fato, as disposições normativas insculpidas na Constituição Federal Cidadã de 1988 colocam, com efeito, a dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Brasileiro, conforme se observa da norma principiológica contida no art. 1º do seu texto, consignando, em seguida, no art. 3º, a redução das desigualdades e tratamento igualitário, evitando quaisquer discriminações.

É elogiosa a proposta legislativa, visto que pretende instituir pela via legislativa matéria que diz respeito à proteção à saúde

No mesmo sentido de garantia dos direitos fundamentais das pessoas com mobilidade reduzida, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 13, dispõe ser competência dos Municípios promover a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

(...)

IX - promover a acessibilidade nas edificações e logradouros de uso público e seus entornos, bem como a adaptação dos transportes coletivos, para permitir o acesso das pessoas portadoras de deficiências ou com mobilidade reduzida. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 56, de 03/04/08)

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. O texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de acessibilidade às pessoas com deficiência, de modo a eliminar e/ou reduzir as barreiras que impossibilitam o pleno exercício das suas garantias.

O Decreto nº 6.949, de 25/08/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

O E. STF, ao tratar em sede de controle de constitucionalidade de lei de autoria parlamentar que instituía medidas de proteção à pessoas vítimas de seqüelas graves em decorrência de queimaduras, assentou:

“O regime geral protetivo das pessoas com deficiência – cujo padecimento inclui os afetados por queimaduras – ganhou desenvoltura ainda maior após a aprovação, com status normativo constitucional, da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada no ordenamento brasileiro pelo Decreto 6.949/2009, que também reconhece o direito de pessoas com deficiência a diferentes prestações de reinserção social, a serem efetivadas de acordo com os recursos disponíveis de cada Estado Parte (artigo 4º, item 2).” ADI 5293 / SC, RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES, 08/11/2017.

A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1).

Da mesma forma, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Desse modo, a partir da introdução, na Constituição Federal de 1988, de todas as normas previstas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado, abrangendo não só as condições previstas no art. 5º do Decreto nº 5.296/04, como também todo impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais.

A definição, como se vê, é aberta, permitindo que os portadores de certas moléstias mentais graves possam ser enquadrados como pessoas com deficiência, dada a natureza destas doenças, que no mais das vezes acabam por limitar no aspecto físico a participação das pessoas na sociedade em igualdade de condições.

Há ainda, na jurisprudência, o reconhecimento desse conceito aberto de pessoa com deficiência, construído a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, extensível aos portadores de fibromialgia:

PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORA PÚBLICA, PORTADORA DE FIBROMIALGIA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. POSSIBILIDADE. PERÍCIA MÉDICA REALIZADA POR PERITO REGULARMENTE INSCRITO. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO POR JUNTA OFICIAL. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1. Apelação interposta em face de sentença que antecipou os efeitos da tutela, reduzindo a jornada de trabalho da autora para 6 (seis) horas diárias, independentemente de compensação e sem a redução da remuneração. 2. Hipótese em que a perícia realizada foi robusta o suficiente para solver as dúvidas quanto à condição de saúde da apelada, portadora de Fibromialgia. 3. Laudo pericial que confirmou a tese veiculada na inicial, atestando que a autora realmente sofre impedimento de longo prazo, com prejuízo de participação plena e efetiva na sociedade, com a necessidade de redução da carga de trabalho para o controle da patologia. 4. Considerando-se o novo conceito interpretativo de pessoa com deficiência, inaugurado pela Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, internalizado com status de norma constitucional, conclui-se que a autora é pessoa com deficiência, pelo menos para o fim de obter a redução da jornada de trabalho, independentemente de compensação e sem a redução da remuneração, para seis horas diárias, conforme o disposto no art. 98, parágrafo 2º, da Lei n. 8.112/1991. 5. A perícia realizada por profissional devidamente inscrito, substitui a realização da mesma perícia pela junta oficial. Precedentes. 6. A aplicação de multa diária tem o condão de coagir a parte à prestação da obrigação de fazer ou não fazer, a qual deveria ter sido realizada espontaneamente. A astreinte não tem caráter punitivo, mas sim coativo, não havendo óbice à sua aplicação face à Fazenda Pública. Não havendo resistência ao cumprimento da pretensão, não haverá a cobrança de multa. 7. Apelação improvida. (PROCESSO: 00009120820134058102, AC574252/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 26/02/2015, PUBLICAÇÃO: DJE 04/03/2015 - Página 90).

Em resumo, de forma geral, a matéria é viável, por dar concretude aos comandos constitucionais relativos à proteção da saúde no âmbito local do Município de Guaíba e traduzem preceitos de status constitucional que sintetizam o direito fundamental à saúde.

 

Por outro lado, o precedente do STF assentou que o critério legal vigente para assegurar o acesso a vagas reservadas é a dificuldade de locomoção ou de mobilidade (ADI 5293 / SC, RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES, 08/11/2017):

 

“Mas não é esse o único vício presente no dispositivo. Também se verifica hipótese de usurpação de competência quanto à parte final de seu conteúdo, que institui o direito de uso de vagas de estacionamento, destinado a pessoas com deficiência, às vítimas de queimadura com sequela grave incapacitante para o trabalho ou atividade habitual. Isso porque a condição jurídica elegida pela lei para a fruição do benefício – a “sequela grave incapacitante para o trabalho ou atividade habitual” – não pressupõe, necessariamente, dificuldade de locomoção.

E, de acordo com as normas gerais de promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência presentes em nosso ordenamento, (Lei 10.098/2010, hoje alterada pela Lei 13.146/2015), o critério vigente para assegurar acesso a vagas reservadas é a dificuldade de locomoção ou de mobilidade. É o que consta dos seguintes dispositivos:

Lei nº 10.098/2010:

Art. 7º Em todas as áreas de estacionamento de veículos, localizadas em vias ou em espaços públicos, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção.

Lei nº 13.146/2015:

Art. 47. Em todas as áreas de estacionamento aberto ao público, de uso público ou privado de uso coletivo e em vias públicas, devem ser reservadas vagas próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, desde que devidamente identificados. (...)

  • 4º A credencial a que se refere o § 2º deste artigo é vinculada à pessoa com deficiência que possui comprometimento de mobilidade e é válida em todo o território nacional.

Ao criar presunção legal de restrição de mobilidade de vítimas de queimaduras graves, o art. 8º da Lei nº 16.285/2013 do Estado de Santa Catarina, se distanciou do critério geral que deveria prevalecer, invadindo a competência legislativa atribuída à União no que diz com a edição de normas gerais sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. A presunção legal vertida na lei catarinense não tratou simplesmente de suplementar espaços de intermediação normativa – como autorizado pelo art. 24, § 2º, da CF – tendo, ao contrário, substituído o critério federal primariamente estabelecido por outro, de conteúdo substancialmente diverso.

Sugere-se, em respeito ao que entende o Supremo Tribunal Federal, o seguinte Substitutivo:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 041/2019.

Garante a utilização de vagas de estacionamento, filas de atendimento prioritário e uso de assentos reservados em transportes públicos ou coletivos para portadores de doenças e transtornos mentais graves.

Art. 1º As empresas comerciais que recebam pagamentos de contas e bancos deverão incluir os portadores de doenças e transtornos mentais graves nas filas já destinadas às pessoas com deficiência.

Art. 2º Será permitido aos portadores de doenças e transtornos mentais graves com dificuldades de locomoção ou mobilidade, estacionar em vagas já destinadas às pessoas com deficiência.

Art. 3º Será permitido aos portadores de doenças graves, utilizar os assentos já destinados às pessoas com deficiência no transporte público.

Art. 4º O indivíduo que possui diagnóstico com parecer médico como meio de prova, poderá fazer jus a estes benefícios.

Art. 5° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela necessidade de correção do Projeto de Lei nº 041/2019, por existirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. O assentado pelo E. Supremo Tribunal Federal na ADI 5293/SC permite concluir pela necessidade de adequação da proposta legislativa ora em análise.

Sugere-se ao autor que apresente Substitutivo nos termos sugeridos ou que a Comissão de Justiça e Redação apresente Emenda com a alteração sugerida, para que, consoante determina a legislação nacional e a jurisprudência da Suprema Corte, a reserva de vagas destine-se a pessoas com doenças graves com dificuldades de locomoção ou mobilidade.

É o parecer.

Guaíba, 08 de maio de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal

OAB/RS 107.136



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