Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 014/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 103/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a gratificação mensal temporária aos servidores municipais ocupantes de cargos das categorias funcionais dos padrões 1 ao 7"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 014/2019 à Câmara Municipal, o qual “Institui a gratificação mensal temporária aos servidores municipais ocupantes de cargos das categorias funcionais dos padrões 1 ao 7”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico.

2. Parecer:

Primeiramente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da instituição de gratificação a servidores públicos municipais e envolvem o aumento de gastos com pessoal, o que compete ao Chefe desse Poder, nos termos do artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “a”, da CF/88, do artigo 60, inc. II, alínea “a”, da CE/RS e do artigo 119, inc. II, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Desse modo, a organização do quadro de cargos públicos e seu regime jurídico é matéria de conveniência e oportunidade do Poder Executivo Municipal, nos termos do art. 52, inc. XI, e 119, inciso I, da Lei Orgânica Municipal, competindo ao soberano Plenário, no presente caso, decidir pela aprovação da instituição da gratificação em questão.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Gratificações podem ser definidas “como sendo vantagens de ordem financeira, precária, atribuídas ao servidor público que presta serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade ou são concedidas em face de certos encargos pessoais. Essas gratificações não são liberalidade da Administração Pública, mas sim são atribuições dada aos servidores por interesses recíprocos: primeiro da administração em ter os serviços extras do servidor e este em receber pelos serviços prestados. São vantagens pecuniárias transitórias que não se incorporam automaticamente no vencimento do servidor e nem estabelece direito subjetivo à sua percepção contínua, mas em razão somente das circunstâncias peculiares impostas pelos interesses mútuos.”[1].

Por sua vez, o TCE-MT estabelece que “é possível à Administração Pública instituir gratificações especiais para recompensar os seus servidores efetivos que exerçam atribuições excepcionais, eventuais e transitórias, passíveis de serem acumuladas com aquelas ordinárias e inerentes aos cargos públicos que ocupam”.

Quanto às gratificações, observe-se a lição de Hely Lopes Meirelles:

(…) são vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço), ou concedida como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica (gratificações especiais). As gratificações – de serviços ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção.(...) Gratificação de serviço (propter laborem) é aquela que a Administração institui para recompensar riscos ou ônus decorrentes de trabalho normais executados em condições anormais de perigo ou de encargos para o servidor, tais como os serviços realizados com risco a vida e saúde ou prestados fora do expediente, da sede ou das atribuições ordinárias do cargo. O que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor. Nessa categoria de gratificações entram, dentre outras, as que a Administração paga pelos trabalhos realizados com risco de vida e saúde; pelos serviços extraordinários; pelo exercício do Magistério; pela representação de gabinete; pelo exercício em determinadas zonas ou locais; pela execução de trabalho técnico ou científico não decorrente do cargo; pela participação em banca examinadora ou comissão de estudo ou de concurso; pela transferência de sede (ajuda de custo); pela prestação de serviços fora da sede (diárias). Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro lobore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí por que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria (…).

Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias ‘pro labore faciendo’ e ‘propter laborem’. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justifiquem, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí porque não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria...’ (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição, Malheiros Editores, pág. 411).

Com efeito, as gratificações mantêm relação com a especificidade da situação fática do exercício da função, o que não se observa da análise da matéria proposta pelo Projeto de Lei nº 014/2019, já que não é possível identificar a situação fática efetiva ou os motivos especiais que justifiquem a pretendida gratificação. Segue a doutrina de Hely Lopes Meirelles quanto ao tema:

 “O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor...”.

A doutrina é clara no sentido de que as vantagens pecuniárias sempre implicam a ocorrência de um “suporte fático específico para gerar o direito a sua percepção”. (Carvalho Filho, 2016).

Extrai-se da doutrina, ademais, que diferentemente do que aduz a justificativa da proposição, as gratificações não podem ser utilizadas como forma de aumento salarial. Assim, é possível a concessão pelo exercício de atribuições excepcionais, eventuais e transitórias, que excedam mas não comprometam aquelas ordinárias afetas ao cargo público (efetivo) ocupado.

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto para a instituição de gratificação deve demonstrar o cumprimento de requisitos de natureza orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88 e dos artigos 15, 16, 17, 20 e 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

  • 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Verificou-se na proposição a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro comprovando que há recursos suficientes para o atendimento da despesa. Ainda, a estimativa do impacto orçamentário e financeiro contempla a previsão da classificação orçamentária por onde correrá a despesa, declaração de que há previsão da despesa no orçamento e na programação financeira, demonstração do impacto no exercício corrente e nos dois posteriores, indicação dos percentuais de despesa e declaração de compatibilidade com as metas fiscais.

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Preceitua, também, o artigo 17 da LC nº 101/00:

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

  • Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.
  • Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.
  • 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
  • 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.
  • 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.
  • 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.
  • 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

Assim, constata-se que foi apresentada a estimativa de impacto orçamentário e financeiro com a demonstração da origem dos recursos para o seu custeio. Ainda, o documento demonstra a compatibilidade com as metas de resultados fiscais.

Quanto à existência de inconsistências no impacto orçamentário-financeiro, deve o Poder Executivo incluir as seguintes informações, conforme bem alertou o IGAM nas OTs nº 18.039 e 17.605/2019:

- nas premissas e a metodologia de cálculo utilizadas, não foram apresentadas as previsões dos encargos que também irão aumentar em detrimento das gratificações criadas, conforme determina o § 4º do art. 17 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF);

- não foi demonstrada a previsão específica para a criação das gratificações na LDO (art. 169, § 1º da CF/88);

- deverá ser apresentada a parte do saldo orçamentário existente para a cobertura dos encargos patronais que serão onerados.

No sentido da necessidade de demonstração das premissas e da metodologia de cálculo utilizada, veja-se o acórdão nº 883/2005 do TCU:

Quando houver criação, expansão, aperfeiçoamento de ações governamentais (estaduais ou municipais) que resultem no aumento de despesa, estas só podem ser instituídas se atendidos os seguintes requisitos:

(...)

4) parâmetros (premissas) e metodologia de cálculo utilizada para estimativas de gastos com cada criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental. Este documento deve ser claro, motivado e explicativo, de modo a evidenciar de forma realista as previsões de custo e seja confiável, ficando sujeito à avaliação dos resultados pelo controle interno e externo. Esses elementos devem acompanhar a proposta de criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação de governo quando for necessária a aprovação legislativa. As regras se aplicam a todos os poderes e órgãos constitucionais. Sem o atendimento a essas exigências sequer poderá ser iniciado o processo licitatório (§ 4º do art. 16) para contratação de obras, serviços e fornecimentos relacionados ao implemento da ação governamental.

Da análise do Demonstrativo dos Limites – RGF do Poder Executivo Municipal no 3º Quadrimestre do exercício de 2018, constata-se que o Total da Despesa Líquida com Pessoal nos 12 últimos meses foi de 51,16% da Receita Corrente Líquida, ultrapassando o limite para a emissão de alerta, porém não atingindo o limite prudencial no art. 22, para. único da LRF (51,3%). Ainda que não atingido o limite prudencial previsto no art. 22, para. único da LRF (51,3%), esse limite está muito próximo de ser atingido, sendo que ocorrendo esta hipótese, terão de ser tomadas medidas em atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal, além do impedimento de criação de cargos, empregos e funções, prover cargos públicos, contratação de hora extra, concessão de vantagens, dentre outras.

[1] Hely Lopes Meirelles , Direito administrativo brasileiro, p. 523/524

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 014/2019, de autoria do Poder Executivo Municipal, observando, porém, existirem óbices de natureza material que impedem esta Procuradoria opinar pela legalidade da proposição, considerando-se não haver fato gerador específico da atividade laboral que justifique a instituição da pretendida gratificação, para além das inconsistências do impacto orçamentário-financeiro apontadas pelo IGAM nas OTs nº 18.039 e 17.605/2019.

                        É o parecer.

Guaíba, 30 de abril de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal de Guaíba

OAB/RS nº 107.136

 



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