Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 037/2019
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 096/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Política Municipal de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e dá outras providências"

1. Relatório:

 A Vereadora Claudinha Jardim (DEM) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 037/2019, que “Institui a Política Municipal de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)".[1]

Nos termos do art. 23, II da CF/88, é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”, além de possui o ente local competência legislativa no que diz respeito à proteção e à integração social das pessoas com deficiência, interpretando-se sistematicamente os artigos 24, XIV e 30, I e II da CF/88.

A iniciativa para o processo legislativo está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 037/18 significa apenas a positivação, em norma local, de obrigações e deveres já previstos em normas federais, constitucionais e infraconstitucionais, relativas à promoção dos direitos das pessoas com deficiência. A proposição não cria cargos, funções ou empregos públicos na administração e não determina o aumento de remuneração, também não cria, extingue ou modifica órgão da administração, nem mesmo confere nova atribuição a órgão da administração pública.

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. É cediço o entendimento dos tribunais de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Assim os tribunais vêm entendendo em julgamentos firmando entendimento no sentido de que legislar sobre essa matéria é iniciativa concorrente – iniciativa geral e que corresponde à competência municipal:

STF. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. [ADI 3.394, rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.].

STF. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013 do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. [ARE 878.911 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 29-9-2016, P, DJE de 11-10-2016, Tema 917.]

STF. A criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo. [RE 290.549 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 28-2-2012, 1ª T, DJE de 29-3-2012.

A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado. [ADI 724 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 7-5-1992, P, DJ de 27-4-2001.] = RE 590.697 ED, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 23-8-2011, 2ª T, DJE de 6-9-2011

A proposta legislativa em análise não trata de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como não dispõe sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos, além de não ser matéria que disponha sobre a organização administrativa municipal. Não se verifica, assim, afronta ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988.

Por outro lado, impende registrar que já existe lei nacional que possui previsões normativas exatamente nos mesmos termos da proposta local, o que caracteriza a inconstitucionalidade formal da proposição em análise, já que não vem a inovar a ordem jurídica, tornando-a inviável, além de que nos casos em que a União já legislou, cabe aos demais entes tão somente suplementar a legislação nacional.

A Lei Nacional Nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a proteção dos direitos das pessoas com TEA possui, ademais, praticamente as mesmas normas do projeto de lei em epígrafe:

“Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. 
§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: 
I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; 
II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. 
§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. 

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista: 
I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista; 
II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; 
III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; 
IV - (VETADO); 
V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 
VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; 

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; 
VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País. 
 Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado. 
     Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: 
I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; 
II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; 
III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: 
(...)

Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado. 
Art. 4º A pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.”

    

Assim, da análise da legislação nacional, constata-se que o teor do Projeto de Lei nº 036/2019, em certos dispositivos, não virá a inovar a ordem jurídica, tendo em vista que as normas trazidas pela lei geral já vigoram e criam obrigações e direitos no âmbito do Município de Guaíba.

A jurisprudência é inequívoca no sentido de que de forma alguma é permitido ao Município estabelecer diretrizes contrárias ou simplesmente diferentes àquelas estabelecidas pelo Estado ou pela União e que havendo norma nacional, aos Municípios apenas é lícito suplementar a legislação geral. É este o entendimento dos Tribunais, não podendo os demais entes federados extrapolarem os limites da competência suplementar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 5.450, de 05 de outubro de 2017, do Município de Barretos, que “institui a meia-entrada para servidores públicos do Município de Barretos em estabelecimentos que proporcionem lazer e entretenimento no Município de Barretos e dá providências correlatas” Invasão de competência atribuída pela Constituição Federal à União,Estados e ao Distrito Federal (art. 24, IX, da CF, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da CE) No âmbito Federal e Estadual do Estado de São Paulo há leis regulando a matéria atinente à concessão da “meia-entrada” O Município detém competência suplementar em matérias de competência legislativa da União ou dos Estados, no que couber, observando o prevalente interesse local (art. 30, I e II, da CF), ausente no caso Impossibilidade de o Município ampliar os benefícios da meia-entrada para além dos limites das leis federal e estadual, estendendo-o aos servidores municipais, sob pena de converter a competência suplementar do Município (art.30 da CF, aplicável aos municípios por força do art. 144 da CE) em concorrente Norma impugnada, ademais, que ao conceder o benefício exclusivamente aos servidores   municipais, sem critério justo de diferenciação, beneficiando uma determinada categoria, viola os princípios da razoabilidade e da moralidade administrativa(art. 111 CE) Precedentes deste C. Órgão Especial Inconstitucionalidade declarada.Ação julgada procedente.

Porém, apesar de relevante e louvável a proposição, a existência de Lei Nacional, inclusive considerando a pessoa com transtorno do espectro autista como pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais, acarreta na inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 037/2019, por não inovar a ordem jurídica e por afronta ao artigo 30 da CF/88, consistindo em produção normativa local não autorizada pela competência suplementar do Município, estabelecida no art. 30, II da Constituição Federal.

[1] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver ao autor o Projeto de Lei n.º 037/2019, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), visto que se caracteriza como antijurídica por não inovar a ordem jurídica e eivada de inconstitucionalidade manifesta, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a competência legislativa suplementar do Município expressa no art. 30, II da CF/88.

É o parecer.

Guaíba, 29 de abril de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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