Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 036/2019
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim e Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 094/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de banheiros químicos adaptados em eventos públicos realizados no Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

Os Vereadores Claudinha Jardim (DEM) e Dr. João Collares (PTB) apresentaram à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 036/2019, que “Dispõe sobre a Obrigatoriedade de Instalação de Banheiros Químicos Adaptados em Eventos Públicos Realizados no Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A iniciativa para o processo legislativo está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 036/18 dispõe sobre medida de polícia administrativa e de garantia à acessibilidade das pessoas com deficiência, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhecem os artigos 61 da CF/88, 59 da CE/RS e 38 da Lei Orgânica Municipal.

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)".[1]

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. É cediço o entendimento dos tribunais de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Assim os tribunais vêm entendendo em julgamentos firmando entendimento no sentido de que legislar sobre essa matéria é iniciativa concorrente – iniciativa geral e que corresponde à competência municipal:

STF. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. [ADI 3.394, rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.].

STF. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013 do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. [ARE 878.911 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 29-9-2016, P, DJE de 11-10-2016, Tema 917.]

STF. A criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo. [RE 290.549 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 28-2-2012, 1ª T, DJE de 29-3-2012.

A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado. [ADI 724 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 7-5-1992, P, DJ de 27-4-2001.] = RE 590.697 ED, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 23-8-2011, 2ª T, DJE de 6-9-2011

A proposta legislativa em análise não trata de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como não dispõe sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos, além de não ser matéria que disponha sobre a organização administrativa municipal. Não se verifica, assim, afronta ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988.

Com base nesses fundamentos e na jurisprudência, a proposição está inserida no âmbito das normas de polícia administrativa e é imposta visando a segurança pública e a integridade física e o convívio dos munícipes em um ambiente sadio, além de garantir a acessibilidade das pessoas com deficiência, cabendo a iniciativa também aos parlamentares, não usurpando ainda a competência de outros entes, além de não haver ingerência na gestão administrativa municipal.

Por outro lado, impende registrar, que o Congresso Nacional aprovou Projeto de Lei, pendente de sanção pelo Presidente da República, que torna obrigatória em todo o território nacional a instalação de banheiros químicos com unidades acessíveis a pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, o que provavelmente pode levar a que a proposição em análise venha a não inovar a ordem jurídica, tornando-a inviável.

A Lei Federal a ser sancionada possui o seguinte teor normativo:

“Art. 1º O art. 6º da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

‘Art. 6º ....................................................................................

  • Os eventos organizados em espaços públicos ou privados em que haja instalação de banheiros químicos deverão contar com unidades acessíveis a pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
  • O número mínimo de banheiros acessíveis corresponderá a 10% (dez por cento) do total, garantindo-se pelo menos uma unidade acessível caso a aplicação do percentual resulte em fração inferior a um.’ (NR)”

    

Assim, da análise da legislação aprovada pelo Congresso Nacional em 20/03/2019 e remetida à sanção em 22/04/2019, constata-se que o teor do Projeto de Lei nº 036/2019, em certos dispositivos, virá a conflitar com a norma federal, tornando a norma municipal inconstitucional, especificamente quanto ao seguinte:

  • A norma federal não prevê um número mínimo de pessoas para que haja a obrigatoriedade de instalação de banheiros químicos com unidades acessíveis, enquanto que a norma local prevê a obrigatoriedade apenas na hipótese de o evento reunir mais de 50 pessoas, indo de encontro à garantia da lei federal;
  • A norma federal prevê um mínimo de 10% de banheiros químicos acessíveis, enquanto que a norma local prevê percentual mínimo inferior de 5%, tornando-a inconstitucional por contrariar a norma federal.

Porém, apesar de relevante e louvável a proposição, a provável sanção em breve de Lei Federal acarretará na inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 036/2019, por em parte não inovar a ordem jurídica e em parte por conflitar com o que dispõe a lei federal que altera a Lei Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

De forma alguma é lícito ao Município fixar diretrizes contrárias ou simplesmente diferentes àquelas estabelecidas pelo Estado ou pela União.É este o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto a normas municipais que estejam em desarmonia com as normas federais:

O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB). [RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145.]

[1] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela falta de segurança jurídica para opinar pela constitucionalidade e regular tramitação do Projeto de Lei n.º 036/2019, de autoria dos Vereadores Claudinha Jardim (DEM) e Dr. João Collares (PTB), por haver Lei aprovada pelo Congresso Nacional que dispõe sobre a matéria e com teor conflitante com a proposição em análise pendente de sanção, sugerindo-se a devolução do Projeto aos proponentes, por haver alta probabilidade de inconstitucionalidade, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a competência legislativa suplementar do Município expressa no art. 30, II da CF/88.

Sugere-se aos proponentes, que após a provável sanção da Lei Federal, que apresentem Substitutivo ao projeto original, ao Município sendo lícito regulamentar a legislação federal, garantindo maior concretude, disciplinando os pormenores da norma geral, adaptando a vida prática da Municipalidade aos ditames oriundos de legislação editada pela União em competência suplementar, considerando o interesso local do município de Guaíba, como, por exemplo, como pretendido no projeto original, a obrigação de haver banheiros químicos acessíveis masculinos e femininos nos eventos.

É o parecer.

Guaíba, 25 de abril de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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