Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 025/2019
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 071/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Amplia os serviços que poderão ser prestados pelas farmácias e drogarias"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 025/19 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a ampliação dos serviços que poderão ser prestados pelas farmácias e drogarias no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de proteção e defesa da saúde (art. 24, XII), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No que concerne à competência legislativa para legislar sobre assuntos de interesse local, adverte-se que “deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas, mas desde que não instituam, simplesmente, as mesmas obrigações.

A respeito da matéria envolvendo de proteção e defesa da saúde em relação a farmácias, as leis federais nº 5.991/73 e 13.021/14 preveem diversas disposições sobre os produtos e serviços a serem fornecidos por esses estabelecimentos. O Capítulo III da Lei Federal nº 13.021/14, a exemplo disso, traz as seguintes disposições:

Art. 6º Para o funcionamento das farmácias de qualquer natureza, exigem-se a autorização e o licenciamento da autoridade competente, além das seguintes condições:

I - ter a presença de farmacêutico durante todo o horário de funcionamento;

II - ter localização conveniente, sob o aspecto sanitário;

III - dispor de equipamentos necessários à conservação adequada de imunobiológicos;

IV - contar com equipamentos e acessórios que satisfaçam aos requisitos técnicos estabelecidos pela vigilância sanitária.

Art. 7º Poderão as farmácias de qualquer natureza dispor, para atendimento imediato à população, de medicamentos, vacinas e soros que atendam o perfil epidemiológico de sua região demográfica.

Art. 8º A farmácia privativa de unidade hospitalar ou similar destina-se exclusivamente ao atendimento de seus usuários.

Parágrafo único. Aplicam-se às farmácias a que se refere o caput as mesmas exigências legais previstas para as farmácias não privativas no que concerne a instalações, equipamentos, direção e desempenho técnico de farmacêuticos, assim como ao registro em Conselho Regional de Farmácia.

A Lei Federal nº 5.991/73, por sua vez, estabelece no art. 21 que “O comércio, a dispensação, a representação ou distribuição e a importação ou exportação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos será exercido somente por empresas e estabelecimentos licenciados pelo órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, em conformidade com a legislação supletiva a ser baixada pelos mesmos, respeitadas as disposições desta Lei.”

Assim, como se vê, a legislação supletiva relacionada aos serviços e às condições de funcionamento das farmácias é de responsabilidade dos Estados, do DF e dos Territórios, a quem cabe disciplinar, complementarmente, sobre esses pontos. A propósito, em âmbito estadual, a Portaria SES nº 445/2017, da Secretaria Estadual de Saúde, já firma as exigências para as farmácias que prestem o serviço de aplicação de vacinas, conforme cópia anexa.

Portanto, a legislação local não poderia, a pretexto da competência suplementar do artigo 30, II, da Constituição Federal de 1988, ampliar os serviços que poderão ser prestados pelas farmácias e drogarias, pois, do contrário, estaria usurpando as competências do artigo 24 da CF/88 e, sobretudo, o princípio federativo, que distribui matérias específicas à atuação de cada ente federado. Eis, por fim, a jurisprudência do TJRS:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE ACERCA DOS ESTUDANTES BENEFICIÁRIOS DE MEIA-ENTRADA PARA INGRESSO EM EVENTOS ESPORTIVOS. QUALIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO JURÍDICA DE ESTUDANTE. MEDIDA PROVISÓRIA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO E DOS ESTADOS-MEMBROS. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto (art. 24, IX da CF). O Município não detém competência para legislar sobre essas matérias, e se detivesse, não podia, utilizando-se do argumento do interesse local, restringir ou ampliar determinações contidas em regramento de âmbito nacional. Precedentes do STF. Inconstitucionalidade do art. 4º Lei Municipal n. 9.989/2006 que restringe a qualificação da situação jurídica de estudante para ingresso em eventos esportivos, com o pagamento de meia-entrada. Confronto com a Medida Provisória n. 2.208/2008. INCIDENTE JULGADO PROCEDENTE. UNÂNIME. (TJ-RS - IIN: 70048987044 RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Data de Julgamento: 06/08/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/08/2012).

É inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional” (RE n. 596.489-AgR/RS, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 20.11.2009).

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de esgotamento da competência suplementar municipal por já terem sido instituídas as diretrizes na Lei Federal nº 5.991/73, na Lei Federal nº 13.021/14 e, em âmbito estadual, na Portaria SES nº 445/2017, o que acaba usurpar o sistema constitucional de repartição de competências, que decorre do princípio federativo (art. 1º, caput, CF/88; art. 1º, caput, CE/RS).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 03 de abril de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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