Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 024/2019
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 069/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Implementa legislação com objetivo de impedir que no âmbito da administração pública direta ou indireta, com ampliação para as empresas concessionárias de serviços públicos e nas empresas terceirizadas com contrato com a administração pública, protegendo a sociedade e os usuários dos serviços públicos, e impedindo que pessoas que praticaram crimes contra a mulher e que já possuam condenação em segunda instância, em sintonia com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal"

1. Relatório:

 Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 024/2019, apresentado pelo Vereador Alex Medeiros (PP), que “Implementa legislação com objetivo de impedir que no âmbito da administração pública direta ou indireta, com ampliação para as empresas concessionárias de serviços públicos e nas empresas terceirizadas com contrato com a administração pública, protegendo a sociedade e os usuários dos serviços públicos, e impedindo que pessoas que praticaram crimes contra a mulher e que já possuam condenação em segunda instância, em sintonia com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 024/2019, de autoria do Vereador Alex Medeiros (PP), encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, leis com a mesma matéria de fundo já foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal e foram consideradas constitucionais por concretizarem o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF/88).

Essa particular matéria referente a normas coerentes com os princípios do artigo 37 da Constituição Federal, como referimos, já foi levada a julgamento em ações diretas de inconstitucionalidade, cujo questionamento versou, exatamente, sobre a existência de vício formal de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo) na instituição de ato normativo que dá concretude ao princípio da moralidade na administração pública, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, no sentido de que:

“... não se está atuando legislativamente no sentido de regular a criação, alteração e extinção de cargo, função ou emprego do Poder Executivo e autarquia do município ou no que diz com a organização administrativa dos servidores ou seu regime jurídico mas, significa o estabelecimento de um princípio da moralidade administrativa, bem como de impessoalidade na gestão pública, que devem pautar a atuação dos Poderes Públicos.

(...)

... não há que se trazer à colação o tema da iniciativa do Prefeito Municipal no que concerne à organização e regência dos serviços no âmbito local, quando se está diante de regra que visa estabelecer parâmetros éticos para a contratação de pessoal no âmbito da Administração Pública, conteúdos já insertos no ordenamento pátrio, quando lidos pela perspectiva constitucional, a partir dos princípios que pautam a ação administrativa do Estado em todos os seus níveis.”[1]

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, em Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida, considerou constitucional a Lei Municipal nº 2.040/1990, do Município de Garibaldi-RS, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a proibição da prática do nepotismo no âmbito da Administração Pública local. Importante trazer à tona a ementa do referido acórdão, muito esclarecedora:

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. LEI PROIBITIVA DE NEPOTISMO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA LEGISLATIVA: INEXISTÊNCIA. NORMA COERENTE COM OS PRINCÍPIOS DO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. O Procurador-Geral do Estado dispõe de legitimidade para interpor recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça proferido em representação de inconstitucionalidade (art. 125, § 2º, da Constituição da República) em defesa de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em simetria a mesma competência atribuída ao Advogado Geral da União (art. 103, § 3º, da Constituição da República). Teoria dos poderes implícitos. 2. Não é privativa do Chefe do Poder Executivo a competência para a iniciativa legislativa de lei sobre nepotismo na Administração Pública: leis com esse conteúdo normativo dão concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade do art. 37, caput, da Constituição da República, que, ademais, têm aplicabilidade imediata, ou seja, independente de lei. Precedentes. Súmula Vinculante n. 13. 3. Recurso extraordinário provido. (...)

Se os princípios do art. 37, caput, da Constituição da República sequer precisam de lei para serem obrigatoriamente observados, não há vício de iniciativa legislativa em norma editada com o objetivo de dar eficácia específica àqueles princípios e estabelecer casos nos quais, inquestionavelmente, configurariam comportamentos administrativamente imorais ou não-isonômicos. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072679236, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em 24/07/2017).

A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à iniciativa é no sentido que o simples fato de a norma estar direcionada ao Poder Executivo não implica, por si só, que ela deva ser de iniciativa do Prefeito Municipal, sob pena de nefasto engessamento do Poder Legislativo, em franco desprestígio à sua elevada função institucional no Estado de Direito. É notória a jurisprudência do STF no sentido de que o rol do artigo 61, § 1º, da Constituição Federal é taxativo, não estando elencada nesse rol medidas que pretendem assegurar o princípio da transparência na prestação do serviço público municipal.

Ainda corroborando a constitucionalidade da proposição ora em análise, identificam-se, no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 70074646969. Veja-se a ementa do acórdão, no que concerne à constitucionalidade da Lei Nº 3.756/2017, do Município de Espumoso:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ESPUMOSO. LEI Nº 3.756/2017. FICHA LIMPA MUNICIPAL. NOMEAÇÕES PARA CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÕES GRATIFICADAS. VÍCIO FORMAL E MORALIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 37, CF/88, E 19, CE/89. A moralidade administrativa, tratada em os arts. 37, CF/88, e 19, CE/89, corresponde a normatização de eficácia direta e aplicabilidade imediata, a dispensar, até, texto normativo regulamentar. Por isso, bem pode o legislador municipal, decalcando essencialmente banimento ao exercício de cargos eletivos, transpor tais restrições quanto a cargos comissionados, assim como funções gratificadas. Necessário, ademais, estabelecer diferença entre requisitos para os provimentos dos cargos (como, v.g., idade), de exclusividade do Chefe do respectivo Poder, com as condições para ocupação de cargos públicos, impregnadas estas de resguardo aos valores básicos constitucionais. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. IRRAZOABILIDADE. DESPROPORCIONALIDADE. Afigura-se inteiramente irrazoável, bem como desproporcional, o banimento ao provimento comissionado e exercício de funções gratificadas, a simples condição de inscrição em dívida ativa. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO E FUNÇÃO GRATIFICADA. DISTINÇÃO. INTERPRETAÇÃO CONFORME. Não se pode confundir gratificação de função com função gratificada, justificando-se restrições apenas quanto a esta, ensejando, com isso, interpretação conforme da norma local. Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074646969, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 23/10/2017)

Em que pese a constitucionalidade da matéria, constata-se que a norma constante do Projeto de Lei N.º 024/2019, que pretende estender às empresas concessionárias de serviços públicos e nas empresas terceirizadas com contrato com a administração pública as proibições, vem a ferir as regras de competência dispostas pelo artigo 22, I, da Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

(...)

[1] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7797457

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe - PL N.º 024/2019 de autoria do Ver. Alex Medeiros (PP), em razão de vício de iniciativa, especificamente em seu art. 1º, caracterizado com base no artigo 22, inciso I, da CF/88.

Desde que suprimida a norma que pretende estender às empresas concessionárias de serviços públicos e nas empresas terceirizadas com contrato com a administração pública, por ofensa ao artigo 22, I, da CF/88, a proposição tornar-se-ia viável, sendo proposição que estabelece a aplicabilidade do princípio da moralidade administrativa, sem atuar na criação, alteração ou extinção de cargos.

Guaíba, 02 de abril de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara de Guaíba

OAB/RS nº 107.136



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