Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 022/2019
PROPONENTE : Ver. Miguel Crizel
     
PARECER : Nº 059/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui, no Município de Guaíba, o Dia Municipal da Fibromialgia, filas preferenciais e vagas de estacionamento preferencial"

1. Relatório:

O Vereador Miguel Crizel apresentou à Câmara Municipal de Guaíba o Projeto de Lei nº 022/2019, que institui, no Município de Guaíba, o Dia Municipal da Fibromialgia, filas preferenciais e vagas de estacionamento preferencial. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da CF/88:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)" (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 022/2019 dispõe sobre a promoção da dignidade humana e a inclusão social da pessoa com deficiência, matérias para as quais a iniciativa é concorrente, porquanto não incidente sobre qualquer dos temas de iniciativa privativa:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No mesmo sentido de garantia dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 13, dispõe ser competência dos Municípios promover a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

(...)

IX - promover a acessibilidade nas edificações e logradouros de uso público e seus entornos, bem como a adaptação dos transportes coletivos, para permitir o acesso das pessoas portadoras de deficiências ou com mobilidade reduzida. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 56, de 03/04/08)

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de acessibilidade às pessoas com deficiência, de modo a eliminar e/ou reduzir as barreiras que impossibilitam o pleno exercício das suas garantias.

O Decreto nº 6.949, de 25/08/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1).

Da mesma forma, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Desse modo, a partir da introdução, na Constituição Federal de 1988, de todas as normas previstas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado, abrangendo não só as condições previstas no art. 5º do Decreto nº 5.296/04, como também todo impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais.

A definição, como se vê, é aberta, permitindo que os portadores de fibromialgia possam ser enquadrados como pessoas com deficiência, dada a natureza incurável da síndrome, que limita no aspecto físico a participação das pessoas na sociedade em igualdade de condições. Conforme dados médicos retirados da internet[1],

Fibromialgia caracteriza-se por dor crônica que migra por vários pontos do corpo e se manifesta especialmente nos tendões e nas articulações. Trata-se de uma patologia relacionada com o funcionamento do sistema nervoso central e o mecanismo de supressão da dor que atinge, em 90% dos casos, mulheres entre 35 e 50 anos.

A dor da fibromialgia pode ser intensa e incapacitante, mas não provoca inflamações nem deformidades físicas. Entretanto, pode estar associada a outras doenças reumatológicas, o que pode confundir o diagnóstico.

Há ainda, na jurisprudência, o reconhecimento desse conceito aberto de pessoa com deficiência, construído a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, extensível aos portadores de fibromialgia:

PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORA PÚBLICA, PORTADORA DE FIBROMIALGIA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. POSSIBILIDADE. PERÍCIA MÉDICA REALIZADA POR PERITO REGULARMENTE INSCRITO. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO POR JUNTA OFICIAL. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1. Apelação interposta em face de sentença que antecipou os efeitos da tutela, reduzindo a jornada de trabalho da autora para 6 (seis) horas diárias, independentemente de compensação e sem a redução da remuneração. 2. Hipótese em que a perícia realizada foi robusta o suficiente para solver as dúvidas quanto à condição de saúde da apelada, portadora de Fibromialgia. 3. Laudo pericial que confirmou a tese veiculada na inicial, atestando que a autora realmente sofre impedimento de longo prazo, com prejuízo de participação plena e efetiva na sociedade, com a necessidade de redução da carga de trabalho para o controle da patologia. 4. Considerando-se o novo conceito interpretativo de pessoa com deficiência, inaugurado pela Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, internalizado com status de norma constitucional, conclui-se que a autora é pessoa com deficiência, pelo menos para o fim de obter a redução da jornada de trabalho, independentemente de compensação e sem a redução da remuneração, para seis horas diárias, conforme o disposto no art. 98, parágrafo 2º, da Lei n. 8.112/1991. 5. A perícia realizada por profissional devidamente inscrito, substitui a realização da mesma perícia pela junta oficial. Precedentes. 6. A aplicação de multa diária tem o condão de coagir a parte à prestação da obrigação de fazer ou não fazer, a qual deveria ter sido realizada espontaneamente. A astreinte não tem caráter punitivo, mas sim coativo, não havendo óbice à sua aplicação face à Fazenda Pública. Não havendo resistência ao cumprimento da pretensão, não haverá a cobrança de multa. 7. Apelação improvida. (PROCESSO: 00009120820134058102, AC574252/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 26/02/2015, PUBLICAÇÃO: DJE 04/03/2015 - Página 90).

Portanto, à luz dos fundamentos expostos, é possível reconhecer aos portadores de fibromialgia a condição de pessoas com deficiência, estendendo-lhes o direito de receber atendimento preferencial e a utilização de vaga de estacionamento privativa. Por oportuno, vale ressaltar que, de acordo com a orientação técnica nº 11.145/19 do IGAM,

No que se refere aos arts. 2º e 3º, considerando que não se está criando qualquer ônus aos empreendimentos comerciais e de prestação de serviços, não se identifica configuração de inconstitucionalidade ao impor atendimento preferencial aos fibromiálgicos, tampouco aos lhes garantir o uso de vagas preferenciais, em estacionamentos, reservadas aos idosos, gestantes e pessoas com deficiência. Recomenda-se, contudo, que o art. 3º seja alterado para que sua redação passe a constar da seguinte forma: “Art. 3º Será permitido aos portadores de Fibromialgia estacionar em vagas já destinadas às pessoas com deficiência.” Alteração justifica-se pela categorização da situação que envolve os fibromiálgicos, pois eles não entram em paralelo com idoso e com gestante, mas com pessoa com deficiência.

Assim, em que pese não haja inconstitucionalidade de natureza formal ou material, sugere-se a apresentação de substitutivo alterando a redação dos arts. 2º e 3º, para que o portador de fibromialgia possa receber atendimento preferencial e utilizar vagas de estacionamento na categoria de pessoas com deficiência, que é a condição que se lhes pode atribuir em paralelo.

Recomenda-se o seguinte texto de substitutivo:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 022/2019.

Institui, no Município de Guaíba, o Dia Municipal da Fibromialgia e garante a utilização de filas preferenciais e de vagas de estacionamento preferenciais.

Art. 1º Fica instituído, no âmbito do Município de Guaíba, o Dia Municipal da Fibromialgia, a ser comemorado anualmente no dia 12 de maio.

Art. 2º As empresas comerciais que recebam pagamentos de contas e bancos deverão incluir os portadores de Fibromialgia nas filas já destinadas às pessoas com deficiência.

Art. 3º Será permitido aos portadores de Fibromialgia estacionar em vagas já destinadas às pessoas com deficiência.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

[1] https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/fibromialgia/

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no Projeto de Lei nº 022/2019, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

No entanto, atendendo às recomendações do IGAM, sugere-se a apresentação de substitutivo nos termos acima indicados, visando garantir que o portador de fibromialgia possa receber atendimento preferencial e utilizar vaga de estacionamento preferencial na categoria de pessoa com deficiência, que é a condição que se lhe pode atribuir em paralelo.

Guaíba, 21 de março de 2019.                                                                     GUSTAVO DOBLER

                                                                                                                      Procurador

                                                                                                                      OAB/RS 110.114B



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