Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 018/2019
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 042/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

" Altera a redação, acrescenta alíneas “a”, “b” e “c” e parágrafo único no art. 26 da Lei nº 1027, de 26 de dezembro de 1990"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 018/2019, apresentado pelo Vereador Manoel Eletricista, que “Altera a redação, acrescenta alíneas “a”, “b” e “c” e parágrafo único no art. 26 da Lei nº 1027, de 26 de dezembro de 1990”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Leciona Alexandre de Moraes que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 018/2019, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa ao exercício de polícia administrativa em âmbito local, especificamente com a alteração de normas previstas no Código de Posturas Municipal que regulam o manejo vegetal.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” No presente caso, a medida está realmente inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. O poder de polícia, no magistério de Hely Lopes Meirelles é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, estando limitado seu exercício através da “Constituição Federal, de seus princípios e da lei”.[1]

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caput, in verbis:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

No mesmo sentido estabelece a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 13, inciso I, anteriormente citado:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I – exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

Por outro lado, quanto à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, verifica-se, no caso, que há limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador, versando a proposição sobre atribuições da administração pública e estabelecendo obrigações aos órgãos públicos, especificamente para a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente, tendo em vista que os dispositivos constitucionais estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado, visto que pretende estabelecer formas de ação para órgãos e agentes municipais no que diz respeito à autorização para derrubar, podar, remover ou danificar árvores existentes nas vias públicas, logradouros, parques e jardins. O teor jurídico normativo das alíneas “a” e “b” interferem marcadamente no funcionamento da administração municipal, vulnerando os parâmetros constitucionais relativos à iniciativa legislativa decorrentes do artigo 61 § 1º da CF/88. A proposição esbarra ainda no postulado constitucional da separação e independência dos poderes, inserto no art. 2º da Constituição Federal.

Hely Lopes Meireles possui lição lapidar a respeito do postulado de matriz constitucional da separação entre os poderes, in verbis:

"O sistema de separação de funções executivas e legislativas - impede que o órgão de um Poder exerça atribuições do outro. Assim sendo, a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional extensivo ao governo local. Qualquer atividade da Prefeitura ou da Câmara, realizada com usurpação de funções é inoperante.[2]".

     

A jurisprudência colacionada a seguir tem consubstanciado a inconstitucionalidade da proposição em análise, valendo a pena trazer à tona decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido que assentou a inconstitucionalidade de Lei Municipal de iniciativa parlamentar que também disciplinava entre outras matérias sobre a poda e a supressão de árvores, com acórdão assim ementado:

TJSP. Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 2.935/10.03.2008, do Município de Tietê, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após ser derribado o veto do alcaide, que "Disciplina o plantio, o replantio, a poda, a supressão e o uso adequado e planejado da arborizaçao urbana e dá outras providências" - não pode a Câmara Municipal espalmar a administração da cidade, com o propósito de reorganizá-la a partir da sua arborização, e o pior: como se o custo daí decorrente pudesse ser suportado com dinheiro em árvore nascido, ou do céu caído - violação dos artigos 5º, 24, 25, 47 e 144 da CE - ação procedente.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem se posicionado, da mesma forma, pela inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a poda preventiva e substituição de árvores, conforme se depreende do acórdão colacionado:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL - VÍCIO DE INICIATIVA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA HARMONIA E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES - INCONSTITUCIONALIDADE. - Implica em violação ao princípio da harmonia e independência dos poderes, no âmbito do Município, e, conseqüentemente, em inconstitucionalidade, a edição, por iniciativa da Câmara Municipal de Vereadores, de lei que dispõe sobre a criação de programa de poda preventiva e substituição de árvores nas vias públicas, em decorrência da nítida invasão de competência atribuída ao Executivo, a quem cabe a função precípua da administração municipal. (TJMG - Ação Direta Inconst. 1.0000.12.079427-6/000, Relator(a): Des.(a) Silas Vieira , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 10/04/2013, publicação da súmula em 14/06/2013)

Corrobora tal entendimento o assentado pelo TJRS quando da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo então prefeito municipal de Novo Hamburgo, José Airton dos Santos, contra a Lei nº 1.209/04:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal nº 1209/2004 de Novo Hamburgo, que suprimindo o inciso XI, do artigo 15 da Lei Municipal nº 131/92, dispensou a autorização do órgão ambiental do Município para o corte e a poda de árvores públicas. Matéria tipicamente administrativa. Inconstitucionalidade formal. Aplicação dos artigos 8º, 10 e 82, VII, da Constituição Estadual. Precedentes deste Órgão Especial: ADIn 70007359698 (Rel. Des. Alfredo Guilherme Englert) e ADIn 70005077755 (Rel. Des. Paulo Augusto Monte Lopes). AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

(...)

Saliente-se que incontáveis vezes essa Corte tem proclamando a inconstitucionalidade de leis municipais, de iniciativa do Legislativo, geradoras de situações de constrangimento ao Executivo. Como exemplo, citam-se as seguintes decisões do egrégio Tribunal Pleno que podem ser aplicadas à hipótese em análise: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal que dispõe sobre a identificação de árvores nativas do Município. Iniciativa da Câmara Municipal de Vereadores. Criação de atribuições a Secretaria Municipal. Matéria tipicamente administrativa. Ação julgada procedente. Votos vencidos. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70007359698, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 15/03/2004) Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal de Santa Maria 4527, de 25.01.2002, que autoriza o Poder Executivo a realizar o cultivo de flores ornamentais e arvores nativas no horto municipal de iniciativa da Câmara de Vereadores. Inconstitucionalidade formal. Invasão da competência normativa reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal ao dispor sobre a organização e funcionamento da administração local, além de gerar aumento da despesa pública. Ferimento aos arts. 5º, 10, 60, II, alínea ‘d’, 61, I, 82, VII, da CE. Ação procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70005077755, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Augusto Monte Lopes, Julgado em 17/03/2003) Por conseguinte, verifica-se que o ato normativo viola os arts. 8º, 10 e 82, VII, da Constituição Estadual. Pelo exposto, julgo procedente a ação. É o voto. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70010716371, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Julgado em 22/08/2005)

Acrescenta-se a essa jurisprudência o Parecer Nº 228/18 da Procuradoria da Câmara Municipal de Porto Alegre ao Processo Nº 0233/18 – Projeto de Lei Complementar Nº 002/18 (em anexo), em que aquele órgão de assessoria considerou que o projeto que pretendia estabelecer regras para supressão, transplante ou poda de espécimes vegetais no Município de Porto Alegre consubstanciava “interferência no funcionamento da administração municipal, com a devida vênia, incidem em violação ao disposto no artigo 94, inciso IV, da Lei Orgânica; b) os preceitos dos §§ 9º do artigo 9º e 5º, autorizam manejo de vegetação sem manifestação de órgão ambiental e, vênia concedida, afrontam o disposto na legislação federal que regula a matéria (LC 140/11, art. 9º, inciso XV)”.

Ressalta-se, ademais, a exigência de ampla divulgação da presente proposição conforme exige a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 46, já que pretende alterar o Código de Posturas Municipal, e, ainda, a necessidade de aprovação por maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa, já que se trata de matéria reservada a Lei Complementar.

[1] Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 133 e 137.

[2] Direito Municipal Brasileiro, 7ª ed. Malheiros Editores, p. 522

Conclusão:

Diante do exposto, ainda que louvável a medida proposta, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe - PL N.º 018/2019 de autoria do Ver. Manoel Eletricista, visto que pretende estabelecer formas de ação para órgãos e agentes municipais, incorrendo em vício de iniciativa, especificamente em seu art. 1º, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, da CF/88 e artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

Guaíba, 25 de fevereiro de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal de Guaíba

OAB/RS nº 107.136



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