Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 012/2019
PROPONENTE : Ver. Arilene Pereira
     
PARECER : Nº 039/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proibição do uso de canudos plásticos em bares, restaurantes, hotéis e demais locais públicos e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Arilene Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 012/2019 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição do uso de canudos plásticos em bares, restaurantes, hotéis e demais locais públicos, no âmbito do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do RI.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Em uma análise perfunctória, poderia considerar-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

Isso porque o Projeto de Lei nº 012/19 dispõe sobre a proteção ao meio ambiente, matéria para a qual a competência é concorrente, conforme reconhecem os artigos 61 da Constituição Federal, artigo 59 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal. Devidamente, a Lei Orgânica do Município de Guaíba em seu artigo 6º prevê que cabe ao Município estabelecer políticas e normas de proteção ao meio ambiente, em simetria ao que dispõe a Constituição Federal de 1988, prevendo inclusive a promulgação de um Código de Meio Ambiente.

A Constituição da República estabeleceu como uma das obrigações dos entes proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, em seu artigo 23, inciso VI, da, estabelecendo que essa matéria é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cabendo assim o combate à poluição sonora, para preservar um meio ambiente sadio no âmbito municipal:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

 

É este o entendimento assentado pelo Supremo Tribunal Federal quanto à competência legislativa em matéria ambiental, desde que tal legislação seja harmônica com a legislação federal que regule a matéria:

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE Nº 586.224/SP. O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88). Julgado em 5/3/2015, publicado no Informativo nº 776.

A Constituição Federal, em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

Consubstancia-se a autonomia municipal conferida pela Constituição Federal no Capítulo XI, Seção IV da Lei Orgânica Municipal que tem por título “MEIO AMBIENTE”. Constata-se que a proposição em análise pretende impedir o uso de canudos plásticos em estabelecimentos em âmbito municipal.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

Não há lei federal ou estadual específica determinando, ao menos em tese, a substituição de canudos plásticos por comestíveis ou de material biodegradável, mas existe norma federal que estabelece medidas genéricas de proteção ambiental e que traz a definição de poluição ambiental. Portanto, é matéria complexa para este órgão de assessoramento determinar se a legislação local poderia ou não, a pretexto da competência suplementar do artigo 30, II, da CF/88, determinar a utilização, pelos estabelecimentos comerciais, de canudos sustentáveis em substituição aos tradicionais canudos de plástico, e se estaria ou não usurpando as competências do artigo 24 da CF/88 e, sobretudo, o princípio federativo, que distribui matérias específicas à atuação de cada ente federado.

 

Quanto a um possível argumento de interesse local para legislar sobre a matéria, adverte-se que “deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Por outro lado, existem também argumentos para que se considere que a proposição ultrapassa os limites da competência legislativa municipal. A exemplo disso pode-se citar a firme jurisprudência de que não compete ao Município regrar, mediante ato legislativo, a utilização de agrotóxico em âmbito local, tendo em vista que tal matéria compete à União e ao Estado, nos termos do art. 24 da CF/88, por ultrapassar o interesse predominantemente local. Se não cabe ao Município legislar sobre a proibição do uso de agrotóxicos, por usurpação do interesse local, pode ser que prevaleça o entendimento de que também não compete ao município legislar sobre a proibição de uso de canudos plásticos, mediante ordem para a substituição por outros de material biodegradável ou comestível.

Sob o ponto de vista material, a questão ainda suscita dúvidas por representar possível afronta aos princípios constitucionais da ordem econômica, notadamente os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170, CF/88) os quais asseguram, em seu núcleo, a prerrogativa de que todos podem exercer atividades empresariais como meio de sobrevivência, desde que atendam às condições estabelecidas em lei. Trata-se, portanto, de uma garantia ligada à liberdade, direito fundamental de primeira dimensão que obriga o Estado a adotar uma posição de inércia em relação aos cidadãos, que se autodeterminam conforme a própria vontade.

Trata-se, assim, de matéria complexa, que exige, necessariamente, que se estabeleça interpretação principiológica antinômica acerca do alcance do princípio de proteção ao meio ambiente e do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado frente aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, sendo caso de aparente conflito de princípios, que a priori só ocorre diante de fatos concretos. A matéria proposta exige um exercício de ponderação de valores e princípios de matriz constitucional a fim de determinar se a norma pretendida possui constitucionalidade material para prosperar no ordenamento jurídico. No tocante à constitucionalidade da pretendida proibição do uso dos canudos plásticos em âmbito municipal, tramita atualmente no STF o Recurso Extraordinário nº 732.686, a partir do qual será definido se leis municipais podem proibir o uso de sacolas plásticas, sendo que a análise ocorrerá no aspecto formal – possibilidade de o Município legislar sobre meio ambiente – e no aspecto material – se há ofensa aos princípios da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

O Supremo Tribunal Federal, em recentes decisões monocráticas sobre a utilização de sacolas plásticas, reconheceu que as leis municipais tratam, essencialmente, de política de proteção ao meio ambiente (RE 729.726, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/6/2017; o RE 729.729, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13/2/2016; o RE 901.944, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/9/2016; o RE 729.731, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/11/2015; e o RE 730.721, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 2/10/2015). De qualquer modo, considerando a similitude da matéria do RE nº 732.686 com o Projeto de Lei nº 012/2019, o posicionamento definitivo do STF a respeito do tema se efetivará com a decisão naquela ação de controle de constitucionalidade, sendo que não há parâmetros jurídicos exatos para assegurar a sua constitucionalidade.

Destarte, a proposição estaria apropriada quanto à competência e também quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo, desde que se considere que não vai de encontro com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados, tendo em vista notadamente normas federais acerca da matéria, embora seja cediço o entendimento dos tribunais de que as propostas legislativas que dispõem sobre meio ambiente é matéria para a qual a iniciativa é concorrente. Assim, os tribunais vêm entendendo em julgamentos firmando entendimento no sentido de que legislar sobre essa matéria é iniciativa concorrente – iniciativa geral e que corresponde à competência municipal:

ADI n.º 70057521932: CONSTITUCIONAL. LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. FISCALIZAÇÃO GENÉRICA. INEXISTÊNCIA DE INTERFERÊNCIA SUBSTANCIAL NAS ATRIBUIÇÕES DO EXECUTIVO. CONCESSÃO. REGIME CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE PROVA. Em princípio, a previsão, em lei de iniciativa do legislativo local, quanto a genérico dever de fiscalização, não interfere com a organização do Executivo, nem lhe acarreta ônus de mínima expressão. (...). Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70057521932, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 28/04/2014).

A matéria diz respeito ao conceito de poluição, previsto genericamente na Lei Federal nº 6.938/81. Segundo o referido diploma legal, considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Além disso, tem sido esse o entendimento do Órgão Especial do TJSP, que por unanimidade entendeu ser constitucional lei do Município de Indaiatuba que veda “fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que causem poluição sonora acima de 65 decibéis

Diante desse contexto normativo, havendo norma federal que disciplina a matéria (Lei Federal nº 6.938/81), deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município, diante do que entender a comunidade como anseio local quanto à necessidade de proteção do meio ambiente equilibrado e do bem estar animal, institua novas reservas às liberdades de utilização de canudos plásticos em estabelecimentos comerciais, sem que isso caracterize desarmonia com o as regras de origem federal, espacialmente quanto ao princípio da proporcionalidade.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inexistência de inconstitucionalidade manifesta que impeça a tramitação da matéria. Constata-se haver ação de controle constitucional com repercussão geral no STF que trata de matéria correlata, sendo que a decisão no âmbito daquele processo trará segurança jurídica ao pretendido Projeto de Lei N.º 012/2019.

O IGAM, na OT n.º 6.507/2019, concluiu pela viabilidade do Projeto de Lei n.º 012/2019, de autoria do Ver. Arilene Pereira (PTB), cabendo à Comissão de Justiça e Redação analisar os argumentos e fundamentos expostos e às Comissões de caráter técnico e ao Plenário adentrarem no mérito da proposta.

Guaíba, 15 de fevereiro de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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