PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre o fornecimento de alimentação diferenciada para alunos alérgicos na rede de ensino municipal de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 014/19 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre o fornecimento de alimentação diferenciada para alunos alérgicos na rede de ensino municipal de Guaíba. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 2. Parecer:Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende criar deveres ao Executivo Municipal, no sentido de oferecer alimentação diferenciada aos alunos das escolas públicas que tenham alguma alergia, a partir de indicação médica. Estabelece que exames de constatação da alergia serão apresentados pelos pais ou responsáveis ao estabelecimento escolar, que formatará um banco de dados e informações, a fim de incluir os alunos portadores das doenças no referido programa e recebam a alimentação diferenciada. Tais medidas, embora de notável respeitabilidade, caracterizam inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa e inconstitucionalidade material por afronta ao princípio constitucional da separação entre os poderes. A matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito de programa que deve ser implementado pelo Poder Executivo para o fornecimento de merenda adequada aos alunos da rede de ensino municipal que tenham alergias, o que cabe exclusivamente a ele definir, por meio de ato do Prefeito de Guaíba. O Projeto de Lei nº 014/2019, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:
Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):
A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer os programas que devem ser realizados em âmbito educacional, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Executivo, na esfera de sua discricionariedade. Aliás, vejam-se alguns precedentes da jurisprudência em que já se declarou a inconstitucionalidade de leis municipais que instituem programas de alimentação diferenciada por iniciativa parlamentar:
O Projeto de Lei nº 014/2019 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:
É importante lembrar, entretanto, que a Lei Federal nº 11.947/09, alterada pela Lei Federal nº 12.982/14, já garante o direito à alimentação diferenciada aos alunos da rede pública que tenham condição de saúde específica:
Desse modo, em que pese haja vício de iniciativa nesta proposição, o direito à alimentação diferenciada já é garantido pela legislação nacional, que obriga até mesmo os Municípios ao seu cumprimento, sendo possível, desde já, a emissão de requerimentos e de indicações ao Executivo para que implemente a política prevista na Lei Federal nº 11.947/09, introduzida pela Lei Federal nº 12.982/14 (§ 2º do art. 12). Conclusão:Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe – PL nº 014/2019, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, CF/88; art. 60, II, “d”; e art. 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Recomenda-se, entretanto, a emissão de requerimentos e de indicações ao Executivo para que implemente a política prevista na Lei Federal nº 11.947/09, introduzida pela Lei Federal nº 12.982/14 (§ 2º do art. 12), que já garante aos alunos com condição de saúde específica da rede pública de ensino o direito à alimentação diferenciada. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 12 de fevereiro de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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