Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 010/2019
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira
     
PARECER :
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei N° 3586, de 08 de novembro de 2017"

1. Relatório:

O Vereador Juliano Ferreira apresentou o Projeto de Lei nº 010/2019 à Câmara Municipal, objetivando alterar a Lei Municipal nº 3.586, de 08 de novembro de 2017. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A proposta que se pretende aprovar se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 010/2019, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), altera a Lei Municipal nº 3.586/17 no sentido de retirar das casas lotéricas o dever de manter vigilância armada durante 24 horas por dia, sob a justificativa de tratar-se de um encargo desproporcional às condições econômicas desses estabelecimentos.

A respeito da manutenção de serviços de vigilância para a preservação da segurança de consumidores, a Súmula 297 do STJ é clara ao estabelecer que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” Desse modo, considerando a sistemática do direito do consumidor, o usuário dos serviços é considerado pessoa vulnerável nas esferas econômica, jurídica e técnica em relação aos fornecedores, os quais detêm superioridade de poderes e conhecimentos em comparação ao consumidor, nos exatos termos do artigo 4º, I, do CDC. Reconhecida a vulnerabilidade, são aplicáveis todos os direitos decorrentes do sistema jurídico de proteção do consumidor, entre os quais se incluem os previstos no artigo 6º, I, e no artigo 8º do CDC, relativos à segurança na prestação do serviço.

Ainda, embora o artigo 24, V, da CF estabeleça ser competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre produção e consumo, é certo que o artigo 30, II, prevê a competência dos Municípios para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, o que permite compreender que estes estão legitimados a criar normas sobre a segurança e a proteção dos consumidores na prestação de serviços locais.

No que diz respeito à iniciativa, para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria aqui tratada, tendo em vista que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Inclusive, destaca-se o posicionamento recente do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE CONTRATAÇÃO DE VIGILÂNCIA ARMADA NAS AGÊNCIAS BANCÁRIAS PÚBLICAS E PRIVADAS E NAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO DO MUNICÍPIO, DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. INICIATIVA DA CÂMARA DE VEREADORES. MATÉRIA QUE NÃO SE CONTÉM NA INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis, tem matriz constitucional e residem somente no texto da Constituição. A exigência de contratação de vigilância armada por parte de agência bancárias e cooperativas de crédito, de iniciativa parlamentar, é tema não incluído entre aqueles, cujos projetos são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Inexistência de violação do disposto no art. 60, II, letra b, da Constituição Estadual. Ação julgada improcedente. Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70071778898, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 20/02/2017).

Quanto à matéria de fundo, convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 010/2019 é atenuar as exigências de garantia de segurança do consumidor, liberando as agências lotéricas do dever de manter vigilância armada 24 horas por dia, o que, se por um lado reduz os custos de manutenção desses estabelecimentos, por outro coloca em maior risco de danos os usuários do serviço, o que evidencia um retrocesso.

Destaca-se novamente que a garantia de segurança dos usuários na prestação de serviços bancários e financeiros possui fundamento no Código de Defesa do Consumidor. A Constituição Federal, nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, reforçam o dever do Estado de assegurar a segurança dos consumidores durante a execução de serviços postos à sua disposição. De qualquer modo, a liberação das agências lotéricas do dever de manter a vigilância permanente é matéria de mérito da proposição, cujo juízo compete a cada vereador, através do exercício de consciência expresso no voto.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no Projeto de Lei nº 010/2019, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Não obstante, destaca-se que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 010/19 é atenuar as exigências de garantia de segurança do consumidor, liberando as agências lotéricas do dever de manter vigilância armada 24 horas por dia, o que, se por um lado reduz os custos de manutenção desses estabelecimentos, por outro coloca em maior risco de danos os usuários do serviço, o que evidencia um retrocesso. Nesse sentido, tratando-se de análise de mérito, o juízo caberá individualmente a cada vereador, através do exercício de consciência expresso no voto.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de fevereiro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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