PARECER JURÍDICO |
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"Cria o Programa Bueiro Inteligente em nosso município" 1. Relatório:O Vereador Arilene Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 009/19 à Câmara Municipal, objetivando instituir o Programa “Bueiro Inteligente”, visando à prevenção de enchentes, alagamentos e outros desastres naturais relacionados ao entupimento das galerias de água pluvial. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência da Câmara Municipal e do caráter pessoal da proposição. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” O Projeto de Lei nº 009/2019 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que objetiva dispor sobre programa de âmbito estritamente municipal para prevenir a ocorrência de enchentes, alagamentos e outros desastres decorrentes do entupimento das galerias de águas pluviais, medida que é de responsabilidade do Município. Todavia, a leitura dos dispositivos da proposição permite concluir a existência de vício na iniciativa do processo legislativo, visto que é instituído verdadeiro programa a ser implementado pelo Poder Executivo, no sentido de garantir maior segurança patrimonial e pessoal pela prevenção de desastres relacionados ao grande volume de chuvas, o que afronta o sistema constitucional de reserva de iniciativas, como se verá a seguir. Quanto à iniciativa, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que a norma de parâmetro seja de repetição obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
Verifica-se, no caso, que a instituição do programa “Bueiro Inteligente” viola a reserva de iniciativa prevista no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal, especialmente porque atribui ao Executivo Municipal, ainda que por intermédio de convênios, a responsabilidade pela implementação das medidas administrativas. Apesar do grande mérito da proposta, obrigações nesse sentido devem partir unicamente do próprio Chefe do Executivo, uma vez que, do contrário, há afronta ao princípio da separação dos poderes e às iniciativas reservadas previstas na CF/88, na CE/RS e na LOM. Além disso, percebe-se a natureza meramente autorizativa da proposição, tendo em vista que objetiva, no artigo 3º, conceder permissão ao Executivo para implementar programa de sua exclusiva responsabilidade. Tal medida pretende, sobretudo, contornar a limitação constitucional da iniciativa (art. 61, § 1º, CF e art. 60, CE/RS) para evitar a configuração de inconstitucionalidade formal, o que, entretanto, não tem essa aptidão. Inclusive, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, é recorrente o entendimento de que projetos de lei com disposições autorizativas são inconstitucionais, tendo sido editada, em 1994, a Súmula de Jurisprudência nº 1, nos seguintes termos: “Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional.” Na esfera da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão de Finanças e Tributação, também já há precedentes e recomendações no sentido de rejeitar projetos de lei meramente autorizativos, por ainda assim violarem a regra de reserva de iniciativa. Além do mais, é preciso destacar a falta de juridicidade nos projetos de lei simplesmente autorizativos. Para melhor esclarecer essa questão, registra-se a lição de Miguel Reale (Lições Preliminares de Direito, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 163):
Ou seja, a lei é, necessariamente, um instrumento de constituição de direitos ou de obrigações, sendo incompatível com a sua natureza a positivação de meras faculdades ou possibilidades, que acabam não tendo qualquer juridicidade. A lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões. Conforme Márcio Silva Fernandes, titular do cargo de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, no estudo “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”,
Assim, o Projeto de Lei nº 009/2019 incorre em inconstitucionalidade por configurar antijurídica “lei autorizativa”, que é considerada um meio inválido e ilegítimo de legislar por não possuir aptidão para constituir, com força de lei, qualquer direito ou dever. Nessa linha, assenta a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:
Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada. Por fim, cabe registrar que, no Município de Porto Alegre, proposição idêntica foi apresentada na Câmara de Vereadores em 2017, tendo, todavia, recebido pareceres contrários da Procuradoria Jurídica e de todas as comissões competentes, pelo mesmo fundamento descrito nesta manifestação, o que levou ao seu arquivamento (documentos anexos). Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, no artigo 60, II, “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 009/2019, diante do seu inquestionável mérito. Guaíba, 30 de janeiro de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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