Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 008/2019
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 021/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de informar ao consumidor a data de validade de produto colocado em promoção"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 008/2019 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade de informar ao consumidor a data de validade de produtos colocados em promoção. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de produção e consumo (art. 24, V), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas, mas desde que não instituam, simplesmente, as mesmas obrigações.

A respeito da matéria de produção e consumo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90) prevê diversas disposições sobre o conteúdo da publicidade de produtos colocados no mercado de consumo. Inicialmente, o art. 6º, inciso III, prevê que é direito básico dos consumidores terem acesso à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Outrossim, no Capítulo V do CDC, consta no art. 31 que “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”

Como se vê, a legislação federal estabelece normas gerais sobre publicidade, estabelecendo, abstratamente, quais são as informações que devem estar obrigatoriamente presentes. O Estado do Rio Grande do Sul, atento à generalidade da previsão federal, exerceu a sua competência constitucional suplementar (art. 24, § 2º, CF/88), promulgando a Lei Estadual nº 12.869, de 19 de dezembro de 2007 (em anexo), que dispõe sobre a obrigatoriedade da colocação de cartazes indicativos do prazo de validade de quaisquer produtos em promoção no Estado. E, nesse sentido, é válido destacar o entendimento da jurisprudência sobre a específica situação em análise, quando lei estadual já suplementa disposições gerais da legislação federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº 10.318/2011 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - IMPOSIÇÃO AOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DA OBRIGATORIEDADE DE DESTAQUE DA DATA DE VALIDADE DOS PRODUTOS EM OFERTA - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO NÃO VERIFICADA - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. É inconstitucional a lei municipal que obriga os estabelecimentos comerciais de Belo Horizonte a destacar a data de validade dos produtos em oferta, sob pena de aplicação de multa, quando tal matéria já é disciplinada por lei estadual, não restando margem para a competência legislativa suplementar do município. (TJMG, Ação Direta Inconst 1.0000.12.044683-6/000, Relator(a): Des.(a) Silas Vieira, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 10/07/2013, publicação da súmula em 19/07/2013).

De acordo com o entendimento acima sublinhado, quando o Estado previamente suplementa uma norma geral federal, prevendo uma obrigação mais detalhada em matéria de competência concorrente (art. 24, CF/88), não há margem para nova suplementação municipal criando obrigação similar. Há, no caso, uma supressão da competência suplementar do ente municipal, que não pode legislar prevendo similar dever, até porque a lei estadual, de regra, tem alcance sobre toda a sua extensão territorial, abrangendo seus Municípios.

Assim, pelos fundamentos apresentados, tendo em vista que o dever previsto no projeto de lei já consta na Lei Estadual nº 12.869, de 19 de dezembro de 2007, que dispõe sobre a obrigatoriedade de colocação de cartazes indicativos do prazo de validade de quaisquer produtos em promoção no Estado do Rio Grande do Sul, tem-se por esgotada a competência suplementar municipal para criar a mesma obrigação, o que acaba por usurpar o sistema constitucional de repartição de competências, decorrente do princípio do pacto federativo (art. 1º, caput, CF/88; art. 1º, caput, CE/RS).

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de esgotamento da competência suplementar municipal por já ter sido instituída a obrigação através da Lei Estadual nº 12.869, de 19 de dezembro de 2007, o que acaba usurpar o sistema constitucional de repartição de competências, que decorre do princípio federativo (art. 1º, caput, CF/88; art. 1º, caput, CE/RS).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 29 de janeiro de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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