Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 002/2019
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 002/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Programa Estágio Transparente no âmbito municipal."

1. Relatório:

 Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 002/2019, apresentado pelo Vereador Dr. João Collares, que “Institui o Programa Estágio Transparente no âmbito municipal.”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 002/2019, de autoria do Vereador Dr. João Collares, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, leis com a mesma matéria de fundo já foram apreciadas pelo órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e foram consideradas constitucionais por concretizarem o princípio da publicidade (art. 37, caput, CF/88) e o direito fundamental à informação (art. 5º, XXXIII, CF/88), conforme já externou essa Procuradoria no parecer jurídico ao PL N.º 49/2018.

Essa particular matéria referente à transparência, como referimos, já foi levada a julgamento em ações diretas de inconstitucionalidade, cujo questionamento versou, exatamente, sobre a existência de vício formal de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo) na instituição do dever de dar publicidade às listagens de vagas na rede pública de ensino e divulgação de lista de espera em consultas e exames médicos.

Em recente julgado o Pleno do TJRS considerou constitucional a Lei Municipal nº 2.976/16, de Novo Hamburgo, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a obrigatoriedade da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis e a lista de espera das vagas para a educação infantil no Município. Importante trazer à tona a ementa do referido acórdão, muito esclarecedora:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI 2.976/2016. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. DIVULGAÇÃO DA CAPACIDADE DE ATENDIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL MUNICIPAL. 1. A Lei 2.976/2016, que "dispõe sobre a determinação da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis, e a lista de espera das vagas para a Educação Infantil no Município, e dá outras providências", conquanto deflagrada por iniciativa da Câmara Municipal, não conduz a vício de natureza formal do diploma em tela. 2. Diploma legal que não disciplina o conteúdo, a forma de prestação ou as atribuições próprias do serviço público municipal relativo à educação infantil, cingindo-se a especificar a obrigação de divulgação e publicidade de informações acerca da capacidade de atendimento, vagas preenchidas e a preencher e critérios de classificação, cuja imperatividade já decorre do próprio mandamento constitucional constante do art. 37, caput, da CRFB. 3. Interpretação dos art. 60, inc. II, alínea d, e 82, inc. III e VII da Constituição Estadual que deve pautar-se pelo princípio da unidade da Constituição, viabilizando-se a concretização do direito fundamental à boa administração pública, em especial... aquela que se refere ao amplo acesso à educação pública infantil. 4. Necessidade de se evitar - quando não evidente a invasão de competência - o engessamento das funções do Poder Legislativo, o que equivaleria a desprestigiar suas atribuições constitucionais, de elevado relevo institucional no Estado de Direito. 5. Constitucionalidade da norma que se reconhece. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072679236, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em 24/07/2017).

Como bem defendeu o Tribunal de Justiça Gaúcho, a lei que determinou a publicidade da listagem de vagas na educação infantil não regula a forma ou o conteúdo da prestação de serviços públicos, nem dispõe sobre as atribuições dos órgãos públicos, apenas garantindo a efetividade do direito fundamental ao acesso à informação e à transparência da atividade administrativa, razão por que inexiste violação às hipóteses de iniciativa reservada previstas constitucionalmente. Destacam-se, ainda, os seguintes trechos do acórdão gaúcho:

O que faz a lei, apenas e simplesmente, é dar concretude ao elementar princípio constitucional da publicidade dos atos administrativos – mais especificamente, aqueles tendentes à persecução da educação infantil – evidenciando o interesse público primário da população municipal de ter amplo acesso às informações acerca da capacidade de atendimento de cada escola de educação básica, do preenchimento das respectivas vagas e da existência de lista de espera, com a explicitação do respectivo critério para preenchimento.[...]A interpretação dos dispositivos que preveem a competência privativa para iniciativa de lei – sobretudo aqueles que empregam conceitos jurídicos vagos, como “organização e funcionamento” da Administração – deve guardar harmonia com as demais normas de mesma estatura, não podendo desconsiderar o princípio da unidade da Constituição, que preconiza que o “intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.”

A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à iniciativa é no sentido que o simples fato de a norma estar direcionada ao Poder Executivo não implica, por si só, que ela deva ser de iniciativa do Prefeito Municipal, sob pena de nefasto engessamento do Poder Legislativo, em franco desprestígio à sua elevada função institucional no Estado de Direito. É notória a jurisprudência do STF no sentido de que o rol do artigo 61, § 1º, da Constituição Federal é taxativo, não estando elencada nesse rol medidas que pretendem assegurar o princípio da transparência na prestação do serviço público municipal.

Ainda corroborando a constitucionalidade da proposição ora em análise, identifica-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70074203860, também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, recentemente julgada pelo Tribunal Pleno (instância máxima do TJ) em 27 de novembro de 2017, julgou constitucional o art. 1º, caput e §§ 1º e 2º, da Lei Municipal nº 7.739/2017, de Santa Cruz do Sul, que estabelece a obrigatoriedade de divulgação de lista contendo a ordem de espera para vagas nas escolas municipais de educação infantil. Veja-se a ementa do acórdão, no que concerne à divulgação das listas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 7.739/2017, DE SANTA CRUZ DO SUL. [...] 2. IMPOSIÇÃO DE MERA DIVULGAÇÃO DA LISTA DE ESPERA. VÍCIO DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES. PARTICIPAÇÃO POPULAR. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, XXXIII, 37, CAPUT, E §3º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E ART. 19, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PRECEDENTES. [...] 2. Longe de disciplinar a forma de prestação dos serviços públicos na área da educação ou imiscuir-se indevidamente nas atribuições dos cargos do quadro de pessoal e órgãos da municipalidade, as normas extraídas do art. 1º, caput, §§ 1º e 2º da Lei nº 7.739, do Município de Santa Cruz do Sul, dão concreção ao princípio da transparência, decorrência da própria ideia de Estado Democrático de Direito e, em especial, do contido nos arts. 5º, XXXIII (regulamentado pela Lei n.º 12.527/2011), 37, caput, e §3º, II, da Constituição Federal, reproduzido pelo art. 19, caput, da Constituição Estadual, tratando do direito fundamental à obtenção de informações de caráter público e da observância ao princípio da publicidade administrativa. Ao Poder Legislativo, a quem compete exercer o controle externo dos atos dos demais Poderes, afigura-se completamente possível criar obrigações e exigir a implementação de medidas com a finalidade de tornar a atuação pública mais transparente e próxima do cidadão, aproximando-se da almejada participação popular na Administração Pública, atendendo ao disposto na norma do art. 37, §3º, II, da Carta Magna. Reconhecida a constitucionalidade do art. 1º, §§ 1º e 2º da Lei Municipal n.º 7.739/2017. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074203860, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 27/11/2017)

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 002/2019, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Guaíba, 07 de janeiro de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara de Guaíba

OAB/RS nº 107.136



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