Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 040/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 375/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Revoga a Lei Municipal nº 3.159, de 17 de julho de 2014"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 040/2018 à Câmara Municipal, objetivando revogar a Lei Municipal nº 3.159, de 17 de julho de 2014. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

A matéria se insere, efetivamente, na definição de interesse local, já que diz respeito ao estabelecimento de condições para a dação em pagamento de tributos municipais. A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 040/2018 dispõe sobre questão relacionada à extinção de créditos tributários, matéria para a qual o Prefeito detém competência, conforme reconhecem os artigos 61 da CF/88, 59 da CE/RS e 38 da Lei Orgânica Municipal.

Quanto à matéria de fundo, é necessário fazer ressalvas. O artigo 156, XI, do Código Tributário Nacional estabelece, entre as causas que extinguem o crédito tributário, a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Por determinar a necessidade de regulação da dação em pagamento por lei específica, tem-se que o referido dispositivo possui natureza de norma de eficácia limitada, não surtindo efeitos até a edição da competente norma regulamentadora:

(...) 1. O inciso XI, do art. 156 do CTN (incluído pela LC 104⁄2001), que prevê, como modalidade de extinção do crédito tributário, "a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei", é preceito normativo de eficácia limitada, subordinada à intermediação de norma regulamentadora. O CTN, na sua condição de lei complementar destinada a "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária" (CF, art. 146, III), autorizou aquela modalidade de extinção do crédito tributário, mas não a impôs obrigatoriamente, cabendo assim a cada ente federativo, no domínio de sua competência e segundo as conveniências de sua política fiscal, editar norma própria para implementar a medida. (STJ, 1ª Turma, REsp 884.272/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 06/03/2007)

(...) 2. O artigo 156, inciso XI, do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar nº 104/2001, possibilita a extinção do crédito tributário por meio da dação em pagamento em bens imóveis; contudo, há necessidade de norma que regulamente a questão. É manifesta a impossibilidade do Poder Judiciário atuar como legislador infraconstitucional, sob pena de ferir o princípio da separação de poderes. (...) (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1431546/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/05/2014).

Eis que, no Município de Guaíba, foi promulgada a Lei nº 3.159/14, disciplinando a dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção do crédito tributário, nos termos dispostos no CTN. O regramento estabelece um complexo procedimento administrativo para a aferição das vantagens do recebimento de bens imóveis para a extinção do crédito tributário por dação em pagamento, exigindo a aceitação expressa da Fazenda Pública (art. 1º), cumprimento de etapas (art. 2º), entrega de documentos (art. 3º), instrução interna (art. 4º), formação de uma comissão avaliadora (art. 5º) e autorização da dação em pagamento pelo Chefe do Executivo (art. 7º), com a respectiva baixa da dívida ativa após a entrega da escritura pública no Registro de Imóveis (art. 8º). O art. 11, por sua vez, dispõe que “Todas as dações em pagamento propostas serão remetidas pelo Poder Executivo, através de Projeto de Lei específico, para apreciação do Poder Legislativo.”

Segundo o seu art. 1º, “Os créditos tributários inscritos na dívida ativa do Município de Guaíba poderão ser extintos, parcial ou integralmente, mediante dação em pagamento de bem imóvel, situado neste Município, que só se perfectibilizará após a aceitação expressa da Fazenda Municipal, observados o interesse público, a conveniência administrativa e os critérios dispostos nesta lei.” Veja-se, então, que a dação em pagamento como forma de extinção do crédito tributário é possível no Município de Guaíba, desde que cumpridos todos os requisitos previstos no diploma citado.

O Poder Executivo justifica a presente proposição no sentido de que o art. 11, inserido por emenda parlamentar ao projeto de lei que resultou na Lei nº 3.159/2014, conflita com os procedimentos administrativos para a autorização de dações em pagamento, visto que submete ao crivo do Legislativo cada caso, tornando-se inócua a regulamentação. No entanto, cabe destacar, desde já, que a dação em pagamento depende do estabelecimento das suas condições através de lei específica, sendo insuficiente a mera previsão no Código Tributário Municipal, como visto. Em razão disso, embora seja tecnicamente possível a revogação da Lei Municipal nº 3.159/14, na prática o Município ficará impedido de autorizar novas dações em pagamento, pela falta da necessária regulamentação exigida.

Para não inviabilizar que novas dações em pagamento sejam autorizadas – consequência direta da revogação integral da Lei Municipal nº 3.159/2014 – e considerando que a justificativa do proponente é a impertinência da aprovação legislativa de cada caso específico, sugere-se a revogação apenas do art. 11 do diploma referido, uma vez que a previsão das condições e do procedimento administrativo para as dações basta ao atendimento da exigência prevista no Código Tributário Municipal. Do contrário, como restou demonstrado, sendo revogada integralmente a Lei Municipal nº 3.159/14, o Executivo estará desautorizado a efetuar novas dações em pagamento, pois ausente a norma regulamentadora necessária à aplicação do instituto tributário.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no Projeto de Lei nº 040/2018, do Executivo, considerando tratar-se de mera revogação de lei municipal. No entanto, fica já destacado que a revogação integral da Lei Municipal nº 3.159/14 inviabilizará novas dações em pagamento, pela ausência de norma regulamentadora necessária à aplicação do instituto tributário, como exigem o art. 156, XI, do Código Tributário Nacional e o art. 338, XI, do Código Tributário Municipal (Lei nº 3.208/14).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 21 de dezembro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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