Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 156/2018
PROPONENTE : Ver. Arilene Pereira
     
PARECER : Nº 352/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Isenta a taxa de licença para comércio ambulante aos idosos e aposentados"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 156/2018, de autoria do Vereador Arilene Pereira, que “Isenta a taxa de licença para comércio ambulante aos idosos e aposentados”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Constata-se que a temática constante do Projeto de Lei nº 156/2018, de autoria do Vereador Arilene Pereira, de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I, da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do Município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II, da CF/88. Também o inciso III do artigo 30 da CF/88 dispõe:

Art. 30. Compete aos Municípios:

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

O alcance material da norma diz respeito à matéria tributária no âmbito do Município, tendo o Supremo Tribunal Federal se posicionado sobre a possibilidade de autoria parlamentar de leis que tratam de matéria tributária, inclusive instituindo benefício fiscal:

Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Isenção tributária. Não observância dos parâmetros estampados na Lei de Responsabilidade Fiscal. Fundamento infraconstitucional autônomo. Enunciado 283. 3. Benefício fiscal. Lei instituidora. Iniciativa comum ou concorrente. Precedentes. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (ARE 642014 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 12-09-2013 PUBLIC 13-09-2013)

As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:

Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

As leis que disponham sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, tendo os Tribunais firmado jurisprudência no sentido de que a competência para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente, dentre esses o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais estaduais:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. INICIATIVA LEGISLATIVA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONCORRÊNCIA ENTRE PODER LEGISLATIVO E PODER EXECUTIVO. LEI QUE CONCEDE ISENÇÃO. POSSIBILIDADE AINDA QUE O TEMA VENHA A REPERCUTIR NO ORÇAMENTO MUNICIPAL. RECURSO QUE NÃO SE INSURGIU CONTRA A DECISÃO AGRAVADA. DECISÃO QUE SE MANTÊM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. O recurso extraordinário é cabível contra acórdão que julga constitucionalidade in abstracto de leis em face da Constituição Estadual, quando for o caso de observância ao princípio da simetria. Precedente: Rcl 383, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves. 2. A iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007). 3. In casu, o Tribunal de origem entendeu pela inconstitucionalidade formal de lei em matéria tributária por entender que a matéria estaria adstrita à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, dada a eventual repercussão da referida lei no orçamento municipal. Consectariamente, providos o agravo de instrumento e o recurso extraordinário, em face da jurisprudência desta Corte. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - AI: 809719 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/04/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Lei Complementar, de iniciativa parlamentar, que possibilita o parcelamento do ITBI e que não padece de vício de iniciativa e que não acarreta redução de receita passível de afrontar disposições constitucionais. 2. De fato, a iniciativa para início do processo legislativo em matéria tributária pertence concorrentemente ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, b, da CF). Precedentes: ADI 724-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.05.92; RE 590.697-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 06.09.2011; RE 362.573-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Dje de 17.08.2007; AI 809719 AgR, Rel. Min. Luis Fux, Primeira Turma, j. em 09/04/2013. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70059239814, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 01/12/2015)

Em específico à proposta apresentada pelo Vereador Arilene Pereira, em que pese não haja vício formal de iniciativa pela instituição de isenção, é preciso atentar para outros aspectos legais que, de igual forma, interferem na viabilidade jurídica da proposição.

Inicialmente, a mencionada taxa de licença para o exercício de atividade de comércio ambulante é regulamentada, no Município de Guaíba, através do Código Tributário Municipal (Lei Complementar nº 3.208/2014), matéria disposta nos arts. 213 a 218, a seguir transcritos na íntegra:

SEÇÃO X

DA TAXA DE LICENÇA PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE COMÉRCIO AMBULANTE

Art. 213 Qualquer pessoa que queira exercer o comércio ambulante, de forma permanente, eventual ou transitória, poderá fazê-lo mediante prévia licença e pagamento da taxa correspondente.

§ 1º Considera-se comércio ambulante aquele exercido individualmente, sem estabelecimento, instalações ou localização fixa, com característica eminentemente não sedentária.

§ 2º Considera-se transitória a atividade que é exercida em determinados períodos do ano, especialmente durante festividades ou comemorações.

§ 3º A inscrição deverá ser atualizada sempre que houver qualquer modificação nas características do exercício da atividade.

§ 4º A cobrança da taxa para o exercício do comércio ambulante não dispensa a incidência de outras taxas previstas neste Código.

Art. 214 Ao comerciante ambulante que satisfizer as exigências regulamentares será expedido alvará ou certificado contendo as características essenciais de sua inscrição, a ser apresentado quando solicitado.

Art. 215 A taxa de licença de comércio ambulante pode ser anual, semestral, mensal ou pelo número de dias solicitados, e será recolhida de uma só vez antes do início das atividades ou da prática dos atos sujeitos ao poder de polícia administrativa do Município.

§ 1º A taxa de licença de comércio ambulante, quando anual, será recolhida na seguinte conformidade:

I - total (100% - cem por cento), se a atividade iniciar no primeiro semestre do exercício;

II - pela metade, se a atividade se iniciar no segundo semestre do exercício.

§ 2º A cobrança dessa taxa poderá ser parcelada, a pedido do contribuinte, em até 3 (três) vezes, ficando estipulado como valor mínimo de fracionamento, por parcela, a importância de 100 (cem) UFIRMs.

Art. 216 A licença para o comércio eventual ou ambulante poderá ser cessada e determinada a proibição do seu exercício, a qualquer tempo, desde que deixem de existir as condições que legitimaram a concessão da licença, ou quando o contribuinte, mesmo após a aplicação das penalidades cabíveis, não cumpriu com as exigências legais para regularizar a situação do exercício de sua atividade.

Parágrafo Único. As penalidades cabíveis são aquelas a que se refere a Seção VI deste Título.

Art. 217 A fiscalização, exercendo o poder de polícia administrativa do Município, poderá apreender e remover para o depósito municipal, mercadorias ou objetos expostos em locais proibidos ou alheios ao objeto da licença, ou sem a respectiva licença e o pagamento da taxa devida.

Art. 218 A taxa de licença de comércio ambulante é devida de acordo com a Tabela V, e com os períodos nela indicados, devendo ser lançada e recolhida nos valores, prazos e datas estipulados.

Parágrafo Único. No caso de atividades múltiplas exercidas pela mesma pessoa, a taxa de licença do comércio ambulante será calculada levando-se em consideração a atividade sujeita a maior incidência fiscal.

Como se vê, a taxa de licença para o comércio ambulante já está amplamente regulamentada, em âmbito local, pelo Código Tributário Municipal, que tem natureza jurídica de lei complementar. Não caberia, então, a uma lei ordinária, decorrente do projeto de lei ora em análise, estabelecer modificações no regime jurídico tributário disposto em lei complementar, sendo cabível, se for o caso, projeto de lei complementar para alterar o CTM.

Ainda, mais especificamente quanto ao art. 4º do PL nº 156/2018, subtrai-se que serão estabelecidos critérios quanto ao local da atividade do comércio ambulante e ao tamanho de suas instalações, sob pena de multa e de perda da mercadoria exposta à venda. No entanto, o Código Tributário Municipal, no art. 217, já prevê que a fiscalização municipal, exercendo o poder de polícia administrativa, poderá apreender e remover para o depósito as mercadorias ou objetos expostos em locais proibidos ou alheios ao objeto da licença, o que, portanto, já é objeto de norma jurídica própria do ente municipal. Ademais, a Tabela V traz, com pormenores, a composição das taxas cobradas pelo exercício da atividade de comércio ambulante, inclusive detalhando em que situações e circunstâncias são devidas.

Assim sendo, entende-se que os arts. 2º, 3º, 4º e 5º já são objeto de regulamentação específica e amplamente conhecida (Código Tributário Municipal), sendo descabida a veiculação de nova lei, de natureza inferior à complementar, tratando sobre a mesma disciplina. A única inovação possível, na hipótese, seria a constante no art. 1º do PL 156/2018, no sentido de ser instituída a isenção do pagamento de taxa para comércio ambulante aos aposentados e idosos com renda de até dois salários mínimos.

No entanto, em relação a esse ponto, embora não haja inconstitucionalidade de natureza formal, há renúncia de receitas na forma do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00), motivo pelo qual se exigem a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, a demonstração do atendimento ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e, ao menos, uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia foi considerada na estimativa da Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais; 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da LC nº 101/00, sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

Assim, como referem expressamente o caput e o § 1º do dispositivo, a concessão de isenções configura renúncia de receita pelo gestor, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na lei orçamentária anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Tais complementações são necessárias à total viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 156/2018, visto que ausentes na proposta.

Na presente situação, como informado, as disposições dos arts. 2º a 5º já estão tratadas no Código Tributário Municipal (Lei Complementar nº 3.208/14, arts. 213 a 218), não cabendo inovação em novo regramento de hierarquia inferior. E, quanto ao art. 1º, em que pese não haja inconstitucionalidade formal, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige documentos indispensáveis para a legalidade da isenção, notadamente o impacto orçamentário-financeiro, bem como estimativa da renúncia na lei orçamentária anual ou a previsão de medidas de compensação pelo Poder Público.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão do já disciplinamento do contido nos arts. 2º a 5º pelo Código Tributário Municipal, de hierarquia superior à lei ordinária que se pretende promulgar, bem como diante da falta, em relação ao art. 1º, do cumprimento dos requisitos dispostos no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00), o que prejudica a sua viabilidade jurídica.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 28 de novembro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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