Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 155/2018
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 345/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"INSTITUI FERIADO MUNICIPAL NO DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, COMEMORADO ANUALMENTE NO DIA 20 DE NOVEMBRO NO MUNICÍPIO DE GUAÍBA"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 155/18, de autoria do Vereador Manoel Eletricista, que “Institui feriado municipal no dia nacional da consciência negra, comemorado anualmente no dia 20 de novembro”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal da proposição apresentada.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

Tal feixe de competências é de observância obrigatória por parte de todos os entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios –, havendo, também, disposição expressa na Constituição Estadual Gaúcha de que os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição Federal (art. 8º). Desse mandamento, então, surge o dever de o Município de Guaíba, ao firmar a sua legislação, ter especial atenção ao que dispõe a CF/88 sobre distribuição de competências legislativas, para que não usurpe competências de outros entes, violando o pacto federativo.

E, nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é clara ao defender que a fixação de feriados civis é da competência privativa da União, fundada no art. 22, inciso I, da CF/88, uma vez que diz respeito à matéria de direito do trabalho, por haver importantes reflexos nessa área:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 11.971/2015, DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, QUE ALTERA LEI QUE FIXA FERIADOS MUNICIPAIS, DECLARANDO FERIADO MUNICIPAL O DIA 20 DE NOVEMBRO, CONSAGRADO AO "DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E DA DIFUSÃO DA RELIGIOSIDADE". COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO DE LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. FERIADO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO RELIGIOSA, POR NÃO CONFIGURAR DIA DE GUARDA. EXTRAPOLAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO MUNICÍPIO. INCONSTITUCIONALIDADE PROCLAMADA. 1. De acordo com o art. 8º da Constituição Estadual, os Municípios devem, necessariamente, observar os princípios estabelecidos na própria Constituição Estadual, além daqueles consagrados na Constituição Federal - dentre eles, o princípio federativo, do qual decorre o estabelecimento de um sistema de repartição de competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive em matéria legislativa. Nesse aspecto, em relação às competências legislativas, o art. 22, inc. I, da Constituição Federal estabelece que compete privativamente à União legislar sobre "direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho", ao passo que o art. 30, inciso I, da CF/88, preconiza que aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local. 2. Resta induvidoso que a instituição de feriados constitui-se temática ligada ao Direito do Trabalho - uma vez que o feriado, independentemente de seu cunho e natureza civil ou religiosa, ao fim e ao cabo, implica a interrupção do trabalho -, matéria cuja competência legislativa é privativa da União, conforme o art. 22, inc. I, da CF/88. A propósito disso, a União editou lei federal, a Lei n.º 9.093/95, regendo a matéria, prevendo a possibilidade de os Municípios declararem feriados religiosos os dias de guarda, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, já incluída a Sexta-Feira da Paixão (art. 2º da Lei n.º 9.093/95). Considerando que o dia 20 de novembro, declarado como feriado municipal pela lei impugnada, consagrado ao "Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade", não constitui dia de guarda, não podendo ser enquadrado como feriado religioso, por exclusão, tem-se que o feriado seria de natureza civil, porém, somente lei federal poderia assim declará-lo (art. 1º, inc. I, da Lei nº 9.093/95). Isso posto, resta flagrante a inconstitucionalidade da lei impugnada, por afronta ao art. 8º da Constituição Estadual e aos art. 22, inc. I, e 30, inc. I, ambos da Constituição Federal, destacando-se que estes dois últimos dispositivos configuram norma de reprodução obrigatória. [...] JULGARAM PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068409531, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/11/2016)

Como bem esclarece a ementa do acórdão acima transcrita, a matéria foi disciplinada na Lei Federal nº 9.093, de 12 de setembro de 1995, dispondo que os feriados podem ser civis ou religiosos, sendo os seguintes:

Art. 1º São feriados civis:

I - os declarados em lei federal;

II - a data magna do Estado fixada em lei estadual.

III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal. (Inciso incluído pela Lei nº 9.335, de 10.12.1996)

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

Os Municípios, portanto, possuem propriamente apenas um feriado civil: os dias de início e de término do ano do centenário de sua fundação, desde que fixados em lei municipal. No mais, a fixação de feriados civis cabe à lei federal, pelo exercício da competência privativa do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Os feriados religiosos, por sua vez, podem ser fixados com maior liberdade pelos Municípios, já que o art. 2º prevê a possibilidade de instituição de até quatro feriados, neste número já incluída a Sexta-Feira da Paixão.

Ocorre, no entanto, que o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado anualmente em 20 de novembro, não possui qualquer conotação religiosa, tendo caráter eminentemente civil, por homenagear Zumbi dos Palmares e propor uma maior reflexão sobre a importância do povo e da cultura africana no Brasil. Diante disso, por se tratar de uma data sem natureza religiosa, tem-se que os Municípios não possuem competência legislativa para estabelecê-la como feriado civil, visto que, conforme já exposto anteriormente, a instituição de feriados civis é da competência legislativa privativa da União.

Embora não haja disposição expressa no art. 22, inciso I, da CF/88 sobre feriados, a jurisprudência explica que a criação de feriados civis impacta diretamente nas relações de trabalho, pois traz maiores ônus ao empregador. Como regra, a CLT veda o trabalho em dias feriados (art. 70), remetendo, todavia, à legislação própria a disciplina do tema. A regulamentação vem através da Lei Federal nº 605, de 05/01/1949, prevendo que “é vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva” (art. 8º), com exceção dos casos em que a execução do serviço for imposta por exigências técnicas, situações em que, embora seja possível o trabalho, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga (art. 9º).

Ou seja, a instituição de feriado civil ou religioso, como regra, implica vedação ao trabalho, sendo que, excepcionalmente, quando justificado pela natureza das atividades empresariais (supermercados, postos de combustíveis, hospitais privados...), será até possível que haja trabalho, mas a remuneração do dia deverá ser paga em dobro pelo empregador, se não houver compensação em outro dia, e sem prejuízo do repouso remunerado semanal (“folga”). É o que prevê, também, a Súmula 146 do TST:

SUM-146 TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-I) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

É por tais implicações que a jurisprudência entende claramente que a instituição de feriados civis é da competência legislativa privativa da União (art. 22, inciso I, CF/88), por se tratar de matéria reflexa ao direito do trabalho, de tal modo que a proposição ora apresentada, em que pese tenha o mérito de estabelecer maior status à data comemorativa, é juridicamente inviável por afronta ao sistema constitucional de repartição de competências.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica (art. 22, inciso I, CF/88).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 22 de novembro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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