PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a proibição da prática de maus-tratos e crueldade contra animais no município de Guaíba, e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 143/2018 à Câmara Municipal, o qual dispõe sobre a proibição da prática de maus-tratos e crueldade contra animais no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A lei que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação federal. Isso porque o Projeto de Lei nº 143/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece infrações administrativas para os atos de abuso, maus-tratos e crueldade contra os animais, o que é abstratamente previsto na Constituição Federal de 1988 (artigo 225, § 1º, VII) e na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98, artigo 32). A respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:
No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:
Verifica-se, no caso, com exceção ao art. 4º, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 143/2018 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” A proposta objetiva, sobretudo, atender ao referido comando. Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.” Portanto, sob esses critérios, não há vícios de natureza formal ou material a impedirem a regular tramitação do Projeto de Lei nº 143/2018, o qual pretende disciplinar novas infrações administrativas ao meio ambiente. Ocorre, no entanto, que a mesma matéria é exaustivamente tratada no art. 76 da Lei Municipal nº 1.730, de 16 de dezembro de 2002 (Código Municipal de Meio Ambiente), diploma que também prevê amplamente as penalidades a serem aplicadas no exercício do poder de polícia administrativa, como advertências, multas, apreensões, penalidades educativas etc. Nesse sentido, como o art. 76 traz, ao total, 26 (vinte e seis) condutas que caracterizam atos de abuso e de maus-tratos, entende-se que deve o proponente acrescentar-lhe novas ações, se for o caso, verificando previamente se já não estão estabelecidas no amplo rol de condutas vedadas. Os detalhamentos constantes na proposição, como os dos §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º do art. 2º, podem constar como parágrafos do art. 76 da Lei nº 1.730/02. O art. 4º, por sua vez, mostra-se inviável por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS), uma vez que, ao impor conduta administrativa ao Poder Executivo no sentido de receber animais vítimas de maus-tratos, invade, indevidamente, a chamada “reserva de administração”, atribuindo-lhe obrigação que somente a ele cabe dispor, através de regramento de iniciativa própria. De todo modo, vale destacar que tal previsão, se observada à luz do Código Municipal de Meio Ambiente, é até desnecessária, uma vez que os arts. 90 e 98, inciso XXVIII, demonstram que o ato de maus-tratos possibilita a aplicação da penalidade de apreensão, que pode recair sobre o animal (bem móvel, conforme art. 82 do Código Civil). Portanto, devem as condutas previstas serem disciplinadas como novas disposições legais do art. 76 da Lei nº 1.730/02 (Código Municipal de Meio Ambiente), por razões de técnica legislativa. Como tal lei tem natureza complementar (art. 46, inciso V, Lei Orgânica), deve receber ampla divulgação e consulta pública, tal como previsto no § 1º do art. 46. Conclusão:Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, pela caracterização, quanto ao art. 4º, de inconstitucionalidade material por afronta à separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS), sugerindo-se a retirada desse dispositivo. E, no mesmo sentido, embora não configure inconstitucionalidade formal ou material, recomenda-se a retirada da proposição para que, através de projeto de lei complementar, façam-se alterações ao art. 76 da Lei Municipal nº 1.730/02 (Código Municipal de Meio Ambiente), acrescentando as novas condutas configuradoras de maus-tratos e os disciplinamentos dos §§ 2º a 7º do art. 2º, por razões de técnica legislativa, notadamente para que esta proposição, se aprovada, não seja uma norma isolada. Caso, de fato, seja retirado o PL nº 143/2018 e apresentado outro para alterar o art. 76 da Lei Municipal nº 1.730/02, deverão ocorrer ampla divulgação e consulta pública, tal como exige o art. 46, § 1º, da Lei Orgânica Municipal. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 07 de novembro de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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