Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 033/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 315/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta parágrafo único no artigo 2.º da Lei Municipal n.º 3536/2017"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 033/18 à Câmara Municipal, que altera dispositivos da Lei Municipal nº 3.536/2017. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da alienação de bens municipais e, sobre este tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, incisos I e IX, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local; dispor sobre organização, administração, utilização e alienação de bens públicos.”

Portanto, sob esses critérios, não se vislumbram vícios de ordem formal no projeto submetido à análise. No entanto, é preciso destacar que a proposição esbarra em aspectos de ordem material, atinentes à necessidade de processo licitatório. Como se percebe da sua leitura, o Projeto de Lei nº 033/2018 objetiva alterar disposições da Lei Municipal nº 3.536, de 28 de agosto de 2017, que autorizou o Município de Guaíba a permutar imóveis com a empresa Mercado Frozza e Fernandes LTDA, para o fim de construção de 05 (cinco) ecopontos nos locais especificados no art. 2º. A análise desta proposta, desse modo, acaba tendo vínculo indissociável com a mencionada lei municipal, em vigor no Município de Guaíba desde o ano passado.

No entanto, primando pela objetividade da argumentação, esta Procuradoria Jurídica entende que a permuta de imóveis por obras, embora em tese seja juridicamente possível, depende da realização do competente processo licitatório.

De acordo com a justificativa apresentada nesta proposição, a área técnica da Prefeitura de Guaíba identificou que o local previsto para a construção do ecoponto mencionado no inciso V do art. 2º da Lei Municipal nº 3.536/17 – “Ecoponto Columbia City” – não atende às necessidades técnicas exigidas, motivo pelo qual, através da futura lei, caberá ao Município a definição de local adequado à construção, sendo que, em contrapartida, a empresa Mercado Frozza e Fernandes LTDA terá de executar obras de 04 (quatro) ecopontos e entregar a quantia de R$ 45.015,00, para que viabilize ao Município a construção do quinto e último ecoponto definido na legislação, em área a ser indicada.

Ocorre que, desde o início, entende-se que a permuta dos imóveis pelo conjunto de obras não poderia ter sido destinada, diretamente, para a empresa constante no projeto. Conforme previsão contida na Lei Federal nº 8.666/1993, em regra, para a alienação de bens imóveis, o Executivo deverá proceder à avaliação prévia do bem, obter autorização legislativa específica e realizar licitação na modalidade de concorrência:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; (grifou-se)

Art. 24. É dispensável a licitação:

[...]

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

São requisitos para a alienação de bens da Administração Pública, conforme se extrai do mencionado dispositivo: 1) interesse público devidamente justificado; 2) avaliação prévia; 3) para imóveis, autorização legislativa; 4) para imóveis, licitação na modalidade concorrência. Há casos, porém, em que a exigência de licitação pode se tornar incompatível com a natureza do contrato, razão pela qual as alíneas do inciso I do art. 17 da Lei de Licitações preveem situações em que a licitação é dispensada, como já exemplificado acima, na situação de uma permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24. Vale lembrar, especificamente quanto ao trecho “que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei”, que tal requisito não mais prevalece para os Estados, Distrito Federal e Municípios desde 03 de novembro de 2003, em razão de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, promovida pelo Estado do Rio Grande do Sul. Assim, ajustando-se a hipótese de licitação dispensada ao entendimento do STF, será, em tese, cabível a permuta direta entre imóveis, um pertencente à Administração Pública e outro ao particular.

Evidentemente, a dispensa de licitação pela permuta entre bens imóveis só tem sentido quando envolva objetos certos e determinados que sejam indispensáveis ao atendimento do interesse público. Quando o objetivo da Administração Pública é de, genericamente, permutar um imóvel seu por outro que lhe seja mais vantajoso, essencial a realização do processo licitatório, a fim de evitar qualquer direcionamento. Nesse sentido, explica Diógenes Gasparini:

(...) Apesar disso, a licitação pode e deve ser feita quando o Estado não deseja certo e determinado imóvel, mas um dentre os muitos que podem satisfazer seus interesses. A licitação é necessária, por exemplo, sob pena de nulidade, quando o Estado se propõe a permutar um terreno de sua propriedade com área de 1.200 m², com perímetro, divisas e confrontações tais e quais, situado no Bairro do Barro Preto, com frente para a rua dos Pardais, por um terreno de área igual ou superior, situado no interior de um círculo de raio igual a um quilômetro, tendo como centro a sede do Poder Público licitante. Como mais de um terreno pode atender a essas especificações, necessária é a licitação. O critério de julgamento será o menor preço do terreno oferecido pelo particular, pois as demais condições foram estabelecidas igualmente para todos (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 836).

No presente caso, não se trata de permuta entre imóveis por natureza. Os imóveis da Administração Pública o são por sua natureza; no entanto, tais imóveis serão permutados pela execução de quatro ecopontos sob a responsabilidade da empresa Mercado Frozza e Fernandes LTDA e pela entrega da quantia de R$ 45.015,00 para a execução do quinto ecoponto pela Prefeitura, a ser construído em local sujeito à definição futura. A execução de obras por parte da empresa não descaracteriza a permuta entre imóveis, uma vez que, nessa qualidade, as obras têm natureza jurídica de imóveis por acessão física artificial, conforme prevê o art. 79 do Código Civil: “São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.”

Conforme Maria Helena Diniz (Curso Geral de Direito Civil, volume 1: teoria geral do direito civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 344), o imóvel por acessão física artificial “Inclui tudo aquilo que o homem incorporar artificial e permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções (pontes, viadutos, etc.), de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano.”

Portanto, obras em imóveis têm natureza jurídica de bens imóveis por acessão física artificial, o que, em razão disso, não impede a permuta com outro imóvel da Administração Pública, dado que não desrespeita o art. 17, inciso I, alínea “c”, da Lei 8.666/93. A propósito, no âmbito da União, a Lei Federal nº 9.636/98, no art. 30, caput, prevê expressamente a possibilidade de permuta por edificações a construir: “Poderá ser autorizada, na forma do art. 23, a permuta de imóveis de qualquer natureza, de propriedade da União, por imóveis edificados ou não, ou por edificações a construir.”

No entanto, no caso específico de permuta de imóveis por edificações a construir, faz-se necessária a realização de procedimento licitatório. Isso porque não é o caso de permuta entre imóveis certos e determinados que sejam indispensáveis ao atendimento do interesse público; são edificações a construir por parte de particular, cuja contrapartida se faz com bens imóveis que compõem o patrimônio disponível da Administração (bens de natureza dominical). E, sendo edificações a construir, não há motivo para que certa e determinada pessoa seja selecionada diretamente para cumprir tal obrigação. Deve, nesse caso, ser aberto o competente processo licitatório, conforme já aponta, no âmbito da União, o § 2º do art. 30 da Lei Federal nº 9.636/98: “Na permuta, sempre que houver condições de competitividade, deverão ser observados os procedimentos licitatórios previstos em lei.”

De acordo com a Consultoria Geral do TCE/SC, no Processo nº 09/00531410, com origem no Município de Laguna/SC,

Partindo do pressuposto de que sempre haverá mais de um interessado na execução de uma obra, que a Administração Municipal não pretende incorporar a seu patrimônio um bem determinado, já existente, insubstituível, e que é de interesse público a contratação mais vantajosa para a Administração, a permuta por obra, deverá, necessariamente, ser precedida de licitação pública, na modalidade concorrência.

Não obstante, é dever desta Corte alertar que embora haja previsão legal para a permuta, o Administrador deve analisar o alcance desta em cada caso concreto, de forma a verificar se a permuta trará melhores resultados para o interesse público, enquanto existe a possibilidade, por exemplo, de que o terreno seja alienado em um determinado processo licitatório e seja instaurado outro para a construção da obra pretendida ou, ainda, de que seja realizada a desapropriação de um terreno por interesse público.

Fica registrado o alerta para que o Administrador não se deixe enganar pela aparente facilidade em efetuar a permuta de um imóvel pela obra, pois esta ação exigirá cautela redobrada na elaboração do edital de concorrência pública e do instrumento contratual.

Desse modo, como bem destacado pelo Tribunal de Contas Catarinense, a permuta de um imóvel por edificações a construir, embora seja tecnicamente possível, depende de processo licitatório, já que, não se tratando de objetos certos e determinados, sempre poderá haver mais de um interessado na execução da obra, além do que a licitação, por razões óbvias, tem potencial para alcançar uma contratação mais vantajosa para a Administração Pública. O TCE destaca, ainda, que cabe ao gestor público demonstrar que a permuta é a melhor alternativa possível entre todas, já que também seria possível, por exemplo, a alienação do terreno em um processo licitatório e a abertura de outro para a construção da obra pretendida.

É por tais motivos que se entende juridicamente inviável a permuta que se fez no caso em análise, já que firmada diretamente com a empresa Mercado Frozza e Fernandes LTDA, sem respeitar o necessário procedimento licitatório exigido para permutas entre imóvel por natureza e imóvel por acessão física artificial (“edificações a construir”). Não obstante, deve-se destacar que o objetivo desta proposição é alterar dispositivos da Lei Municipal nº 3.536/17, que já autoriza a permuta, de modo que cabe aos vereadores a análise da conveniência e oportunidade da aprovação, o que não modifica a convicção jurídica já exposta por este órgão técnico.

Vale destacar que o parecer jurídico é ato resultante do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, especialmente em se tratando da matéria de processo legislativo, cujo parecer jurídico sequer é obrigatório, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que as comissões e os vereadores formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer.

Conclusão:

Diante de todo o exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, manifesta-se a Procuradoria Jurídica pela inviabilidade do Projeto de Lei nº 033/2018, de origem do Executivo, pela existência de vício material, notadamente ao art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988 e ao art. 19, caput, da Constituição Estadual Gaúcha.

É o parecer.

Guaíba, 1º de novembro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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