Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 133/2018
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 297/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a "Semana Municipal do Brincar" e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Florindo Motorista apresentou o Projeto de Lei nº 133/18 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, a “Semana Municipal do Brincar”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Inicialmente, verifica-se estar adequada, em parte, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe a instituição da “Semana Municipal do Brincar”, a ser celebrada, anualmente, na última semana do mês de maio. Não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria aqui tratada, desde que não sejam previstos deveres, obrigações ou mesmo “permissões” ao Executivo no que diz respeito à logística e à operacionalização, o que macula o projeto de vício de iniciativa.

A propósito do tema, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.751/2014 que inclui no calendário oficial de eventos do Município a "Corrida Ciclística". Norma guerreada que não versou simplesmente sobre a instituição de data comemorativa no calendário oficial do Município, mas, ao revés, instituiu evento esportivo com criação de obrigações ao Executivo e despesas ao erário, sem previsão orçamentária e indicação da fonte e custeio. Afronta aos arts. 5º, 47, II e XIV, 25 e 144 da Carta Bandeirante, aplicáveis ao município por força do principio da simetria constitucional. Inconstitucionalidade reconhecida. [...] (TJ-SP - ADI: 21628784720148260000 SP 2162878-47.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Data de Julgamento: 11/03/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 16/03/2015).

Além disso, não há impedimento algum a que datas comemorativas sejam informadas por objetivos ou princípios, contanto que não obriguem de qualquer forma o Poder Executivo, traduzindo-se como meras inspirações e diretrizes do evento. Inclusive, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – onde há vários precedentes em ações diretas de inconstitucionalidade sobre a instituição de datas comemorativas –, foi julgado constitucional o artigo 2º da Lei Municipal nº 11.409, de 08 de setembro de 2016, do Município de Sorocaba, por apenas ter fixado os objetivos da Semana de Conscientização, Prevenção e Combate à Verminose. Eis aqui parte do esclarecedor voto adotado:

Como referi por ocasião da decisão em que indeferi a medida liminar (págs. 83/84), não se vê invasão de competência normativa do Poder Executivo, porquanto, instituída semana de conscientização, prevenção e combate à verminose naquela municipalidade, o artigo 2º, ora impugnado, não vai além de fixar os objetivos da campanha, sem fixar novas incumbências a servidores que, à evidência, e se necessárias, não irão além das de cunho ordinário, situação a não exigir peculiaridades características de aumento de despesas ordenadas pelo Legislativo.

Transcreve-se, ainda, ementa de outro julgado do TJSP sobre idêntica matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Nº 3.898, de 25 de abril de 2016, do Município de Mirassol, que 'Institui A Semana de Combate ao Aedes Aegypt no âmbito do Município de Mirassol'. Inicial que aponta ofensa a dispositivos que não guardam relação com o tema em debate, tal como carece de fundamentação correlata (artigos 1º, 111, 180 e 181 da CE, bem como artigo 22, inciso XXVII da CR). Impertinência de exame. Iniciativa oriunda do poder legislativo local. Viabilidade. Inconstitucionalidade formal não caracterizada. Lei que não disciplina matéria reservada à Administração, mas sim sobre programa de conscientização de caráter geral. Ausência de invasão à iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, cujo rol taxativo é previsto no artigo 24, § 2º da Carta Estadual, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 do mesmo diploma. ATO normativo, ademais, que não impõe qualquer atribuição ao Executivo local, ostentando conteúdo educativo a justificar atuação legislativa municipal. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes. Mácula aos artigos 5º, 47, incisos II, XIV E XIX, da Constituição Bandeirante, não constatada. Previsão orçamentária genérica que, por si só, não tem o condão de atribuir inconstitucionalidade à lei. Precedentes. Pretensão improcedente (ADI 2101150-34.2016, rel. Des. FRANCISCO CASCONI, j. 19.10.2016).

Considerando tais fundamentos, tem-se por inconstitucionais os arts. 3º e 4º, uma vez que atribuem à Secretaria Municipal de Educação e Cultura a organização e a coordenação do evento, através das dotações orçamentárias próprias, o que configura inconstitucionalidade sob o ponto de vista formal (art. 60, II, “d”, CE/RS) e material (art. 5º, CE/RS).

Ainda, em relação ao registro da data comemorativa no calendário oficial de eventos municipais, ocorre violação à reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. Isso porque o calendário oficial de eventos municipais é instituído por meio de lei municipal de iniciativa do Chefe do Executivo, por se tratar de matéria atinente à organização administrativa, nos exatos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, em virtude de sua natureza de norma constitucional de reprodução obrigatória.

Em Guaíba, o calendário oficial de eventos é reavaliado anualmente, tendo sido instituído, neste ano, através da Lei Municipal nº 3.633, de 09 de janeiro de 2018, a qual, como já foi dito, é de iniciativa do Prefeito enquanto responsável pelas questões relacionadas à organização administrativa. O anexo único à Lei nº 3.633/18 detalha, mês a mês, os eventos a serem realizados durante o ano pelo Município, cabendo a gestão e a ordenação ao Poder Executivo.

Assim, tratando-se de matéria relacionada à organização administrativa do Município de Guaíba, que despende recursos, pessoal e força de trabalho para a realização de eventos, convém esclarecer que a iniciativa de projeto de lei determinando a inclusão de certa celebração no calendário oficial de eventos é do Chefe do Executivo. Nada impede, entretanto, iniciativa parlamentar no sentido de instituir a celebração em si, com natureza motivacional, desde que não imponha ou “permita” medidas ao Executivo. Nesse sentido, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.019/2013, QUE INCLUI NO CALENDÁRIO OFICIAL DE EVENTOS DO MUNICÍPIO DE PELOTAS AS FESTAS DE IEMANJÁ E NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. AUMENTO DE DESPESA. VÍCIO MATERIAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONCESSÃO DA LIMINAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA LEI IMPUGNADA. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL. (Agravo Regimental Nº 70057704108, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 26/05/2014).

Desse modo, é forçoso reconhecer a inconstitucionalidade, também, do § 2º do art. 1º do Projeto de Lei nº 133/2018, na medida em que determina, indevidamente, a inclusão da data comemorativa no calendário oficial de eventos, afrontando o princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS) e o sistema constitucional de reserva de iniciativas (art. 61, § 1º, CF/88; art. 60, II, “d”, CE/RS), atribuindo responsabilidade ao Executivo para a efetiva operacionalização do evento, o que, como visto, se afigura inconstitucional por indevida invasão da chamada “reserva de administração”.

Para que a proposta fique adequada aos comandos constitucionais e não possua qualquer resquício de inconstitucionalidade, sugere-se a apresentação de substitutivo nos moldes a seguir, caso seja de interesse do proponente:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 133/2018

Institui, no Município de Guaíba, a Semana Municipal do Brincar e dá outras providências.

Art. 1º Fica instituída, no Município de Guaíba/RS, a “Semana Municipal do Brincar”.

Parágrafo único. A “Semana Municipal do Brincar” será comemorada, anualmente, na última semana do mês de maio, integrando as comemorações do “Dia Mundial do Brincar”, que acontece no dia 28 de maio, data instituída pela ITLA – International Toy Library Association.

Art. 2º A “Semana Municipal do Brincar” tem por objetivo:

I – a valorização do brincar na vida das crianças;

II – o reconhecimento da ludicidade como componente da cultura e da infância;

III – o resgate de brincadeiras tradicionais como forma de preservação à recriação do patrimônio lúdico da sociedade;

IV – o encontro intercultural e intergeracional em torno das brincadeiras;

V – o cumprimento do art. 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, reforçando que o brincar é um direito de toda criança;

VI – o estímulo e apoio ao reconhecimento do brincar ao longo da vida.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa existente no § 2º do art. 1º e nos arts. 3º e 4º, caracterizado com base no art. 2º da CF/88 e nos arts. 5º e 60, II, “d”, da CE/RS. Sugere-se ao proponente a apresentação de substitutivo nos termos expostos, a fim de que a proposição possa ser deliberada em Plenário sem qualquer vício de natureza material ou formal.

Guaíba, 28 de setembro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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