PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a venda de animais domésticos no Município de Guaíba" 1. Relatório:O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 128/2018 à Câmara Municipal, visando dispor sobre a venda de animais domésticos no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A regulamentação que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 128/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece obrigações que têm fundamento e base no poder de polícia administrativa, visto que se trata de deveres que limitam interesses individuais em prol da coletividade, notadamente no aspecto da saúde, da higiene, da vigilância e da fiscalização sanitária. A Constituição Estadual Gaúcha, no art. 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” Além disso, a respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:
Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a matéria, é importante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:
No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Ressalvam-se, todavia, alguns dispositivos do Projeto de Lei nº 128/2018 que se mostram inconstitucionais: a parte final do § 1º do art. 2º; § 2º do art. 2º; incisos I e IV do art. 3º; art. 4º e seu parágrafo único; partes do art. 6º; arts. 9º, 11 e 12. Isso não impede, por outro lado, a reformulação da proposição, com a retirada dos dispositivos inconstitucionais, uma vez que, em termos gerais, o Município é competente para dispor sobre a matéria tratada no projeto. Para tanto, ao final do presente parecer jurídico, apresenta-se sugestão de substitutivo ao Projeto de Lei nº 128/2018, adequado juridicamente e à técnica legislativa, pois não contém qualquer dispositivo que imponha obrigações ao Executivo além das que já lhe são exigíveis por força do seu dever de fiscalização, sendo certo que, na esteira de entendimentos jurisprudenciais, é de iniciativa concorrente a legislação que preveja a aplicação de multa pelo descumprimento de obrigação, especialmente em matéria de poder de polícia. A respeito desse assunto, cabe referir que o próprio IGAM, em consultoria prestada no dia 18/08/2017 (orientação técnica nº 21.581/2017), recomendou que, em projeto de lei cujo objeto era a obrigação de afixar avisos, em estabelecimentos comerciais, de que os crimes contra as crianças e adolescentes são passíveis das penas previstas em lei, seria viável e, sobretudo, recomendável a cominação de penalidades para que a proposta, caso aprovada, não fosse inócua. Em diversos outros projetos de lei que tramitaram nesta Câmara de Vereadores, o IGAM também sugeriu a adoção dessa medida, a exemplo do Projeto de Lei nº 121/2017, de autoria parlamentar, em que constou a seguinte nota: “Sugere-se que sejam colocadas penalidades para que a futura lei, se aprovado o projeto, não seja inócua. Ainda, que se utilize para dosimetria da pena somente com valores, a fim de evitar questionamento acerca das medidas de caráter administrativo, que são da iniciativa legislativa do Prefeito.” (orientação técnica nº 28.559/2017). De qualquer modo, o entendimento desta Procuradoria é pela possibilidade de fixação de multa através de proposta parlamentar. Como base, tem-se o acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2028694-23.2015.8.26.0000, do TJSP. No referido acórdão, em que se discutiu a constitucionalidade da Lei nº 6.173, de 4 de novembro de 2014, do Município de Ourinhos, justamente por terem sido cominadas penalidades administrativas pelo descumprimento da obrigação de afixar avisos escritos sobre os crimes praticados contra crianças e adolescentes, o Tribunal defendeu que a matéria objeto da referida lei não diz respeito à organização e funcionamento da Administração Pública – o que poderia macular o diploma de vício formal de inconstitucionalidade –, destinando-se a regra aos particulares no âmbito de suas atividades empresariais. Além disso, o Tribunal de Justiça asseverou inexistir, na prática, qualquer aumento de despesa a atrair a iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a propositura do projeto, uma vez que já há estrutura administrativa em funcionamento que executa o poder de polícia nos comércios e serviços locais, sendo que “o dever de fiscalização do cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem, no caso, efeito de gerar despesas ao Município.” No que diz respeito ao Município de Guaíba, de acordo com o relatório de cargos referente ao mês de setembro de 2018, publicado no sítio da Prefeitura[1], há um total de 11 (onze) cargos ocupados de Fiscal de Tributos e Posturas, cujas atribuições, nos termos da Lei Municipal nº 1.116/93, incluem:
Portanto, constata-se que já há estrutura administrativa organizada para promover o exercício do poder de polícia no Município de Guaíba, especialmente para “cumprir e fazer cumprir as leis, decretos, atos administrativos e o que mais couber”, de tal forma que a cominação de penalidade administrativa para o descumprimento das obrigações previstas no projeto em análise não acarretará aumento de despesa para a sua efetiva aplicação; do contrário, o produto das multas constituirá fonte de receita em favor da Administração Pública, que poderá melhor equipar-se para atender aos objetivos de interesse público. Desse modo, não se observa iniciativa privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo para a fixação de multas pelo descumprimento de obrigações legais, sendo a iniciativa concorrente no presente caso. Por fim, quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 128/2018 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural, bem como regulamentar localmente a venda de animais domésticos, através de normas de segurança e vigilância sanitária. A Constituição Federal, no art. 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” O Projeto de Lei nº 128/2018 se presta, acima de tudo, a atender ao referido comando constitucional. Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.” Portanto, sendo da competência do Município dispor sobre a matéria e, em termos gerais, de iniciativa concorrente, o Projeto de Lei nº 128/2018 estará adequado juridicamente desde que suprimidas todas as disposições que afrontam a reserva constitucional de iniciativas e o princípio da separação dos poderes, recomendando-se a adoção do modelo que segue ao fim do parecer jurídico, que preservou ao máximo o texto original. [1] http://transparencia.guaiba.rs.gov.br/files/uploads/docs/52c0b843bf7c33f8c9e7104c2f73882d.pdf Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa e afronta ao princípio da separação dos poderes, caracterizados com base nos arts. 2º e 61, § 1º, da CF/88 e arts. 5º e 60, II, “d”, da CE/RS. Sugere-se, entretanto, a apresentação de substitutivo, conforme modelo a seguir, já adequado à técnica legislativa, eliminando os dispositivos inconstitucionais. Guaíba, 21 de setembro de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B
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