Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Resolução n.º 006/2018
PROPONENTE : Mesa Diretora
     
PARECER : Nº 290/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre indenizações de diárias a vereadores e servidores da Câmara Municipal de Guaíba"

1. Relatório:

A Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Guaíba apresentou o Projeto de Resolução nº 006/2018, em que dispõe sobre indenizações de diárias a vereadores e servidores do Legislativo Municipal. Encaminhado pela Presidência à Procuradoria Jurídica para os fins do art. 105 do Regimento Interno, o projeto recebeu parecer jurídico favorável, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. A Comissão de Justiça e Redação encaminhou a proposição à Mesa Diretora, solicitando providências, o que foi atendido através de emenda modificativa. Remetido o projeto novamente à Comissão de Justiça e Redação, foi solicitado parecer jurídico sobre a emenda.

2. Parecer:

Inicialmente, lembra-se que os dispositivos do Projeto de Resolução nº 006/18 já foram analisados em sua integralidade por meio do parecer jurídico de fls. 08-12, lavrado pelo Procurador-Geral desta Câmara de Vereadores, tendo a proposição cumprido os aspectos atinentes à competência, à iniciativa e à matéria. Desse modo, a análise jurídica realizada neste parecer se circunscreverá, unicamente, à emenda modificativa de fls. 15-16.

De acordo com o art. 117 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores, “Emenda é a proposição acessória que visa modificar a principal e pode ser apresentada por Vereador, nos termos deste Regimento.” Ainda, nos termos do art. 119, “A apresentação de emenda far-se-á por Vereador ou Comissão, dentro dos prazos estabelecidos neste Regimento Interno.” Diante de sua natureza acessória, a emenda, por óbvio, deve ter pertinência temática com o projeto original, sob pena de indeferimento pelo Presidente da Câmara, conforme dispõe o art. 118, caput e parágrafo único, do Regimento Interno.

Mais especificamente ao aspecto da iniciativa, vale destacar que a emenda foi apresentada pela Mesa Diretora da Câmara de Vereadores, mesmo grupo que protocolou a proposição originária, o que atende, portanto, ao previsto no art. 28, III, da Lei Orgânica Municipal e nos arts. 21 e 28 do Regimento Interno desta Casa Legislativa.

No que diz respeito aos aspectos materiais da emenda modificativa apresentada, não há qualquer mácula constitucional ou legal a impedir a tramitação da proposta. Em matéria de diárias, assim como na edição de qualquer outro ato de natureza legislativa, é indispensável que sejam observados os princípios constitucionais aplicáveis, uma vez que a legitimidade do ato estatal depende não só da competência e da iniciativa, mas, sobretudo, do atendimento aos parâmetros materiais estabelecidos constitucionalmente. E, nessa linha, a regulamentação do pagamento de diárias deve atender, especialmente, aos princípios constitucionais da razoabilidade e da economicidade, para que a disciplina a ser instituída não afronte valores constitucionais e, com isso, se desvie do interesse público que a legitima.

Como dispõe a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, “Os atos cujos conteúdos ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência; ou seja, superam os limites que naquele caso lhe corresponderiam.” (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 67). Isso significa que, não obstante o ato legislativo observe parâmetros jurídicos formais – competência e iniciativa, notadamente –, o tão só desrespeito aos princípios constitucionais o macula de ilegitimidade, já que fundado em um poder de autorregulação exercido abusivamente, à margem da Constituição.

É por esse motivo que diversos atos de natureza legislativa, conquanto atendam aos aspectos de natureza estritamente formal, ainda assim são declarados inconstitucionais no âmbito do Poder Judiciário, na medida em que seu conteúdo seja manifestamente irrazoável e desproporcional. Tal situação ocorreu, a exemplo disso, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70031200462, do Tribunal de Justiça do RS, julgada procedente para declarar inconstitucional lei municipal de Arroio do Sal, que dispunha sobre o pagamento de diárias.

Na referida situação, a Lei Municipal nº 1.267/05 havia fixado os valores para o pagamento de diárias na esfera do Município de Arroio do Sal, os quais foram considerados totalmente desproporcionais à realidade de mercado e aos parâmetros estudados pelo Tribunal de Contas do Estado, motivo pelo qual a disciplina foi considerada materialmente inconstitucional por ter afrontado os princípios da razoabilidade e da economicidade, contemplados no art. 19 da Constituição Estadual. Veja-se, para melhor ilustrar a situação, a ementa do julgado referido:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL DE ARROIO DO SAL QUE DISPÕE SOBRE O PAGAMENTO DE DIÁRIAS - AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA RAZOABILIDADE E DA ECONOMICIDADE CONTEMPLADOS NO CAPUT DO ARTIGO 19 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. 1. Quadro comparativo encaminhado pelo Tribunal de Contas do Estado que demonstra não se mostrar razoável nem econômico que tanto o Governador do Estado como o Prefeito Municipal de Porto Alegre para viajarem para fora do Estado recebam um valor equivalente a 55,94% do que recebe o Prefeito de Arroio do Sal para os mesmos deslocamentos. 2. As diárias pagas aos agentes políticos, servidores municipais e demais servidores a disposição do Município têm o objetivo de custear despesas de viagens diretamente relacionadas com a atividade por eles exercida, abrangendo gastos com alimentação, hospedagem e locomoção urbana. Porém, os aportes previstos na norma impugnada para o custeio das despesas em viagem de representação, mostram-se irrazoáveis, principalmente no que comparados às diárias recebidas pelos chefes do Poder executivo do Estado do RGS e do Município de Porto Alegre. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70031200462, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em 14/12/2009)

Como se vê, a lei municipal questionada foi considerada materialmente inconstitucional pelo tão só fato de os valores fixados como diárias serem manifestamente desproporcionais àquilo que se tem por razoável, nada havendo de irregular quanto aos seus aspectos meramente formais. Isto é, muito embora o ato legislativo se revista de legalidade por ter atendido à competência e à iniciativa, foi dado por ilegítimo na medida em que o seu conteúdo violou princípios basilares constantes na Constituição, notadamente os princípios da razoabilidade e da economicidade, previstos no art. 19.

Tal precedente nos mostra que o controle de constitucionalidade, no direito brasileiro, é profundo e abrange os mais variados aspectos da norma, desde aquilo que se caracteriza por vícios de natureza formal até as inconformidades propriamente materiais. E, nesse sentido, sempre é preciso ter muita cautela no ato de legislar, já que o conteúdo das disposições legislativas deve refletir o exercício legítimo do poder estatal, longe de qualquer forma de arbitrariedade ou de abusos. Novamente, é importante destacar a esclarecedora doutrina a respeito do núcleo do princípio da proporcionalidade:

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada (MELLO, 1999, p. 66).

Aplicando-se tudo isso à emenda modificativa apresentada pela Mesa Diretora, outra conclusão não seria possível senão a de que houve, por bem, o respeito aos princípios da proporcionalidade e da economicidade na medida proposta. Como é lógico, a primordial atribuição de um motorista, no quadro de servidores do Legislativo, é a de “dirigir veículos automotores e os manter em perfeitas condições de uso e limpeza” (Anexo III da Lei Municipal nº 3.635, de 29 de janeiro de 2018). Tal tarefa inclui, obviamente, viagens que o servidor motorista tenha de fazer a variados destinos, conduzindo vereadores ou servidores públicos.

Uma interpretação simplista da resolução implicaria considerar que o motorista, na condição de servidor público, teria direito a diárias sempre que houvesse de dirigir veículo para locais fora deste Município. Ocorre, entretanto, que isso autorizaria um acúmulo irrazoável e desproporcional de diárias, quando a finalidade primordial desse instituto é de indenizar as despesas eventuais do servidor com alimentação, hospedagem e locomoção urbana. Por se tratar de atribuição permanente do cargo e passível de exercício, portanto, a todo o momento, tem-se por justo e juridicamente razoável que o servidor motorista só receba diárias quando o deslocamento exigir pernoite, visto que, do contrário, poderia estar se concretizando espécie de parcela remuneratória, especialmente se os deslocamentos ocorrerem diariamente ou várias vezes por semana. O pagamento de indenizações ao servidor público com atribuição permanente de condução de veículos, apenas nas viagens que exigirem pernoite, serve como um parâmetro razoável que melhor concretiza o interesse público primário e o princípio da economicidade, preservando em maior grau os valores jurídicos abraçados pela Constituição Estadual e pela Constituição Federal de 1988.

Portanto, pelos motivos expostos, não há qualquer vício de natureza formal ou material a impedir a regular tramitação da emenda modificativa ao Projeto de Resolução nº 006/2018, que pretende regulamentar o pagamento de indenizações de diárias a vereadores e a servidores públicos da Câmara Municipal de Vereadores de Guaíba.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação da emenda modificativa ao Projeto de Resolução nº 006/18, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Guaíba, 21 de setembro de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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