Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 122/2018
PROPONENTE : Ver. Miguel Crizel
     
PARECER : Nº 280/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a regulamentação do serviço de táxi com tarifa compartilhada no município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 122/2018, de autoria do Vereador Miguel Crizel, que “Dispõe sobre a regulamentação do serviço de táxi com tarifa compartilhada no município de Guaíba e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Muito embora a Constituição Federal tenha assegurado, em seu artigo 18, a autonomia dos entes federados, dentre estes os Municípios, conferindo-lhes um conjunto de capacidades para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios, existem normas que emanam da Constituição que devem ser observadas pelos demais entes, pois orientam todo o ordenamento jurídico. Deriva disso que embora a autonomia municipal tenha erigido o Município a ente político, tal autonomia deve ser exercida em consonância com os ditames do sistema constitucional nacional vigente, sob pena de produção legislativa inconstitucional.

Constata-se, preliminarmente, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 122/2018, de autoria do Vereador Miguel Crizel (SOLIDARIEDADE), mesmo que à primeira vista pareça estar inserida no âmbito de matérias de interesse local, não guarda respeito à simetria do texto constitucional. A doutrina de Bruno Miragem e Aloísio Zimmer Júnior traz relevante lição acerca do princípio da simetria:

“Simetria é o princípio constitucional implícito que exige do arcabouço normativo da organização político-administrativa e da separação entre os Poderes que as normas constitucionais decorrentes do Poder Derivado devam observar coerência e não contradição em relação às normas da Constituição Federal. Do princípio da simetria resulta um dever de não contradição entre as normas de organização de Estados e Município, especialmente as relacionadas à repartição dos Poderes, à sua independência e harmonia. Consagrar a autonomia municipal não significa, a qualquer tempo, autorizar que os Municípios a exerçam de modo dissonante do desenho institucional fixado pela União de modo originário e pelo Estado de modo decorrente. Assim, o exercício da autonomia municipal é limitado tanto pelas normas e pelas competências materiais e legislativas da União e dos Estados, às quais deve respeitar, quanto pelo princípio da simetria, pelo qual, no exercício da sua competência de auto-organização, não deve desbordar da moldura estabelecida para a independência e para a inter-relação dos Poderes pela constituição Federal. Igualmente, o silêncio da norma municipal sobre dada competência reconhecida a determinado Poder pela Constituição Federal permite que desta se retire fundamento para que o correspondente órgão que represente o Poder em nível municipal exerça o que a norma federal prevê.”

Acerca da matéria que a proposição pretende regular, o artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe sobre a competência dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, in verbis:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas; [...]

Assim, a CF/88 instituiu para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não se encontram nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Passa-se, por conseguinte, à análise quanto ao respeito ao princípio da separação de poderes e ao sistema de freios e contrapesos, matérias que, como observado, devem guardar simetria e observância ao disposto na Carta Constitucional. Dispõe o art. 2º da CF/88:

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Embora louvável a proposta de lei, há de ser respeitado o princípio orientador do sistema democrático, qual seja a separação ente os poderes e o sistema de freios e contrapesos, bases do Estado Democrático de Direito e da garantia das liberdades civis.

Ademais, a jurisprudência dos Tribunais têm se posicionado pela declaração de inconstitucionalidade da matéria pretendida:

TJ-MG. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.089/2011 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DE PERMISSÃO DE TÁXI. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONFIGURAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. É inconstitucional a lei de iniciativa do Poder Legislativo que dispõe sobre a transferência da titularidade da permissão da prestação de serviço público em táxis, haja vista tratar-se de matéria afeta à iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo”. TJ-MG. Ação Direta Inconst. 1.0000.12.105631-1/000. Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL. Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela Data de Julgamento: 27/02/2013 Data da publicação da súmula: 22/03/2013.

TJ-SP. ADIN 90- 0086855-65.2012.8.26.0000. Relator - Walter de Almeida Guilherme WAG 13217 Lei nº 2.135/12 - Município de Gália - Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei de iniciativa da Câmara de Vereadores, que cria ponto de atividade de taxista em via pública da cidade - Inconstitucionalidade - Matéria administrativa a reclamar lei que se origine do Chefe do Poder Executivo - Usurpação das atribuições do Prefeito - Violação do principio da separação dos poderes - Ofensa aos artigos 5°, 47, II e XIV, e 144 da CE – Ação julgada procedente. Relator: Walter de Almeida Guilherme. Acórdão de 17 de outubro de 2012.

TJ-SP. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - alíneas "d" e "e" do §2° e do §3° do artigo 1º, a expressão "trabalhista" do §3° do artigo 2º, o artigo 3°, os §§ 2º, 7°, 8º, 9º o e 10 do artigo 7º, e o Inciso XVII do artigo 12, todos, da Lei Municipal n° 5.414, de 2 de dezembro de 2010, do Município de Itapetininga, deste Estado - Lei local que "disciplina os serviços de táxi no Município de Itapetininga e dá outras providências" - Dispositivos oriundos de alteração legislativa implementada por emendas da Câmara Municipal ao Projeto de Lei do Executivo - Alteração vetada pelo Prefeito, porém, promulgada pela Câmara em sessão ordinária, que deliberou a rejeição do veto aposto pelo Chefe do Executivo - Indevida ingerência do legislativo em matéria de competência privativa do executivo - Norma que disciplina matéria de atribuição do Prefeito na gestão ordinária da Administração Pública - Dispositivos que invadem matéria cuja iniciativa é de competência privativa do Chefe do Executivo - Violação do disposto na alínea "b" do inciso li do § 1o do artigo 61 da Constituição Federal, aplicável ao Município em razão da redação do artigo 144 da Constituição Estadual de São Paulo - Violação do princípio da tripartição dos poderes, consagrado no artigo 2o da Constituição Federal e artigo 5o da Constituição do Estado de São Paulo - Vulneração da previsão do inciso II do artigo 47 da Constituição do Estado de São Paulo - Inconstitucionalidade formal reconhecida - Precedentes jurisprudenciais do C. Supremo Tribunal Federal - Ação procedente - Inconstitucionalidade declarada. (ADIN N°: 0051767-97.2011.8.26.0000, 17 de outubro de 2012, Relator José Reynaldo)

O Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já se pronunciou sobre o tema, quando do julgamento da ADIn nº 70001779958:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS QUE REGULAM O SERVIÇO DE TRANSPORTE DE TÁXI NO MUNICÍPIO DE VIAMÃO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 1. É inconstitucional o art. 9 da lei municipal n.º 2063/90, que regula a composição da comissão para julgamento de concorrência pública no serviço de transporte de táxi, em afronta a competência privativa da União (cf art. 22, xxvii) de legislar sobre normas gerais de licitação. Admissibilidade de apreciação em controle concentrado. Afronta ao art-8, da Carta Estadual. Precedente desta corte. 2. São inconstitucionais as leis municipais n. 2334/93 e 2390/94, que instituem alterações nas tarifas do serviço de transporte por táxi. Atos de gestão. Atribuição exclusiva do prefeito. Ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os poderes (art-10 da CE).”( TJRS – ADIn nº 70001779958 - Tribunal Pleno – Rel. Des. ÉLVIO SCHUCH PINTO, j. em 02-04-2001).

Portanto, em que pese meritória, incorre em inconstitucionalidade formal a proposição, visto que ultrapassa o disposto no art. 2º da CF/88, nos arts. 5º e 10 da Constituição do Estado do Rio grande do Sul e vai de encontra à jurisprudência assentada pelos tribunais pátrios.

Acrescenta-se a isso o fato de que já existe Lei Municipal n.º       1.558, de 25 de setembro de 2000, que “Regula os serviços de táxis no Município de Guaíba e dá outras providências”, devendo assim eventuais alterações pontuais pretendidas serem incluídas nessa norma.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inconstitucionalidade do Projeto de Lei n.º 122/2018, de autoria do Ver. Miguel Crizel, por ir de encontro ao princípio constitucional da separação entre os poderes disposto na norma do art. 2º da Constituição Federal e nos arts. 5º e 10 da Constituição Estadual, com base nos argumentos expostos e na jurisprudência colecionada.

É o parecer.

Guaíba, 10 de setembro de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal

OAB/RS 107.136



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