Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 120/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 276/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece condição para demolição de prédios e equipamentos públicos no município de Guaíba, e dá outras providências"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 120/2018 à Câmara Municipal, objetivando estabelecer condição para a demolição de prédios e equipamentos públicos no Município de Guaíba. Encaminhado à Presidência para análise quanto à admissibilidade com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende aprovar se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular tema de competência material do Município (artigo 23, I, CF/88), não atrelado às competências legislativas privativas da União (CF/88, artigo 22), o Projeto de Lei nº 120/2018 vai ao encontro da preservação do patrimônio público municipal, notadamente no aspecto dos prédios públicos (bens públicos de uso especial).

Ocorre que o Projeto de Lei nº 120/2018, embora de propósitos louváveis, afronta o princípio constitucional da separação entre os poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal de 1988:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O mesmo princípio também é previsto na Constituição Estadual Gaúcha, como norma de observância obrigatória, assim estabelecido no seu art. 5º:

Art. 5º São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Especificamente, o Projeto de Lei nº 120/2018 tem como objetivo fundamental o estabelecimento de uma condição para a demolição de prédios públicos e demais construções de responsabilidade do Município de Guaíba: autorização legislativa embasada em Laudo Técnico de Inspeção Predial. Nesses termos, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, porque pretende criar mecanismo de controle para a preservação do patrimônio público, histórico e cultural, a proposta afronta o princípio da separação dos poderes, visto que representa ingerência sobre os atos exclusivos de administração que se encontram sob a égide da discricionariedade do gestor público, sendo inviável juridicamente.

Para tanto, vejam-se, entre outras, as seguintes competências materiais privativas do Prefeito de Guaíba, constantes no art. 52 da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

[...]

VIII - expedir atos próprios de sua atividade administrativa;

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Tais atribuições compõem aquilo que se denomina “reserva de administração”, medidas que se encontram sob a única e exclusiva responsabilidade do Chefe do Executivo, enquanto gestor da coisa pública. Por tais fundamentos, não pode o membro do Legislativo, responsável pela fiscalização dos atos administrativos, criar condicionantes ao exercício da atividade de gestão, já sujeita a inúmeros mecanismos de controle e fiscalização, tanto pelo Poder Legislativo, como por outros órgãos públicos e entidades.

Nesse sentido, tem-se a clássica lição de Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 1993, p. 438-439):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a "normativa", isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito.

Eis aí a distinção marcante entre missão "normativa" da Câmara e a função "executiva" do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração.

(...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º).

Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias.

(...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em "ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental".

Destarte, ainda que louvável a proposição sob o ponto de vista material, por todas essas razões, o Projeto de Lei nº 120/2018 é inviável juridicamente, por pretender criar condicionamento à esfera discricionária de atuação do Chefe do Executivo Municipal, o que importa violação ao princípio da separação dos poderes, na forma do art. 2º da Constituição Federal de 1988 e do art. 5º da Constituição Estadual Gaúcha.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de tratar-se de matéria manifestamente inconstitucional em afronta ao art. 2º da CF/88 e ao art. 5º da CE/RS, cabendo recurso ao Plenário.

Guaíba, 30 de agosto de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 30/08/2018 ás 15:22:57. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação e9991fad21fd5419f8a4608a722fa8ab.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 58745.