Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 119/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 273/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a prioridade de atendimento às pessoas que realizam tratamentos de quimioterapia, radioterapia, hemodiálise ou utilizem bolsa de colostomia, na cidade de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Projeto de Lei nº 119/18, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim, que dispõe sobre a prioridade de atendimento às pessoas que realizem tratamentos de quimioterapia, radioterapia, hemodiálise ou utilizem bolsa de colostomia, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

A respeito dos atendimentos prioritários, a Lei Federal nº 10.048, de 08 de novembro de 2000, dispõe sobre aqueles a quem se deve garantir o benefício, estando previstos, no art. 1º, pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes e pessoas com crianças de colo e obesos. Os pacientes em tratamento médico de quimioterapia, radioterapia, hemodiálise ou que portem bolsa de colostomia não constam na dita lei federal.

Portanto, a legislação local não poderia, a pretexto da competência suplementar do artigo 30, II, da CF/88, ampliar as categorias de beneficiários do atendimento prioritário, pois, do contrário, estaria usurpando as competências legislativas e, sobretudo, o princípio federativo, que distribui matérias específicas à atuação de cada ente federado.

A obrigatoriedade de respeito aos princípios constitucionais – dentre eles o princípio federativo – pelos Municípios decorre não apenas do artigo 8º da Constituição Estadual, mas também do artigo 29, caput, da Constituição Federal, como se observa:

Art. 8º O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

No que concerne à competência legislativa para legislar sobre assuntos de interesse local, adverte-se que “deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento dos interesses regional e nacional. Pelo contrário, a matéria já foi posta como lei federal, estabelecendo quais serão os beneficiários do atendimento prioritário. Como já dito, a concessão do benefício não é justificável por alguma peculiaridade no Município de Guaíba que coloque seus cidadãos em desvantagem aos de outras localidades; o interesse é de todos, fundamentando interesse nacional para legislar.

Desse modo, é patente que a proposição ultrapassa os limites da competência legislativa municipal. Como bem ressaltou o IGAM na orientação técnica nº 21.688/18, “dispor acerca de atendimento prioritário a pessoas portadoras de necessidades especiais é matéria que ultrapassa os limites do interesse local, razão pela qual entende-se não estar ela inserida dentre aquelas da competência legislativa municipal.”

Assim, pelos fundamentos apresentados, a proposição em análise não é de interesse predominantemente local nem suplementa a Lei Federal nº 10.048/00, por ampliar o objeto central dessa norma e, com isso, acabar usurpando o sistema constitucional de repartição de competências legislativas.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica.

Guaíba, 28 de agosto de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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