Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 118/2018
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 267/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza a colocação de dormitórios, comedouros e bebedouros para animais de rua no município de Guaíba e dá outras providências."

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 118/2018 à Câmara Municipal, o qual dispõe sobre a colocação de dormitórios, comedouros e bebedouros para animais de rua no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A lei que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 118/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece medidas de cuidado e proteção aos animais de rua, o que encontra abrigo no que dispõe o art. 225, § 1º, inciso VII, da Constituição Federal de 1988.

A respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a matéria, importante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 118/2018 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” A proposta objetiva, sobretudo, atender ao referido comando.

Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.”

Portanto, não há qualquer vício de natureza formal ou material a impedir a regular tramitação do Projeto de Lei nº 118/2018, o qual pretende dispor sobre a colocação de dormitórios, comedouros e bebedouros para animais de rua em Guaíba. Em idêntico sentido, a orientação técnica nº 21.540/2018 do IGAM refere que a proposição atende aos critérios de competência, de iniciativa e de conteúdo, estando tecnicamente apta para tramitar, pois não possui inconstitucionalidade material ou formal, cabendo aos vereadores, no caso, o exame do seu mérito.

Sugere-se apenas emenda de redação, a fim de que se altere a redação do “Art. 6º” para “Art. 4º”, de modo a que mantenha a ordem de numeração dos dispositivos, como exige a Lei Complementar Federal nº 95/98.

Conclusão:

Diante do exposto, seguindo as linhas gerais da orientação técnica nº 21.540/18 do IGAM, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 118/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário da Câmara de Vereadores, ressaltando a necessidade de emenda de redação, para ajuste da numeração do art. 6º, passando-o para “Art. 4º”.

Guaíba, 13 de agosto de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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