Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 114/2018
PROPONENTE : Ver. Arilene Pereira
     
PARECER : Nº 253/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proibição do uso de canudos plásticos em bares, restaurante, hotéis e demais locais públicos e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Arilene Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 114/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição do uso de canudos plásticos em bares, restaurantes, hotéis e demais locais públicos, no âmbito do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do RI.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

Como já decidiu o STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015, Inf. nº 776),

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

Ocorre que não há lei federal ou estadual específica determinando, ao menos em tese, a substituição de canudos plásticos por comestíveis ou de material biodegradável. Portanto, a legislação local não poderia, a pretexto da competência suplementar do artigo 30, II, da CF/88, determinar a utilização, pelos estabelecimentos comerciais, de canudos sustentáveis em substituição aos tradicionais canudos de plástico, porquanto estaria usurpando as competências do artigo 24 da CF/88 e, sobretudo, o princípio federativo, que distribui matérias específicas à atuação de cada ente federado.

Quanto a um possível argumento de interesse local para legislar sobre a matéria, adverte-se que “deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento dos interesses regional e nacional. Como dito anteriormente, para justificar o ato legislativo sob a ótica do interesse local, é preciso que haja alguma peculiaridade específica do Município em relação aos demais; do contrário, o interesse será regional ou nacional, fundamentando a competência, respectivamente, ao Estado e à União para legislar sobre tal matéria.

Desse modo, ao que tudo indica, a proposição ultrapassa os limites da competência legislativa municipal. A exemplo disso, pode-se citar a firme jurisprudência de que não compete ao Município regrar, mediante ato legislativo, a utilização de agrotóxico em âmbito local, tendo em vista que tal matéria compete à União e ao Estado, nos termos do art. 24 da CF/88, por ultrapassar o interesse predominantemente local. Se não cabe ao Município legislar sobre a proibição do uso de agrotóxicos, por usurpação do interesse local, parece lógico que também não lhe compete legislar sobre a proibição de uso de canudos plásticos, mediante ordem para a substituição por outros de material biodegradável ou comestível.

Sob o ponto de vista material, a questão ainda suscita dúvidas por representar possível afronta aos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170, CF/88). Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência asseguram, em seu núcleo, a prerrogativa de que todos podem exercer atividades empresariais como meio de sobrevivência, desde que atendam às condições estabelecidas em lei. Trata-se, portanto, de uma garantia ligada à liberdade, direito fundamental de primeira dimensão que obriga o Estado a adotar uma posição de inércia em relação aos cidadãos, que se autodeterminam conforme a própria vontade. Como todo e qualquer princípio constitucional, não há absolutismos. Se, por um lado, o livre exercício do trabalho não admite interferências estatais graves, por outro a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, observados os princípios de defesa do consumidor e defesa do meio ambiente (artigo 170, inc. V e VI, CF/88).

É por tal motivo que os julgamentos em sede de controle de constitucionalidade são complexos e por vezes geram decisões contraditórias. O julgador precisa fazer um exercício de ponderação de valores e princípios constitucionais para decidir se certa norma merece ou não prosperar no ordenamento jurídico, valendo-se, para tanto, do princípio da proporcionalidade. Faz um verdadeiro juízo de valor sobre a norma à luz dos princípios ou direitos fundamentais conflitantes, optando, ao final, por uma das soluções que considera prevalente e buscando, sempre que possível, causar o menor grau de dano possível aos princípios ou direitos minimizados. A respeito disso, tramita atualmente no STF o Recurso Extraordinário nº 732.686, a partir do qual será definido se leis municipais podem proibir o uso de sacolas plásticas, sendo que a análise ocorrerá no aspecto formal – possibilidade de o Município legislar sobre meio ambiente – e no aspecto material – se há ofensa aos princípios da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

De qualquer modo, considerando a similitude da matéria do RE nº 732.686 com o Projeto de Lei nº 114/2018, o ideal é aguardar o posicionamento definitivo do STF a respeito do tema. Com isso, a medida mais prudente e cautelosa, no presente caso, é a devolução da proposição ao seu autor, com base no art. 105 do Regimento Interno, porquanto não há parâmetros jurídicos exatos para assegurar a sua constitucionalidade. Caso o STF, no Recurso Extraordinário nº 732.686, decida pela competência do Município para legislar sobre a substituição de sacolas plásticas por outras de material biodegradável (matéria quase idêntica à que versa nesta proposição), o nobre Vereador poderá reapresentar a proposta para análise pela Procuradoria da Câmara Municipal, que terá maior segurança jurídica para sustentar a conformidade com as normas constitucionais.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, para que se aguarde a definição, pelo STF, no Recurso Extraordinário nº 732.686, da competência legislativa municipal para proibir, em âmbito local, o uso de sacolas plásticas e para determinar a substituição por outras de material biodegradável, tema similar ao que versa neste projeto.

Guaíba, 24 de julho de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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