Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 109/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 246/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispoõe sobre a publicação pelo Poder Executivo, através de sítio eletrônico oficial, de forma anual, acerca da aplicação das Emendas Parlamentares recebidas pelo Município de Guaíba e dá outras providências."

1. Relatório:

 O Projeto de Lei n.º 109/2018, de autoria do Vereador Dr. João Collares, que “Dispõe sobre a publicação pelo Poder Executivo, através de sítio eletrônico oficial, de forma anual, acerca da aplicação das Emendas Parlamentares recebidas pelo Município de Guaíba e dá outras providências.”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.  

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Muito embora a Constituição Federal tenha assegurado, em seu artigo 18, a autonomia dos entes federados, dentre estes os Municípios, conferindo-lhes um conjunto de capacidades para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios, existem normas que emanam da Constituição que devem ser observadas pelos demais entes, pois orientam todo o ordenamento jurídico. Deriva disso que embora a autonomia municipal tenha erigido o Município a ente político, tal autonomia deve ser exercida em consonância com os ditames do sistema constitucional nacional vigente, sob pena de produção legislativa inconstitucional.

Constata-se, preliminarmente, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 109/2018, de autoria do Vereador Dr. João Collares, embora esteja inserida no âmbito de matérias de interesse local, não guarda respeito à simetria do texto constitucional quanto ao art. 2º da CF/88. A doutrina de Bruno Miragem e Aloísio Zimmer Júnior traz relevante lição acerca do princípio da simetria:

“Simetria é o princípio constitucional implícito que exige do arcabouço normativo da organização político-administrativa e da separação entre os Poderes que as normas constitucionais decorrentes do Poder Derivado devam observar coerência e não contradição em relação às normas da Constituição Federal. Do princípio da simetria resulta um dever de não contradição entre as normas de organização de Estados e Município, especialmente as relacionadas à repartição dos Poderes, à sua independência e harmonia. Consagrar a autonomia municipal não significa, a qualquer tempo, autorizar que os Municípios a exerçam de modo dissonante do desenho institucional fixado pela União de modo originário e pelo Estado de modo decorrente. Assim, o exercício da autonomia municipal é limitado tanto pelas normas e pelas competências materiais e legislativas da União e dos Estados, às quais deve respeitar, quanto pelo princípio da simetria, pelo qual, no exercício da sua competência de auto-organização, não deve desbordar da moldura estabelecida para a independência e para a inter-relação dos Poderes pela constituição Federal. Igualmente, o silêncio da norma municipal sobre dada competência reconhecida a determinado Poder pela Constituição Federal permite que desta se retire fundamento para que o correspondente órgão que represente o Poder em nível municipal exerça o que a norma federal prevê.”

Assim, a CF/88 instituiu para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

 A análise quanto ao respeito ao princípio da separação de poderes e ao sistema de freios e contrapesos impõe a observância à simetria do disposto na Carta Constitucional. Dispõe o art. 2º da CF/88:

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Embora louvável a proposta de lei, indo ao encontro, de fato, em um exame perfunctório, nos termos da Justificativa proposta, aos princípios orientadores da transparência e do poder de fiscalização e controle externo do Poder Legislativo, conforme o comando constitucional do art. 31 da CF/88, por outro lado verifica-se afronta ao princípio orientador do sistema democrático, qual seja a separação ente os poderes e o sistema de freios e contrapesos, bases do Estado Democrático de Direito e da garantia das liberdades civis, consoante têm assentado os Tribunais:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Lei Municipal – Art. 16 da Lei Orgânica do Município – Garante aos vereadores o livre acesso, verificação e consulta a todos os documentos oficiais ou qualquer órgão do legislativo, da Administração Direta, Indireta e fundações ou empresas de economia mista com participação acionária majoritária, da Municipalidade – Inconstitucionalidade material – Violação ao princípio da harmonia e independência entre os poderes – Afronta aos arts. 5º e 144 da Constituição do Estado de São Paulo – Inconstitucionalidade decretada” (ADI 0516906-62.2010.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Júnior, v.u., 25-05-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – O DECRETO LEGISLATIVO MUNICIPAL QUE IMPÕE AO EXECUTIVO A OBRIGAÇÃO DE REMETER CÓPIA DE TODOS OS DECRETOS E PORTARIAS À CÂMARA DE VEREADORES EXACERBA O PODER FISCALIZADOR, VULNERANDO OS ARTS. 5º, 8º E 10 DA CARTA ESTADUAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Pleno. ADIn nº 598155356, Rel. Des. Eliseu Gomes Torres. 05/10/1998).

Ademais, a jurisprudência dos Tribunais têm se posicionado pela declaração de inconstitucionalidade da matéria pretendida na presente proposição legislativa. Veja-se, nesse sentido, o teor do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na ADI 2232361-62.2017.8.26.0000:

TJSP. AÇÃO DIRETO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal nº 14.052/17, de 30 de agosto de 2017, de Ribeirão Preto, dispondo sobre a obrigatoriedade do Poder Executivo dar publicidade, anualmente à aplicação de emendas parlamentares de origem Estadual ou Federal e fixando penalidade ao agente público infrator. Ingerência na organização administrativa. Art. 1º. Instituição de nova forma de controle externo do Legislativo sobre o Executivo, além do que já foi instituído pelas Constituições Estadual e Federal. Inadmissibilidade. Precedentes. Afronta aos arts. 5º, 33, 144 e 150 da Constituição Bandeirante. Arts. 2º Descabida a previsão de imposição de penalidade em desfavor de agente público. Desrespeito à separação dos poderes. Precedentes. Afronta aos arts. 5º; 24, inciso II; 47, incisos II, XI e XIV e 144 da Constituição Bandeirante. Art. 3º Inadmissível a fixação pelo Legislativo de prazo para que o Executivo regulamente a norma. Afronta aos arts. 5º; 47, incisos incisos II e XIV; 144 da Constituição Bandeirante. AÇÃO PROCEDENTE.

O poder de fiscalização a ser exercido pelos vereadores sob a forma de controle externo deve estar em consonância com o previsto na Constituição Federal e na Constituição Estadual. O Ministério Público dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul também têm se posicionado no sentido de que a atividade de fiscalização exercida pelo Poder Legislativo sobre o Poder Executivo deve obediência ao princípio da simetria bem como respeito ao princípio da separação entre os poderes, insculpido no artigo 2º da Carta Constitucional, o qual guarda relação com o sistema de freios e contrapesos:

“PARECER MPRS. PROCESSO N.º 70013175203 – TRIBUNAL PLENO CLASSE: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPONENTE: SENHOR PREFEITO MUNICIPAL DE DOM FELICIANO REQUERIDA: CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal regulando atividade fiscalizatória de Vereador, autorizando o ingresso em qualquer dependência de órgão público, bem como o atendimento de diligência por servidores. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Exacerbação do poder de fiscalização. Existência, portanto, de vício de inconstitucionalidade formal. Procedência da ação, por ter o ato normativo municipal ofendido o disposto nos arts. 5º, 8º e 10 da Constituição Estadual.”

“MPSP. PROCESSO N. 2056684-86.2015.8.26.0000 REQUERENTE: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA D’OESTE REQUERIDA: CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA D’OESTE. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Leis do Município de Santa Bárbara D’Oeste. Separação de poderes. Livre acesso de edil a repartições públicas municipais, de diligência aos órgãos da Administração direta ou indireta, e de requisição de cópia de documentos examinados. Controle parlamentar sobre o Poder Executivo. 1.  Art. 19 da Lei Orgânica Municipal, “que assegura aos vereadores livre acesso, verificação e consulta a todos os documentos oficiais ou a qualquer órgão do Legislativo, da Administração Direta, Indireta, de fundações ou empresas de economia mista com participação acionária majoritária da Municipalidade, desobrigando os mesmos de testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre pessoas que lhes confiarem ou deles receberem informações”, e Lei Municipal nº 3.647, de 24 de julho de 2014, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de exibição de placa informativa do livre acesso às repartições públicas municipais aos vereadores”. 2. É ofensiva à cláusula da separação de poderes normas que asseguram a edil, isoladamente, o livre acesso a repartições públicas, dotando-o de diligência pessoal a órgãos da AP e de requisição de cópia de documento examinado, por não encontrar respaldo no sistema de freios e contrapesos que deriva da observância simétrica da CF/88 e, sobretudo, por desalinhar ao princípio da colegialidade que predomina no controle parlamentar. 3. Procedência da ação.”

Ainda neste sentido, em respeito ao princípio da separação entre os poderes em se tratando de fiscalização do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal registrou em importante julgado tal posicionamento:

“STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (CF, art. 102, I, ‘a’) e representação por inconstitucionalidade estadual (CF, art. 125, § 2º). A eventual reprodução ou imitação, na constituição do Estado-membro, de princípio ou regras constitucionais federais não impede a argüição imediata perante o Supremo Tribunal da incompatibilidade direta da lei local com a Constituição da República; ao contrário, a propositura aqui da ação direta é que bloqueia o curso simultâneo no Tribunal de Justiça de representação lastreada no desrespeito, pelo mesmo ato normativo, de normas constitucionais locais: precedentes. II. Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os ‘pesos e contrapesos’ adotados. 2. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do relevo primacial dos ‘pesos e contrapesos’ no paradigma de divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional – aí incluída, em relação à federal, a constituição dos Estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembléia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão. III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição.” (STF, ADI 3.046-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15-04-2004, v.u., DJ 28-05-2004, p. 492, RTJ 191/510).

Portanto, em que pese meritória sob o ponto de vista da transparência na administração pública, o Projeto de Lei n.º 109/2018, de autoria do Ver. Dr. João Collares, padece de inconstitucionalidade manifesta, visto que ultrapassa o disposto no art. 2º da CF/88, além do previsto nos arts. 5º, 8º e 10 da Constituição do Estado do Rio grande do Sul e vai de encontra à jurisprudência assentada pelos tribunais pátrios.

Deve-se alertar, ainda, que a elaboração da proposição esbarra, em sua técnica de redação, no previsto na Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”, notadamente quando traz a expressão “entrará em vigor”, ao passo que deveria constar a expressão “entra em vigor”, em respeito ao artigo 8º da referida norma, que reserva tal cláusula de vigência.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos e da jurisprudência colacionada, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de tratar-se de matéria manifestamente inconstitucional, indo de encontro ao princípio constitucional da separação entre os poderes disposto no comando constitucional do art. 2º da Constituição Federal e no disposto nos arts. 5º, 8º e 10 da Constituição Estadual.

É o parecer.

Guaíba, 18 de julho de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal

OAB/RS 107.136



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