Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 111/2018
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 240/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proibição de fogos de artifícios e artefatos pirotécnicos com ruídos sonoros no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 111/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com ruídos sonoros no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A proibição que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação federal. Isso porque o Projeto de Lei nº 111/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece a proibição de soltura de fogos de artifício com estampido em Guaíba, matéria que diz respeito ao conceito de poluição sonora, previsto genericamente na Lei Federal nº 6.938/81. Segundo o referido diploma legal, considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Importante lembrar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” De modo a assegurar a efetividade desse direito, o texto constitucional impôs ao Poder Público – incluindo, no caso, os Municípios – o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (§ 1º, VII). Tal diretriz é repetida na Constituição Gaúcha, através do disposto no artigo 251, § 1º, VII, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 38, de 12 de dezembro de 2003.

Assim, considerando o dever de os Municípios promoverem a qualidade ambiental, protegendo a fauna e a flora contra quaisquer atos que lhes causem danos, presente a competência do Município de Guaíba para legislar sobre a matéria. Inclusive, a respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes, importante destacar o entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 111/2018 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural, assim como garantir a tranquilidade e o sossego da população de Guaíba, tarefas que constituem deveres do Poder Público e que, portanto, fundamentam a legitimidade da vedação proposta no projeto de lei. A proposição, notadamente, também versa sobre poder de polícia e posturas municipais, matérias sobre as quais os Municípios podem legislar (art. 13, inc. I, CE/RS).

Atente-se, novamente, apenas para o fato de que a fiscalização do cumprimento da norma, quando relacionada à explosão dos fogos de artifício, é complexa porque obriga o Poder Público a agir de imediato à infração, autuando o infrator em flagrante, visto que, do contrário, não há como saber quem, de fato, praticou o ilícito.

É necessário lembrar, por outro lado, que o IGAM ofereceu orientações técnicas em sentidos diversos no ano passado e neste ano. De acordo com a orientação anexa, de nº 23.920/2017, não haveria inconstitucionalidade ou ilegalidade no Projeto de Lei nº 083/2017, idêntico a este, desde que confrontadas as novas disposições com a já existente Lei Municipal nº 1.319/96, ainda em vigor. Agora, através da OT nº 18.211/18, o órgão de assessoramento técnico aduz que a proposição viola competência legislativa da União, sendo de sua exclusiva alçada legislar sobre fogos de artifício, conforme jurisprudência.

Percebe-se, assim, certa contrariedade nos pareceres lançados, uma vez que trazem conclusões diferentes, um pela viabilidade ao menos em tese, outro pela total inviabilidade. Caberá às comissões permanentes, em especial à Comissão de Justiça e Redação, adotar um desses posicionamentos: a) pela viabilidade jurídica do projeto, por se tratar de norma sobre posturas municipais e poder de polícia (art. 13, I, CE/RS); b) pela inviabilidade jurídica, considerando tratar-se de competência privativa da União (art. 22, VI, CF/88).

De qualquer modo, recorda-se que a Lei Municipal nº 1.319/1996 já estabelece normas a respeito de fogos de artifício no Município de Guaíba, sendo importante trazer a previsão dos arts. 4º e 5º:

Art. 4º É proibido depositar, comercializar ou conservar fogos de artifício, bem como, queimar ou permitir a queima em prédios residenciais ou de uso misto.

Art. 5º É proibido depositar, comercializar ou conservar nas vias públicas, embora provisoriamente, fogos de artifício bem como queimar ou permitir a queima em locais de grande concentração popular.

Parágrafo Único - É permitida a exibição de "shows" pirotécnicos mediante a responsabilidade de profissional habilitado com licença prévia do órgão competente.

Ou seja, a Lei Municipal nº 1.319/96 já proíbe, em âmbito local, o depósito, a comercialização e a conservação de fogos de artifício, ainda que provisoriamente, em vias públicas, em prédios residenciais ou de uso misto, assim como a queima nesses locais. As únicas inovações com o Projeto de Lei nº 111/2018 seriam a proibição de soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com estampido e a previsão de multas pelo descumprimento das obrigações.

Inclusive, é pertinente a apresentação de substitutivo adequando a redação do Projeto de Lei nº 111/2018 ao que já consta na Lei Municipal nº 1.319/96, para que a mesma matéria seja regulada no mesmo diploma:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 111/2018

Altera os arts. 4º e 5º e inclui os arts. 5º-A e 5º-B à Lei Municipal nº 1.319, de 12 de junho de 1996.

Art. 1º Fica alterado o art. 4º da Lei Municipal nº 1.319, de 12 de junho de 1996, que passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 4º É proibido depositar, comercializar ou conservar fogos de artifício, embora provisoriamente, nas vias públicas, em prédios residenciais ou de uso misto, bem como queimar ou permitir a queima nesses locais.”

Art. 2º Fica alterado o art. 5º da Lei Municipal nº 1.319, de 12 de junho de 1996, que passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º Em locais de grande concentração popular, é permitida a exibição de shows pirotécnicos que não produzam estampidos, mediante a responsabilidade de profissional habilitado com licença prévia do órgão competente.”

Art. 3º Ficam incluídos os arts. 5º-A e 5º-B à Lei Municipal nº 1.319, de 12 de junho de 1996, que passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º-A Fica proibida na zona urbana do Município de Guaíba a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido.”

“Art. 5º-B O descumprimento dos arts. 4º, 5º e 5º-A acarretará multa de até 40 (quarenta) unidades fiscais de referência municipal (UFIRM) e, no caso de reincidência, 80 (oitenta) unidades fiscais de referência municipal (UFIRM).”

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 111/2018, podendo seguir o seu trâmite nos termos do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guaíba. No entanto, fica desde já ressalvado que o IGAM, em 2017, apresentou orientação favorável (23.920/2017) e, neste ano, contrária (18.211/2018), havendo, então, certa divergência sobre a matéria. A Procuradoria da Casa, no ano passado, apresentou parecer favorável, mas cabe lembrar que o parecer jurídico é meramente opinativo, sendo de responsabilidade das comissões adotar um destes posicionamentos: a) seguir a orientação de 2017 do IGAM e da Procuradoria da Câmara, favorável à tramitação do projeto; b) seguir a orientação de 2018 do IGAM, desfavorável à tramitação, por haver violação de competência legislativa privativa da União.

De qualquer forma, reitera-se que o substitutivo acima apresentado é pertinente por compatibilizar o que consta no PL nº 111/2018 com a já existente Lei Municipal nº 1.319, de 12 de junho de 1996, que trata da matéria de fogos de artifício em âmbito local.

É o parecer.

Guaíba, 16 de julho de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 16/07/2018 ás 14:23:51. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 032f0de3747523467ce388577ffe9e32.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 57149.