PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a proibição de fogos de artifícios e artefatos pirotécnicos com ruídos sonoros no Município de Guaíba" 1. Relatório:O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 111/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com ruídos sonoros no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A proibição que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação federal. Isso porque o Projeto de Lei nº 111/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece a proibição de soltura de fogos de artifício com estampido em Guaíba, matéria que diz respeito ao conceito de poluição sonora, previsto genericamente na Lei Federal nº 6.938/81. Segundo o referido diploma legal, considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Importante lembrar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” De modo a assegurar a efetividade desse direito, o texto constitucional impôs ao Poder Público – incluindo, no caso, os Municípios – o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (§ 1º, VII). Tal diretriz é repetida na Constituição Gaúcha, através do disposto no artigo 251, § 1º, VII, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 38, de 12 de dezembro de 2003. Assim, considerando o dever de os Municípios promoverem a qualidade ambiental, protegendo a fauna e a flora contra quaisquer atos que lhes causem danos, presente a competência do Município de Guaíba para legislar sobre a matéria. Inclusive, a respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:
Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes, importante destacar o entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:
No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 111/2018 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural, assim como garantir a tranquilidade e o sossego da população de Guaíba, tarefas que constituem deveres do Poder Público e que, portanto, fundamentam a legitimidade da vedação proposta no projeto de lei. A proposição, notadamente, também versa sobre poder de polícia e posturas municipais, matérias sobre as quais os Municípios podem legislar (art. 13, inc. I, CE/RS). Atente-se, novamente, apenas para o fato de que a fiscalização do cumprimento da norma, quando relacionada à explosão dos fogos de artifício, é complexa porque obriga o Poder Público a agir de imediato à infração, autuando o infrator em flagrante, visto que, do contrário, não há como saber quem, de fato, praticou o ilícito. É necessário lembrar, por outro lado, que o IGAM ofereceu orientações técnicas em sentidos diversos no ano passado e neste ano. De acordo com a orientação anexa, de nº 23.920/2017, não haveria inconstitucionalidade ou ilegalidade no Projeto de Lei nº 083/2017, idêntico a este, desde que confrontadas as novas disposições com a já existente Lei Municipal nº 1.319/96, ainda em vigor. Agora, através da OT nº 18.211/18, o órgão de assessoramento técnico aduz que a proposição viola competência legislativa da União, sendo de sua exclusiva alçada legislar sobre fogos de artifício, conforme jurisprudência. Percebe-se, assim, certa contrariedade nos pareceres lançados, uma vez que trazem conclusões diferentes, um pela viabilidade ao menos em tese, outro pela total inviabilidade. Caberá às comissões permanentes, em especial à Comissão de Justiça e Redação, adotar um desses posicionamentos: a) pela viabilidade jurídica do projeto, por se tratar de norma sobre posturas municipais e poder de polícia (art. 13, I, CE/RS); b) pela inviabilidade jurídica, considerando tratar-se de competência privativa da União (art. 22, VI, CF/88). De qualquer modo, recorda-se que a Lei Municipal nº 1.319/1996 já estabelece normas a respeito de fogos de artifício no Município de Guaíba, sendo importante trazer a previsão dos arts. 4º e 5º:
Ou seja, a Lei Municipal nº 1.319/96 já proíbe, em âmbito local, o depósito, a comercialização e a conservação de fogos de artifício, ainda que provisoriamente, em vias públicas, em prédios residenciais ou de uso misto, assim como a queima nesses locais. As únicas inovações com o Projeto de Lei nº 111/2018 seriam a proibição de soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com estampido e a previsão de multas pelo descumprimento das obrigações. Inclusive, é pertinente a apresentação de substitutivo adequando a redação do Projeto de Lei nº 111/2018 ao que já consta na Lei Municipal nº 1.319/96, para que a mesma matéria seja regulada no mesmo diploma:
Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 111/2018, podendo seguir o seu trâmite nos termos do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guaíba. No entanto, fica desde já ressalvado que o IGAM, em 2017, apresentou orientação favorável (23.920/2017) e, neste ano, contrária (18.211/2018), havendo, então, certa divergência sobre a matéria. A Procuradoria da Casa, no ano passado, apresentou parecer favorável, mas cabe lembrar que o parecer jurídico é meramente opinativo, sendo de responsabilidade das comissões adotar um destes posicionamentos: a) seguir a orientação de 2017 do IGAM e da Procuradoria da Câmara, favorável à tramitação do projeto; b) seguir a orientação de 2018 do IGAM, desfavorável à tramitação, por haver violação de competência legislativa privativa da União. De qualquer forma, reitera-se que o substitutivo acima apresentado é pertinente por compatibilizar o que consta no PL nº 111/2018 com a já existente Lei Municipal nº 1.319, de 12 de junho de 1996, que trata da matéria de fogos de artifício em âmbito local. É o parecer. Guaíba, 16 de julho de 2018. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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