Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 016/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 233/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com a Empresa Adroaldo Mesquita da Costa Neto & Cia Ltda."

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 016/2018 à Câmara Municipal, que “Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com a Empresa Adroaldo Mesquita da Costa Neto & Cia Ltda”. A proposição veio acompanhada de exposição de motivos (fls. 02-03), memorial descritivo das áreas objeto da permuta (fls. 12-23), justificativa de dispensa de laudo de avaliação de imóvel urbano para fins de permuta (fls. 24-28) e cópia da matrícula dos bens imóveis (fls. 29-58). A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. O parecer jurídico orientou pela devolução do projeto ao Executivo, a fim de que receba adequações para tornar-se viável juridicamente. Protocolou-se substitutivo, acompanhado de inúmeros documentos complementares (fls. 68-168), o qual foi novamente remetido a esta Procuradoria Jurídica para receber parecer jurídico.

2. Parecer:

A respeito do interesse local e da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, reiteram-se os argumentos do parecer jurídico anterior, no sentido de que os arts. 30, inc. I, da CF/88 e os arts. 6º, inc. I e IX, 52, inc. XXII, e 92, caput, da Lei Orgânica Municipal afetam ao Chefe do Executivo Municipal a competência para administrar os bens municipais, podendo aliená-los quando cumpridas as condições legais.

Reitera-se, também, para registro, que a pretendida permuta ocorrerá, se aprovada, entre duas áreas situadas no Loteamento Parque Florida, sendo uma delas pertencente ao Município de Guaíba (parcela de 7.275m², na Quadra 13) e outra pertencente ao particular Adroaldo Mesquita da Costa Neto & Cia LTDA (7.397,28m², na Quadra 09), sendo que, com a transferência do imóvel particular para o Município de Guaíba, serão formadas duas áreas verdes, de modo a preservar a função que a área pública já vinha desempenhando.

Como justificativa para a permuta, o Executivo alega, na exposição de motivos, que “A área a ser permutada sofreu intervenção do Município a partir da implantação do canal de drenagem e galeria de drenagem pertencentes ao Sistema de Drenagem da Zona Sul, ocupando área dos particulares, conforme croqui em anexo.” Diante do ocorrido, conforme o Executivo, restariam duas alternativas ao Município: indenizar o particular prejudicado ou permutar as áreas. Ocorre que, em consequência da grave crise financeira que afeta o Município, a primeira opção não seria economicamente viável, afigurando-se a permuta como alternativa mais adequada ao interesse público.

O art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações) estabelece a possibilidade de que os bens da Administração Pública sejam alienados, trazendo requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação; 3) quando imóveis, a prévia autorização legislativa; 4) em regra, licitação na modalidade concorrência, estando esta dispensada, entre outras causas, na permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei (art. 17, I, “c”).

No que tange, especificamente, à hipótese de licitação dispensada pela permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos do art. 24, X, da Lei Federal nº 8.666/93, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, do Supremo Tribunal Federal, teve medida cautelar deferida para suspender, em relação aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “c”, porque a competência legislativa da União se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a restrição “por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, segundo a interpretação do STF na medida cautelar, ficaria suspenso o trecho que restringe permutas por parte de Estados, DF e Municípios a imóveis que se enquadrem no art. 24, X, da Lei Federal nº 8.666/93, tornando-se possível, como regra, quaisquer permutas, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17.

Para tornar mais clara e fundamentada a argumentação, veja-se parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (MPTC/6457/2009), referente à matéria:

[...]

A Lei nº 8.666/93 assim dispõe sobre a matéria:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

(...)

Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

Como visto somente se admite a alienação de bens imóveis da Administração se forem atendidos os seguintes requisitos:

- interesse público devidamente justificado;

- autorização legislativa prévia;

- avaliação prévia do bem a ser permutado;

- licitação na modalidade concorrência.

A exigência de licitação é dispensada nos casos de permuta, pela própria especificidade dos bens a serem permutados.

De outro lado, de acordo com a lei de licitações, a permuta depende ainda do seguinte requisito:

- destinação ao atendimento de atividades precípuas da Administração e cujas necessidades de instalação e localização condicionem a escolha (inciso X do art. 24 da Lei nº 8.666/93).

Contudo, de se notar que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente os efeitos do art. 17, I, c, antes transcrito, ficando autorizada a permuta de bem imóvel público sem o cumprimento da exigência disposta no final da alínea c, que prevê o cumprimento dos requisitos constantes do inciso X do art. 24 da lei 8.666/93, quais sejam: destinação ao atendimento de atividades precípuas da Administração e cujas necessidades de instalação e localização condicionem a escolha.

Dessa forma, os seguintes são os requisitos da permuta entre bens imóveis:

- interesse público devidamente justificado;

- autorização legislativa prévia;

- avaliação prévia do bem a ser permutado.

[...]

Do mesmo modo, cabe trazer, ainda, a lição doutrinária de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 330-331:

O STF, em decisão cautelar na ADI 927/RS, apreciou questionamento sobre a validade e extensão de inúmeros dispositivos da Lei 8.666/1993. De modo geral, todas as impugnações foram rejeitadas, com ressalva de algumas atinentes a dispositivos do art. 17. A questão acabou despertando inúmeras dúvidas, inclusive derivadas de alguma complexidade na redação do acórdão e dos diversos votos emitidos.

[...]

É bem verdade que a leitura dos votos produz algumas dúvidas, tal como adiante referido. Conforme exposto no relatório do ilustre Ministro Carlos Velloso, a inicial pleiteava o reconhecimento da inconstitucionalidade da interpretação que “dá por extensivas aos Estados e Municípios as regras do art. 17, I, b e c, II, a, b e § 1º, da mesma Lei 8.666/1993.” Quanto a isso, pleiteou-se na inicial a adoção de interpretação conforme a Constituição. Portanto, em momento algum se deduziu pleito de declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos. Dito de outro modo, não se controvertia sobre sua validade em face da própria União. Essa ressalva é de grande relevância porque a redação do acórdão, ao sumariar o resultado, pode induzir à conclusão de que alguns dos dispositivos teriam tido sua aplicação suspensa de modo absoluto. Resultado dessa ordem não pode ser admitido, eis que configuraria julgamento extra petita. Mais ainda, o teor dos diversos votos induz claramente a conclusão diversa.

[...]

No tocante à alínea c do mesmo inc. I, verifica-se a maior dúvida. É que o único voto que explicitamente referiu-se à questão foi o do Relator, que rejeitava o pleito, mas adotando interpretação conforme perfeitamente razoável. No referido voto, afirmou-se que “ali está disposto, ao que penso, é que será dispensada a licitação, tratando-se de permuta de imóvel que atenda aos requisitos do inc. X do art. 24 (...).” Ou seja, o Relator reputou que o dispositivo não restringia as hipóteses de permuta, mas disciplinava os casos em que tal se processaria sem necessidade de licitação. Rigorosamente, somente o Ministro Marco Aurélio se referiu ao dispositivo, mas em termos gerais, admitindo o deferimento da “liminar, com a limitação, no tocante aos Estados, Municípios e Distrito Federal.” A proclamação do julgamento refere-se a decisão por maioria, indicando que teriam ficado vencidos, além do Relator, também os Ministros Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira. Mas o exame dos votos respectivos não permite localizar qualquer referência aos dispositivos. De todo o modo, tem de admitir-se que o entendimento que prevaleceu foi o da não aplicabilidade do dispositivo fora da órbita da União. Essa advertência é essencial porque não constou do acórdão, que se restringiu a indicar o deferimento da medida para “suspender” sua aplicabilidade.

Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “c” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para toda e qualquer permuta de imóveis da Administração Pública são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem permutados. Soma-se a esses requisitos o que consta no art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Só estão sujeitos à alienação, portanto, os bens de natureza dominical, isto é, aqueles bens que apenas compõem o patrimônio da Administração Pública, mas que não estão destinados a uma finalidade pública específica.

Para a retirada da finalidade pública de um bem, a desafetação é o meio próprio, já que o subtrai da qualidade de bem de uso comum do povo ou de uso especial e o coloca sob o regime dos bens dominicais, viabilizando-se a alienação. Nesses termos, consoante os autores Ricardo Alexandre e João de Deus na obra “Direito Administrativo”, 3. ed., São Paulo: Método, 2017, p. 830,

A afetação e a desafetação são importantes em relação à possibilidade de alienação de um bem público, uma vez que os bens afetados são inalienáveis enquanto conservarem a destinação pública. Caso a Administração pretenda se desfazer de bens de uso comum do povo ou de bens de uso especial, deverá antes desafetá-los. Com a desafetação, esses bens serão considerados bens dominicais, passando a ser possível a sua alienação.

E, em relação a esse ponto, o Executivo Municipal bem atendeu ao que estabelece a legislação porque o art. 1º do substitutivo ao Projeto de Lei nº 016/18 concretiza a desafetação do bem público da categoria de bem de uso comum do povo para integrar a categoria de bem dominical.

Quanto aos demais requisitos, lembra-se que o substitutivo ao Projeto de Lei nº 016/2018 conta com avaliação minuciosa das áreas a serem permutadas (fls. 112-168), cópia atualizada das matrículas de todos os lotes, demonstrando a efetiva propriedade do Município de Guaíba e da empresa Adroaldo Mesquita da Costa Neto & Cia LTDA. Existe, inclusive, comprovação de que, com a permuta da área pública pela particular, o Município formará duas áreas verdes com uma passagem de pedestres (fl. 21), mantendo-se a mesma finalidade com a parcela também de área verde não transferida ao particular (16.460,00m² restantes do bem público, fl. 22).

Resta apenas a necessidade de efetiva comprovação da existência de interesse público na permuta. Isso porque, embora tenha sido alegado pelo Executivo que a transferência se deve, em especial, à necessidade de compensar o prejuízo sofrido pelo particular pela realização de obras em lotes de sua propriedade, não há verdadeira demonstração, até o momento, de que a permuta é a medida mais adequada ao atendimento do interesse público. Se a indenização é, de regra, a providência a ser tomada, deve ser amplamente demonstrado que o seu pagamento não é possível e que a permuta não trará maiores prejuízos à Administração Pública.

De qualquer forma, a existência de interesse público envolve a matéria de mérito, visto que caberá aos vereadores julgar se, de acordo com os elementos apresentados, há ou não interesse público justificado na pretensa permuta. E, nesse sentido, como já se esclareceu em outros momentos, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Justiça e Redação, já que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo que o servidor que subscreve somente emite parecer desfavorável, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões competentes mesmo quando exista dúvida ou falta de total clareza sobre a viabilidade jurídica.

Compete, então, às comissões permanentes, em especial à Comissão de Justiça e Redação, solicitar a complementação de informações e de documentos na forma acima descrita, para que seja justificada, logicamente, a existência de interesse público na pretendida permuta de bens imóveis, com demonstração precisa e suficiente de que há vantagem nesse proceder, em comparação a outras formulas de solução, como a indenização.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no substitutivo ao Projeto de Lei nº 016/2018, podendo seguir o trâmite regimental. No entanto, fica já destacado que caberá às comissões permanentes, especialmente à Comissão de Justiça e Redação, solicitar a complementação de informações e de documentos na forma acima descrita, para que seja justificada, logicamente, a existência de interesse público na pretendida permuta de bens imóveis, com demonstração precisa e suficiente de que há vantagem em tal proceder.

É o parecer.

Guaíba, 11 de julho de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS n.º 110.114B

JULIA ZANATA DAL OSTO

Procuradora

OAB/RS n.º 108.241



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