Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 021/2018
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 217/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera dispositivos da Lei Municipal n.º 3.553, de 05 de outubro de 2017"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 021/2018 à Câmara Municipal, em que busca alterar dispositivos da Lei Municipal nº 3.553, de 05 de outubro de 2017. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As alterações que se buscam instituir no Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, II, CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (CF/88, art. 22), o Projeto de Lei nº 021/2018 estabelece mudanças nas competências e na composição do conselho municipal e do respectivo fundo de recursos, o que se encontra no estrito âmbito local.

No que diz respeito à iniciativa, verifica-se estar adequada, uma vez que o Projeto de Lei nº 021/2018 trata da estruturação de órgão governamental do Poder Executivo Municipal, conforme classifica o art. 80 da Lei Orgânica, havendo reserva para a deflagração do processo legislativo, nos termos do art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual Gaúcha.

Conforme bem esclarece a orientação técnica nº 16.163/2018 do IGAM, o Projeto de Lei nº 021/2018 pretende instituir, entre outras, as seguintes alterações: a) exclusão da expressão “municipais” (art. 4º, IV); b) correção da natureza não lucrativa das entidades privadas (art. 4º, V); c) retirada da competência para a criação de órgãos governamentais (art. 4º, VII); d) correção da aprovação do cadastramento de entidades sediadas em Guaíba que prestem atendimento às pessoas com deficiência (art. 4º, XII); e) substituição da expressão ”queixas” por “denúncias” (art. 4º, XIII).

Quanto à composição, é importante observar que, de acordo com o Manual de Diretrizes para a Criação de Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos das Pessoas com Deficiência, divulgado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência[1], “O Conselho deve ser constituído paritariamente, por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, observando-se, entre outros requisitos, a representatividade e a efetiva atuação em nível estadual/municipal, relativamente à defesa dos direitos da pessoa com deficiência.”

A cartilha orientadora para criação e funcionamento dos conselhos de direitos da pessoa com deficiência, também publicada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência[2], orienta o seguinte: “O Conselho deverá ser constituído por representantes de Governo e de Sociedade Civil. Deve ser garantido à Sociedade Civil o percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento). Na composição do Conselho, não existe um número definido de representação. Contudo, o número mínimo de 10 (dez) representantes é recomendável.”

O Projeto de Lei nº 021/2018 busca manter a paridade na composição do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COMDE, já que será formado por 14 (quatorze) membros, 07 (sete) dos quais representam órgãos governamentais, enquanto os outros 07 (sete) representam a sociedade civil organizada. Quanto a esse ponto, portanto, não há qualquer irregularidade. Há, contudo, inconformidade na determinação para que o CREA/RS, Inspetoria de Guaíba, participe do conselho municipal. Isso porque, como bem lembrou o IGAM, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia tem natureza de autarquia com personalidade jurídica de direito público, constituindo serviço público federal, nos termos do art. 80 da Lei Federal nº 5.194/66. Desse modo, tendo natureza de autarquia federal, não pode a legislação municipal determinar a sua participação em conselho de âmbito estritamente local, por ofensa ao pacto federativo.

Apenas para justificar, novamente, a possibilidade de participação da OAB, vale destacar trechos do parecer jurídico lavrado por ocasião da análise do projeto de criação do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COMDE, quando já se demonstrou que a OAB não tem a mesma natureza dos demais conselhos profissionais:

Em relação à participação da Ordem dos Advogados do Brasil, o IGAM, na orientação técnica nº 21.772/2017, referiu que precedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul defendem não ser possível, por ser entidade alheia ao peculiar interesse municipal e possuir formação nos Estados e também na União, o que seria capaz de interferir na autonomia desses entes. No entanto, a Procuradoria não concorda com tal posicionamento.

A Lei Federal nº 9.649, de 27 de maio de 1998, dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. O seu artigo 58 – que, como se verá, foi declarado inconstitucional pelo STF, assim previa: “Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.” Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.717-6, o referido dispositivo foi declarado inconstitucional, uma vez que, por serem entidades controladoras do exercício profissional, os conselhos de classe exercem o poder de polícia, atividade típica de Estado e que, portanto, não pode ser delegada a entidades privadas. Reconheceu-se, assim, a natureza de autarquia dos conselhos profissionais, com as prerrogativas que lhes são próprias: contratação de pessoal por concurso público, sujeição às licitações, impenhorabilidade dos bens, processo especial de execução das contribuições parafiscais, imunidade tributária, privilégios processuais, entre outras.

Entretanto, em relação à OAB, embora o tema ainda não seja completamente pacífico, prevalece o entendimento referendado pelo STF de que esse conselho de classe, em especial, não possui natureza jurídica de autarquia, nem qualquer espécie de vínculo com a organização administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Isto é, não funciona como um órgão público, nem mesmo integra a Administração Pública Indireta. Trata-se de um serviço público independente, uma entidade sui generis que obtém tratamento diferenciado exatamente em razão de suas funções institucionais.

Pela importância, vale destacar o entendimento atual do STF em relação à natureza jurídica da OAB, veiculado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026/DF:

Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. (...) Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. (...) Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB (ADI 3026, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2006).

Desse modo, o STF já definiu que a OAB, por ser um serviço público independente e não equiparado aos demais conselhos profissionais, não possui qualquer relação ou estado de dependência em relação aos entes federados. Isso se deve especialmente ao fato de que, além de possuir a finalidade corporativa – ou seja, de defesa dos advogados –, a OAB guarda importantes finalidades institucionais: a defesa da democracia e da cidadania, a participação na sociedade para o esclarecimento de direitos, participação em concursos públicos, aperfeiçoamento dos cursos superiores jurídicos e, principalmente, a competência para ingressar com ações diretas de inconstitucionalidade (CF, artigo 103, VII; Lei nº 8.906/94, artigo 54, XIV).

De fato, por ter competência constitucional para iniciar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, a OAB, enquanto conselho de classe, não pode estar sujeita a controle finalístico ou a relações de dependência com o Poder Público, devendo ser-lhe assegurada a autonomia e a independência necessárias ao exercício dessa função institucional. Do contrário, se tivesse alguma ligação com os entes federados, sem a garantia de independência e/ou autonomia, a OAB estaria indevidamente confrontando os atos políticos e legislativos do Estado, sujeitando-se a punições.

Isto posto, com base nesses fundamentos, não vejo qualquer óbice à participação da OAB em conselhos municipais. Diferentemente do Poder Judiciário, cujo principal dever é a garantia da imparcialidade de seus membros, e do Ministério Público, que, embora seja autônomo, tem natureza jurídica de órgão público, a OAB é enquadrada como um serviço público independente, uma “categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.” (STF, ADI nº 3.026/DF). Sequer integra a estrutura da Administração Pública Indireta.

Diferentemente é a posição do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul, o qual tem natureza jurídica de autarquia federal (art. 80 da Lei Federal nº 5.194/66) e, assim, compõe a Administração Pública Indireta da União, não cabendo à lei municipal determinar a sua participação em conselhos locais, por criar obrigações de representação a órgão alheio ao peculiar e estrito interesse municipal. Veja-se a jurisprudência:

ADIN. CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA E SEGURANÇA. PARTICIPAÇÃO DE REPRESENTANTES DO PODER JUDICIÁRIO, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA POLÍCIA CIVIL E DA BRIGADA MILITAR. Manifesta a inconstitucionalidade da lei municipal que envolve, em Conselho Municipal, a atividade de agente estadual. Afronta à autonomia funcional e administrativa do Ministério Público. CE, arts. 108, § 4º, 109 e 111. CF, art. 127, § 1º. Invasão do legislador municipal à competência legislativa privativa de Poderes do Estado, na medida em que atribui a si competência para dispor sobre a prática de atos por parte de membro do Poder Judiciário Estadual, em afronta à regra do art. 8º da CE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70030653091, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo, Julgado em 14/12/2009)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SANTA MARIA. AUSÊNCIA DE COMPETENCIA LEGISLATIVA. VÍCIO FORMAL E MATERIAL. Competência legislativa amplamente extrapolada por infração aos princípios da isonomia, autonomia e harmonia entre os poderes de estado; vícios materiais e formais. Violação aos artigos 3º, 8º, caput, 10, 13, caput, 60, incisos I e II, alínea "d", 82, incisos II, III e VII, 93, inciso II, 95, inciso V, 99, 108, parágrafo 4º, 109 e 110, todos da Constituição Estadual, combinados com o artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Efeitos de operar a retirada do ordenamento jurídico das expressões "um representante da 4ª Delegacia Regional de Saúde", "um representante do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), "um representante do IBAMA", "um representante da Brigada Militar" e "um representante da 8ª Delegacia de Educação", previstas no art. 8° da Lei 3.871, de 10 de Abril de 1.995, bem como da Lei 5.346, de 27 de Agosto de 2.010, a qual deu "nova redação ao parágrafo 2°, do art. 3° da Lei Municipal 3.871, de 10-04-1995", ambas do Município de Santa Maria. [...] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70047435862, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 02/07/2012)

Quanto aos demais dispositivos do Projeto de Lei nº 021/2018, não se vê ilegalidade ou inconstitucionalidade, pois apenas ajustam a redação de normas já existentes na Lei Municipal nº 3.553/17, fazendo alterações pontuais de técnica legislativa e de funcionamento interno do conselho municipal, assuntos que cabem ao Executivo definir.

[1] Disponível: <http://eduardobarbosa.com/sitedata/filesdt/legislacao/412/criacaoconselhomunicipalppd.pdf>.

[2] Disponível: <http://www.portalinclusivo.ce.gov.br/phocadownload/CEDEF/cartilhaorientadoracac.pdf>.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela viabilidade jurídica parcial do Projeto de Lei nº 021/2018, uma vez que, conforme demonstrado, não pode ser determinada a participação do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do RS no Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência – COMDE, já que aquela entidade é de outra esfera federativa (autarquia federal), sendo inconstitucional tal previsão, na forma dos precedentes do Tribunal de Justiça Gaúcho.

Guaíba, 21 de junho de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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