Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 101/2018
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 216
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proteção e cuidados com os animais comunitários e transitórios que tenham sido abandonados nas vias públicas no âmbito do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 101/2018, que “Dispõe sobre a proteção e cuidados com os animais comunitários e transitórios que tenham sido abandonados nas vias públicas no âmbito do Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Assim tem se posicionado o Supremo Tribunal Federal, nos casos em que as normas locais estejam de acordo com as normas gerais estabelecidas pela União e pelos Estados:

“(...) Competência do Município para dispor sobre preservação e defesa da integridade do meio ambiente. A incolumidade do patrimônio ambiental como expressão de um direito fundamental constitucionalmente atribuído à generalidade das pessoas (RTJ 158/205-206 – RTJ 164/158-161, v.g.). A questão do meio ambiente como um dos tópicos mais relevantes da presente agenda nacional e internacional. O poder de regulação dos Municípios em tema de formulação de políticas públicas, de regras e de estratégias legitimadas por seu peculiar interesse e destinadas a viabilizar, de modo efetivo, a proteção local do meio ambiente. (…). ” (RE 673.681/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

 

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)" (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Quanto à relação entre as normas de interesse local e a proteção ao meio ambiente e aos animais, vale a pena colacionar a lição da doutrina[1]:

Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal. ”

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 101/18 dispõe sobre a proteção ao meio ambiente e à fauna, especificamente aos animais “comunitários e transitórios” abandonados nas vias públicas do município, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhece o artigo 23, VI e VII da CF/88:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

(...)

                           

A Constituição Federal estabelece ainda em seu artigo 225, em Capítulo que trata do “MEIO AMBIENTE”, constituindo objetivos a serem perseguidos também pelos entes municipais através de normas locais. Também a CF/88 estabelece como um dos deveres do Poder Público a proteção da fauna, combatendo as práticas que submetam os animais a crueldade e buscando garantir o bem-estar dos animais, conforme o comando constitucional do art. 225, VII da Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

(...)

No mesmo sentido de garantia dos direitos fundamentais a um meio ambiente saudável e à proteção dos animais que ocupam os espaços públicos do município, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 176, dispõe ser competência dos Municípios definir o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, bem como em seu Capítulo IV - DO MEIO AMBIENTE, especificamente no disposto no art. 251, § 1º, VII e VIII:

Art. 176. Os Municípios definirão o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, visando a:

I - melhorar a qualidade de vida nas cidades;

II - promover a definição e a realização da função social da propriedade urbana;

III - promover a ordenação territorial, integrando as diversas atividades e funções urbanas;

IV - prevenir e corrigir as distorções do crescimento urbano; V - promover a recuperação dos bolsões de favelamento, sua integração e articulação com a malha urbana;

VI - integrar as atividades urbanas e rurais;

VII - distribuir os benefícios e encargos do processo de desenvolvimento das cidades, inibindo a especulação imobiliária, os vazios urbanos e a excessiva concentração urbana;

VIII - impedir as agressões ao meio ambiente, estimulando ações preventivas e corretivas;

(...)

 

 Art. 251. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido. (Vide Leis n. os 9.519/92 e 11.520/00)

  • 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, o Estado desenvolverá ações permanentes de proteção, restauração e fiscalização do meio ambiente, incumbindo-lhe, primordialmente:

(...)

VII – proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade;

VIII - definir critérios ecológicos em todos os níveis de planejamento político, social e econômico;

                           

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. É cediço o entendimento dos tribunais de que as propostas legislativas que dispõem sobre a proteção do meio ambiente é matéria para a qual a iniciativa é concorrente.          Cabe ainda ratificar que a Lei Estadual N.º 11.915/2003, alinha-se perfeitamente aos desígnios pretendidos pelo Projeto de Lei N.º 101/2018 de autoria do Ver. Ale Alves, em conformidade com as diretrizes gerais estabelecidas pelo Código Estadual de Proteção aos Animais.

Com base nesses fundamentos e na jurisprudência, a proposição está inserida no âmbito das normas de garantia dos direitos fundamentais a um meio ambiente saudável, ao conferir densidade normativa aos comandos constitucionais e às normas gerais e municipais que protegem o meio ambiente, configurando norma de competência local e de acordo com a iniciativa para deflagrar o processo legislativo.

Em que pese a adequação em termos gerais da proposição, para que se torne juridicamente viável, especificamente os artigos 5º e 6º do Projeto de Lei n.º 101/2018 devem ser suprimidos, visto que afrontam o princípio da separação entre os poderes, ao pretender criar obrigações ao Poder Executivo Municipal, violando o art. 2º da CF/88 e indo de encontro à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.959/AL Relator: Ministro Celso de Mello Requerente: Governador do Estado de Alagoas Interessado: Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 7.427/2012, DO ESTADO DE ALAGOAS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIVISÃO FUNCIONAL DE PODERES. CRIAÇÃO DE CARGOS E ÓRGÃOS PÚBLICOS. MATÉRIA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. Embora a Lei 7.427/2012, do Estado de Alagoas, não determine, expressamente, criação de órgãos e cargos públicos, atribui vários deveres ao Estado, como esterilização cirúrgica, registro, identificação e guarda de animais abandonados, atividades inexequíveis sem constituição de órgãos e admissão de servidores. Iniciativa de lei versando sobre criação de cargos e órgãos públicos compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo, consoante os arts. 61, § 1º, II, alíneas a e e, e 84, VI, a, da Constituição da República. Parecer pela procedência do pedido.

A redação dos arts. 5º e 6º pretendendo dispor sobre a organização administrativa dos serviços municipais viola ainda o disposto nos arts. 52, VI e 119, II, da LOM:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

Quanto à técnica legislativa, a proposição está em consonância com o que dita a Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona” com suas alterações posteriores (LC nº 107/2001).

[1] PAULO DE BESSA ANTUNES, Direito Ambiental, p. 110/111, item n. 2.3, 15ª ed., 2013, Atlas.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, para correção, em razão de conter matéria manifestamente inconstitucional em afronta aos arts. 2º, da Constituição Federal e aos arts. 52, VI e 119, II, da Lei Orgânica Municipal, cabendo recurso ao Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 21 de junho de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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