Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 099/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 212
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a coleta e descarte de medicamentos vencidos no Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 099/2018, que “Dispõe sobre a coleta e descarte de medicamentos vencidos no município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Assim tem se posicionado o Supremo Tribunal Federal, nos casos em que as normas locais estejam de acordo com as normas gerais estabelecidas pela União e pelos Estados (exame que será realizado em seguida):

“(...) Competência do Município para dispor sobre preservação e defesa da integridade do meio ambiente. A incolumidade do patrimônio ambiental como expressão de um direito fundamental constitucionalmente atribuído à generalidade das pessoas (RTJ 158/205-206 – RTJ 164/158-161, v.g.). A questão do meio ambiente como um dos tópicos mais relevantes da presente agenda nacional e internacional. O poder de regulação dos Municípios em tema de formulação de políticas públicas, de regras e de estratégias legitimadas por seu peculiar interesse e destinadas a viabilizar, de modo efetivo, a proteção local do meio ambiente. (…). ” (RE 673.681/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

 

Dessa forma, não é permitida uma interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, na qual não se reconheça o interesse do município em fazer com que sua população goze de um meio ambiente equilibrado. (...) O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB). RECURSO EXTRAORDINÁRIO 586224 Relator(a): Min. LUIZ FUX Acórdão da Repercussão Geral Acórdão do Mérito Julgamento: 05/03/2015 Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-085 DIVULG 07-05-2015 PUBLIC 08-05-2015

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)" (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Quanto à relação entre as normas de interesse local e a proteção ao meio ambiente, vale a pena colacionar a lição da doutrina[1]:

Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal. ”

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 099/18 dispõe sobre a proteção ao meio ambiente, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhecem os artigos 24, XIV e 23, II da CF/88:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

(...)

                           

A Constituição Federal estabelece ainda em seu artigo 225, em Capítulo que trata do “MEIO AMBIENTE”, constituindo objetivos a serem perseguidos também pelos entes municipais através de normas locais. Também a CF/88 estabelece como um dos preceitos da ordem econômica a proteção ao meio ambiente, indo ao encontro do que pretende a proposição em análise o comando constitucional do art. 170, VI:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

(..)

No mesmo sentido de garantia dos direitos fundamentais um meio ambiente saudável, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 176, dispõe ser competência dos Municípios definir o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, bem como em seu Capítulo IV - DO MEIO AMBIENTE, especificamente no disposto no art. 251, § 1º, III e § 2º:

Art. 176. Os Municípios definirão o planejamento e a ordenação de usos, atividades e funções de interesse local, visando a:

I - melhorar a qualidade de vida nas cidades;

II - promover a definição e a realização da função social da propriedade urbana;

III - promover a ordenação territorial, integrando as diversas atividades e funções urbanas;

IV - prevenir e corrigir as distorções do crescimento urbano; V - promover a recuperação dos bolsões de favelamento, sua integração e articulação com a malha urbana;

VI - integrar as atividades urbanas e rurais;

VII - distribuir os benefícios e encargos do processo de desenvolvimento das cidades, inibindo a especulação imobiliária, os vazios urbanos e a excessiva concentração urbana;

VIII - impedir as agressões ao meio ambiente, estimulando ações preventivas e corretivas;

(...)

 

 Art. 251. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido. (Vide Leis n. os 9.519/92 e 11.520/00)

  • 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, o Estado desenvolverá ações permanentes de proteção, restauração e fiscalização do meio ambiente, incumbindo-lhe, primordialmente:

(...)

III - fiscalizar e normatizar a produção, o armazenamento, o transporte, o uso e o destino final de produtos, embalagens e substâncias potencialmente perigosas à saúde e aos recursos naturais;

  • 2.º As pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que exerçam atividades consideradas poluidoras ou potencialmente poluidoras são responsáveis, direta ou indiretamente, pelo acondicionamento, coleta, tratamento e destinação final dos resíduos por elas produzidos.

                           

Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa para deflagração do processo legislativo. É cediço o entendimento dos tribunais de que as propostas legislativas que dispõem sobre a proteção do meio ambiente é matéria para a qual a iniciativa é concorrente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE O DESCARTE DE MEDICAMENTOS INSERVÍVEIS. RESÍDUOS SÓLIDOS. TITULARIDADE DO MUNICÍPIO DOS SERVIÇOS DE LIMPEZA URBANA E INCUMBÊNCIADO MUNICÍPIO PARA ORDENAR E CONTROLAR O USO DO SOLO, DE MODO A EVITAR A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. MEIO AMBIENTE. CRITÉRIO DA TERRITORIALIDADE. INTERESSE LOCAL CONFIGURADO. LEI QUE, ADEMAIS, SE AJUSTA À LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE O TEMA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0038909-63.2013.8.26.0000, rel. Des. Cauduro Padin, rel. para o Acórdão Des. Márcio Bártoli, j. em 31.07.2013)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 11.602, de 10 de novembro de 2014, do Município de São José do Rio Preto, que dispõe sobre a implantação do processo de coleta seletiva de lixo em “shopping centers” e outros estabelecimentos que especifica Legislação que trata de matéria de interesse predominantemente local, visando à proteção do meio ambiente e combate da poluição, nos exatos limites das atribuições conferidas aos municípios pelos artigos 23, inciso VI, e 30, inciso I, da Constituição Federal, o que arreda a alardeada invasão de competência legislativa de outros entes federados Inocorrência, outrossim, de vício de iniciativa, haja vista que a norma editada não regula questão estritamente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, § 2º, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta, razão pela qual poderia mesmo decorrer de proposta parlamentar, sem incidir em violação ao princípio da separação dos poderes, inserido no artigo 5º da Constituição Estadual. Previsão legal que, de resto, não representa qualquer incremento de despesa, uma vez que a fiscalização das atividades comerciais e das unidades residenciais estabelecidas em seu território insere-se no poder-dever da Administração Pública Municipal. Providência prevista no ato normativo questionado que, na verdade, dirige-se exclusivamente a estabelecimentos privados, não interferindo em atos de gestão e nem criando nova obrigação a órgão da Administração local Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2222759-52.2014.8.26.0000, rel. para o Acórdão Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 29.04.2015). No mesmo sentido: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0175212-84.2013.8.26.0000, rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 05.02.2014)

Cabe ainda ratificar que a Lei Federal nº 12.305/2010, que Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências, alinha-se perfeitamente aos desígnios pretendidos pelo Projeto de Lei N.º 099/2018 de autoria do Ver. Dr. João Collares, em conformidade com as diretrizes gerais estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, notadamente em seu artigo 7º.

A própria lei que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos conferiu ao Distrito Federal e aos Municípios “a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios, sem prejuízo das competências de controle e fiscalização dos órgãos federais e estaduais do Sisnama, do SNVS e do Suasa, bem como da responsabilidade do gerador pelo gerenciamento de resíduos, consoante o estabelecido nesta Lei (art. 10)”.

    

Com base nesses fundamentos e na jurisprudência, a proposição está inserida no âmbito das normas de garantia dos direitos fundamentais a um meio ambiente saudável, ao conferir densidade normativa aos comandos constitucionais e aos tratados internacionais de direitos humanos que protegem o meio ambiente, configurando norma de competência local e de acordo com a iniciativa para deflagrar o processo legislativo.

Quanto à técnica legislativa, a proposição está em consonância com o que dita a Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona” com suas alterações posteriores (LC nº 107/2001).

[1] PAULO DE BESSA ANTUNES, Direito Ambiental, p. 110/111, item n. 2.3, 15ª ed., 2013, Atlas.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei n.º 099/2018, de autoria do Ver. Dr. João Collares, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 14 de junho de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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