Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 097/2018
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 209/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o regime especial comercial de descontos em medicamentos para pessoas com idade igual ou superior à 65 (sessenta e cinco) anos e pessoas idosas com idade igual ou superior à 80 (oitenta) anos pelos princípios esculpidos nas leis federais nº 10.741/2003 e nº 13466/2017"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 097/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre o regime especial comercial de descontos em medicamentos para pessoas com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos e pessoas idosas com idade igual ou superior a 80 (oitenta) anos, pelos princípios esculpidos nas Leis Federais nº 10.741/2003 e 13.466/2017. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de produção e consumo (art. 24, V), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

Ocorre que não há lei federal ou estadual específica determinando, ao menos em tese, a concessão de descontos na compra de medicamentos por idosos. O que o Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/03, alterada pela Lei Federal nº 13.466/17) assegura ao idoso com mais de 65 anos é a gratuidade do transporte público (art. 39) e o benefício da prestação continuada – BPC (art. 34), assegurado também nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social. Portanto, não havendo na lei federal sequer regras gerais garantindo o desconto para a compra de medicamentos, não pode a legislação local, a pretexto de complementar a matéria à luz do artigo 30, II, da CF/88, determinar a concessão de descontos na compra de medicamentos por idosos, inclusive pelos que já tenham alcançado 80 anos, porquanto estaria usurpando as competências do artigo 24 da CF/88 e, sobretudo, o princípio federativo, que distribui matérias específicas à atuação de cada ente federado.

Quanto a um possível argumento de interesse local para legislar sobre a matéria, adverte-se que “deve haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento dos interesses regional e nacional. Como dito anteriormente, para justificar o ato legislativo sob a ótica do interesse local, é preciso que haja alguma peculiaridade específica do Município em relação aos demais; do contrário, o interesse será regional ou nacional, fundamentando a competência, respectivamente, ao Estado e à União para legislar sobre tal matéria. No caso, é patente que a proposição ultrapassa os limites da competência legislativa municipal.

A exemplo disso, pode-se citar precedente específico sobre a matéria, apresentado pelo IGAM na orientação técnica nº 14.793/2018:

REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - LEI MUNICIPAL 3064 /2002 - CONCESSÃO DE DESCONTO DE MEDICAMENTOS PARA IDOSO - DECLARAÇÃO INCIDENTER TANTUM DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL - DESRESPEITO AO ARTIGO 24 , I , V E XII - INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - ART. 97 DA CF , 481 DO CPC E 181 DO RITJSE - SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO - REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL PLENO. I - Acolhe-se a solicitação do Desembargador Roberto Eugenio da Fonseca Porto para pronunciamento prévio do Plenário do Tribunal de Justiça acerca da constitucionalidade da Lei Municipal 3064 /2002 que "Concede desconto para idosos na compra de medicamentos nas farmácias instaladas no Município de Aracaju".II - Remessa dos autos ao Tribunal Pleno. (TJ-SE – REEX: 2006202288 SE, Relator: Des. Roberto Eugenio da Fonseca Porto, Data de Julgamento: 09/05/2006, 1ª Câmara Cível)

Assim, pelos fundamentos apresentados, a proposição em análise não é de interesse predominantemente local nem suplementa a Leis Federais nº 10.741/03 e 13.466/17, que não dispõem genericamente sobre a concessão de descontos aos idosos para a compra de medicamentos, e, com isso, acaba usurpando a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre relações de consumo (artigo 24, inc. V, CF/88).

Conclusão:

Diante do exposto, seguindo os termos da orientação técnica nº 14.793/2018 do IGAM, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica, com fundamento no art. 24, V, da CF/88.

Guaíba, 13 de junho de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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