Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 069/2018
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 205/2018
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre o alinhamento e a retirada de fios em desuso e desordenados existentes em postes de energia elétrica e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 069/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre o alinhamento e a retirada de fios em desuso e desordenados existentes em postes de energia elétrica. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. O parecer jurídico, lavrado pelo Procurador-Geral da Câmara de Guaíba, sustentou a legalidade da proposição, trazendo inclusive precedentes judiciais. Após a orientação técnica nº 13.942/2018 do IGAM, o projeto foi novamente remetido à Procuradoria para análise.

2. Parecer:

O IGAM, na orientação técnica nº 13.942/2018, referiu que a proposição invade a competência legislativa prevista no art. 22, IV, da CF/88 (“energia”), visto que não cabe ao Município regulamentar questões pertinentes à produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, motivo pelo qual a considerou inviável juridicamente.

Ocorre, no entanto, que o parecer jurídico da Procuradoria da Câmara de Vereadores, lavrado pelo Procurador-Geral, muito bem esclarece que a matéria diz respeito ao interesse local por ser competência material do Município, de acordo com o art. 23, VI, da CF/88, a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, o que incluiria, portanto, medidas de controle da estética urbana, pela excessiva quantidade de cabeamentos, fios e equipamentos em desuso e sem utilidade.

Ressaltou-se no parecer que, em se tratando de matéria referente ao combate à poluição em qualquer de suas formas, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo é concorrente, como reconhecem os arts. 61 da CF/88, 59 da CE/RS e 38 da LOM, sendo da alçada do Vereador a proposição de projetos veiculando medidas de tal natureza.

A respeito disso, é preciso destacar, ainda, que o art. 30, VIII, da CF/88 estabelece como competência municipal a promoção, no que couber, do “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, o que implica, necessariamente, a edição de normas para alcançar esses objetivos de interesse público. Há reprodução de tais diretrizes também na Lei Orgânica Municipal, na medida em que o art. 6º, XXXV, prevê que cabe ao Município de Guaíba “estabelecer normas de prevenção e controle de ruídos, da poluição do meio ambiente, do espaço aéreo, das águas, fontes naturais e cachoeiras”, a demonstrar a competência municipal para criar normas de controle da poluição visual.

Aliás, Hely Lopes Meirelles ensina na clássica obra “Direito Municipal Brasileiro”, 17. ed., Ed. Malheiros, p. 590, que “A proteção paisagística monumental e histórica da cidade insere-se também na competência do Município, admitindo regulamentação edilícia e administração da Prefeitura nos limites do interesse local, para recreação espiritual e fator cultural da população.”

A norma que se pretende instituir tem típica natureza de poder de polícia, uma vez que busca condicionar o exercício de atividades ao atendimento do interesse público, através de limitações e restrições. O poder de polícia se apresenta no ordenamento jurídico a partir do artigo 78 do CTN: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

E, na CE/RS, o art. 13, I, é claro ao dispor que “É da competência do Município... exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.”

Na jurisprudência, já se discutiu, em algumas oportunidades, sobre a competência municipal para determinar medidas de posturas às empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. O precedente indicado pelo IGAM na orientação técnica nº 13.942/18 é, basicamente, uma afirmação do Recurso Extraordinário com Embargos de Declaração nº 581.947/RO, no qual foi julgada inconstitucional a instituição de taxa, criada pelo Município, em razão do uso de áreas públicas por concessionárias prestadoras do serviço público de energia elétrica, por afronta à competência privativa do art. 22, IV, da CF/88. No entanto, no próprio julgamento deste recurso ficou assentado, através de argumentação dos Ministros Gilmar Mendes, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, que é competência municipal legislar no âmbito das posturas, especialmente sobre altura dos fios de postes e seus efeitos sobre a arborização e tráfego de caminhões na área urbana, o que é muito próximo ao objetivo do Projeto de Lei nº 069/2018, que trata dos aspectos estéticos do meio ambiente urbano, notadamente quanto ao alinhamento e à retirada de fios, cabos e demais equipamentos fixados em postes que não tenham mais utilidade.

Nesse sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal já consolidou a jurisprudência de que aos Municípios compete legislar sobre o ordenamento territorial, incluindo-se, nesse campo, a legislação sobre posturas, que pode ser imposta às concessionárias da União:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Prequestionamento. Ausência. Direito Constitucional, Administrativo e Urbanístico. Ordenamento urbano. Competência municipal. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. Os dispositivos constitucionais tidos como violados não foram examinados pelo Tribunal de origem. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356 desta Corte. 2. O Supremo Tribunal Federal assentou que a Constituição da República confere aos municípios competência para legislar sobre o ordenamento de seu território e que essa prerrogativa constitucional não viola o direito de propriedade ou os princípios que regulam o mercado, como a livre concorrência e a livre iniciativa. 3. Submissão de concessionárias da União às posturas municipais: constitucionalidade. 4. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o reexame dos fatos e das provas dos autos (Súmula nº 279/STF). 5. Agravo regimental não provido. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 769.177, Relator Ministro Dias Toffoli, 18.02.2014).

O Tribunal de Justiça de São Paulo também já julgou ações diretas de inconstitucionalidade versando, exatamente, sobre a matéria do Projeto de Lei nº 069/18. Uma delas, inclusive, teve acórdão publicado em 04/06/2018, isto é, há quatro dias:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL Nº 14.045, DE 23 DE AGOSTO DE 2017, QUE 'DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA OU PERMISSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA ATENDER ÀS NORMAS TÉCNICAS APLICÁVEIS À OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E PROMOVER A RETIRADA DOS FIOS INUTILIZADOS NOS POSTES, NOTIFICAR AS DEMAIS EMPRESAS QUE UTILIZAM OS POSTES COMO SUPORTE DE SEUS CABEAMENTOS, EM VIAS PÚBLICAS DE RIBEIRÃO PRETO' - USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE ENERGIA (ART. 22, INCISO IV, DA CF) - INOCORRÊNCIA - ATO NORMATIVO MUNICIPAL QUE VERSA SOBRE PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA - AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE". "Ostentando o ente municipal competência para editar normas sobre polícia administrativa, podendo disciplinar a matéria no que diz respeito à preservação do interesse local, não há que se falar em usurpação de competência privativa da União para legislar sobre energia (art. 22, inciso IV, da CF) em relação a diploma normativo que determina à concessionária prestadora de serviços a observância de regras para regularização e retirada de fios". "A qualidade de concessionária ou permissionária que explora serviço público de fornecimento de energia não isenta a prestadora de serviços da observância de normas técnicas de engenharia e construção civil; tampouco a desobriga do cumprimento de leis municipais, distritais e estaduais". "A democracia participativa que decorre do artigo 180, inciso II, da Constituição Paulista, somente se justifica nos casos passíveis de gerar consequências potencialmente negativas sobre direitos individuais, coletivos ou difusos dos munícipes, ou seja, 'nas situações em que haja efeitos danosos ao meio ambiente ou à segurança da população'". (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2001729-03.2018.8.26.0000; Relator (a): Renato Sartorelli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 23/05/2018; Data de Registro: 04/06/2018)

Desse modo, em que pese a orientação técnica nº 13.942/2018 do IGAM, tem-se que a proposição, ao determinar às empresas concessionárias e permissionárias do serviço de energia elétrica que retirem fios em desuso de postes, trata de medidas sobre regulação do ordenamento territorial, combate à poluição visual, estética urbana e posturas municipais, o que se encontra na competência legislativa do Município de Guaíba.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina, novamente, pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei nº 069/2018, nos termos da fundamentação exposta.

Guaíba, 08 de junho de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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