Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 094/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 194/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Assegura às mães que tenham filhos matriculados nas Escolas Municipais de Educação Infantil os amamentarem no interior das Escolas"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 094/2018 à Câmara Municipal, objetivando assegurar às mães que tenham filhos matriculados em escolas municipais de educação infantil o direito de amamentá-los no interior dos estabelecimentos. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A respeito da competência aplicável ao caso, tem-se que ela é de natureza suplementar (art. 30, II, CF/88), na medida em que pormenoriza o regramento geral já existente em âmbito federal em relação ao aleitamento materno (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069/90). A respeito disso, é preciso lembrar que esse diploma legal estabelece, no capítulo destinado ao direito à vida e à saúde, inúmeras garantias relacionadas ao período pós-natal da mulher, como forma de assegurar a proteção dos direitos básicos dos seus filhos, havendo previsão, no art. 9º, caput, de obrigação direcionada às esferas pública e privada no que tange à amamentação: “O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.” O objetivo desta proposição é o de, sobretudo, detalhar o alcance e a aplicação da referida norma nos limites do Município de Guaíba, o que não encontra qualquer resistência frente à CF/88.

A Constituição Federal, em matéria de proteção à infância e à juventude (artigo 24, XV), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (artigo 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (artigo 24, § 2º). Ocorre que o artigo 30, inciso II, da CF/88 é claro ao garantir aos Municípios a competência para suplementar as normas federais e estaduais, no que couber. A interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências legislativas é a que garante ampla outorga de poderes aos Municípios, que só não podem criar normas que esbarrem na competência privativa do artigo 22 da CF, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base na competência suplementar para atender ao seu interesse local, nas matérias referidas no art. 24 da CF. Tanto é que, caso não se admitisse aos Municípios a competência para legislar nesses casos, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários (“proteção e defesa da saúde – artigo 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – artigo 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – artigo 24, I).

Portanto, não se vê impedimento constitucional para que o Município possa suplementar normas de proteção à infância e à juventude, desde que respeite os limites do interesse local e os parâmetros da norma de inspiração. A suplementação em âmbito local, no caso, é da regra estabelecida no art. 9º da Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê o dever de o Poder Público, instituições e empregadores propiciarem condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.

Quanto à iniciativa, para os fins do direito municipal, importa a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Como já restou esclarecido em outros pareceres desta Procuradoria, a interpretação do rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo expostas no artigo 60 da CE/RS é estrita, não admitindo interpretação ampliativa, uma vez que, do contrário, ocorreria subversão do esquema de organização funcional da Constituição, o qual garante a iniciativa concorrente como regra geral, só estabelecendo a iniciativa privativa nos casos expressos. Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado.

Quanto ao conteúdo do projeto, reitera-se que está de acordo com os comandos constitucionais referentes à proteção prioritária e absoluta da infância (artigo 227, CF/88), bem como atende ao regramento genérico previsto no art. 9º do ECA. No entanto, para fins de técnica legislativa, cabe mudança na redação do art. 1º, a fim de obter maior grau de clareza (art. 11, LC 95/98): “Art. 1º Fica assegurado às mães que tenham filhos matriculados nas Escolas Municipais de Educação Infantil o direito de amamentá-los, no interior das instituições, até que eles completem vinte e quatro meses de idade.”

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 094/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. Sugere-se, no entanto, mudança na redação do art. 1º, para fins de maior clareza, nos termos do art. 11 da Lei Complementar nº 95/98.

Guaíba, 28 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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