Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 091/2018
PROPONENTE : Ver. Everton da Academia
     
PARECER : Nº 192/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece diretriz para a Política de Combate à Violência nas Escola da Rede Pública Municipal de Ensino, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Everton da Academia apresentou o Projeto de Lei nº 091/2018 à Câmara Municipal, objetivando estabelecer diretrizes para a Política de Combate à Violência nas Escolas da Rede Pública Municipal de Ensino. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O conjunto de diretrizes e medidas que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, eis que o Projeto de Lei nº 091/2018 visa estabelecer melhorias na política de educação municipal, notadamente no aspecto preventivo, o que encontra fundamento nas disposições constitucionais a respeito do direito à educação e à proteção da infância e juventude.

Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Na mesma linha, o artigo 196 da Constituição Estadual Gaúcha refere: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, baseada na justiça social, na democracia e no respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos valores culturais, visa ao desenvolvimento do educando como pessoa e à sua qualificação para o trabalho e o exercício da cidadania.” Ocorre, entretanto, que o Projeto de Lei nº 091/18, embora louvável no seu objeto, contém vício de iniciativa. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Na mesma linha, dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016).

Sucede-se que, muito além de propiciar a criação de novas despesas ao Executivo, o Projeto de Lei nº 091/2018 trata da fixação de diretrizes e providências que somente ao Prefeito cabe dispor, porquanto direcionadas às escolas da rede pública municipal, que estão sob sua responsabilidade e gestão direta. A propósito, é preciso lembrar que, segundo o artigo 145 da Lei Orgânica, “O sistema municipal de ensino compreende as instituições de educação pré-escolar, de ensino fundamental e médio, da rede pública e privada e dos órgãos do Poder Executivo, responsáveis pela formulação das políticas educacionais e sua administração, respeitados os preceitos constitucionais federais e estaduais.” Vê-se, desse modo, que a Lei Orgânica Municipal não confere ao Poder Legislativo a capacidade para dispor sobre diretrizes e medidas para a política educacional de combate à violência nas escolas, sendo tal tarefa de responsabilidade do Prefeito, em conjunto com as instituições formadoras do sistema municipal de ensino.

Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que estipulem diretrizes e medidas para a política de prevenção e combate à violência nas escolas cabe apenas ao Chefe do Executivo, com o apoio das instituições escolares do sistema municipal de ensino, com fundamento nos artigos 52, VI e X, e 145 da LOM.

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida, apresentando, se for o caso, proposição ao Poder Legislativo, de modo a afastar a ocorrência de vício de iniciativa.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa e afronta à separação dos poderes caracterizados com base no artigo 2º da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigos 52, VI e X, e 145 da Lei Orgânica Municipal. Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais, para a implementação da política prevista no PL nº 091/2018, diante do seu inquestionável mérito.

Guaíba, 28 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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