Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 087/2018
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 186/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a segurança e a proteção à infância e à juventude no ambiente educacional"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 087/2018 à Câmara Municipal, com substitutivo, objetivando dispor sobre a segurança e a proteção à infância e à juventude no ambiente educacional do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do RI.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos Poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu artigo 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser uma norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos da Federação, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um Poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III.

Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata da instalação de câmeras de vigilância eletrônica em escolas públicas municipais, que têm natureza jurídica de órgãos do Poder Executivo. Não se descarta, aliás, a grande possibilidade de veto no caso de aprovação desta proposta. Ocorre que, em relação a essa matéria, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 878.911, com repercussão geral reconhecida pelo Plenário do STF.

Na situação, o Prefeito do Rio de Janeiro ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça Estadual para buscar a invalidação da Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013, que tornava obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências de todas as escolas municipais. No âmbito do Tribunal de Justiça, o pedido foi julgado procedente, sendo declarada inconstitucional a lei municipal, com fundamento na existência de vício formal de iniciativa, pois estaria sendo usurpada a competência exclusiva do Chefe do Executivo para propor norma sobre o tema.

Todavia, levada a problemática ao STF por meio de recurso extraordinário – já que as normas sobre iniciativas reservadas na Constituição Estadual são de reprodução obrigatória da Constituição Federal (STF, RE nº 650.898/RS) –, o relator, Min. Gilmar Mendes, afirmou que “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo.”

Prosseguindo em seu voto, o Min. Gilmar Mendes afirmou que “No caso em exame, a lei municipal que prevê obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos”, motivo pelo qual não se vislumbrou nenhum vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada (Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013).

O julgador sustentou que “a proteção aos direitos da criança e do adolescente qualifica-se como direito fundamental de segunda dimensão que impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva destinado a todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro, nos termos do art. 227 da Constituição.” Por fim, no mérito do recurso extraordinário, votou pela procedência para reafirmar a jurisprudência do STF no sentido de que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).”

O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE nº 878.911), ao final, teve o pedido julgado procedente para julgar constitucional a Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, que torna obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas municipais.

O recente entendimento, firmado em outubro de 2016 pelo Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), sem dúvidas ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC). Não há posicionamentos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a matéria após o julgamento do ARE nº 878.911/RJ, mas deve ser levado em consideração que o órgão de maior escalão do Poder Judiciário no Brasil já declarou a constitucionalidade de lei municipal idêntica ao conteúdo do Projeto de Lei nº 087/2018, de origem parlamentar.

Assim, embora não haja segurança jurídica total para considerar o Projeto de Lei nº 087/2018 constitucional sob o ponto de vista formal, por relacionar-se a escolas municipais enquanto órgãos públicos componentes do Poder Executivo, certo é que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou a específica matéria e declarou a constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, idêntica à proposição em análise. Não se descarta, todavia, a possibilidade de veto pelo Prefeito caso aprovada a proposição, considerando que o entendimento do STF, firmado no ARE nº 878.911, não é vinculante ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo, podendo, fundamentadamente, ser afastado.

Conclusão:

Diante do exposto, na forma do artigo 105 do Regimento Interno, a Procuradoria opina pelo prosseguimento do Projeto de Lei nº 087/18, por não estar caracterizada a inconstitucionalidade manifesta, ressalvando, desde já, que a adoção do entendimento favorável pelo STF no ARE nº 878.911 não descarta, por si só, a possibilidade de veto pelo Prefeito de Guaíba caso seja aprovada a proposição.

É o parecer.

Guaíba, 24 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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