Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 085/2018
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 174/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Devido ao horário de atendimento, tem o intuito de ser mais prolongado pensando no bem estar da população encontrando recurso de medicamentos fora do horário comercial"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 085/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade de farmácias e drogarias instaladas no Município de Guaíba realizarem plantões noturnos de atendimento ao público, mediante sistema de rodízio. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.”

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Veja-se que, entre as competências legislativas dos Municípios, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função legiferante deve ser exercida nos termos e nos limites da Constituição Federal, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local.

No presente caso, o interesse local está evidenciado no fato de o Projeto de Lei nº 085/2018 tratar da regulamentação do funcionamento, no Município de Guaíba, das empresas que tenham por objeto o comércio varejista de medicamentos, o que encontra total abrigo na Súmula Vinculante nº 38, que dispõe: “É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.” Tal orientação sumular, como o próprio nome diz, vincula a Administração Pública em todas as esferas da Federação, no âmbito do Poder Executivo e do Poder Judiciário, servindo como meio de uniformização da jurisprudência para elucidar a competência municipal para legislar sobre esse assunto.

Sob o aspecto da competência suplementar, é preciso destacar que a Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, prevê no seu art. 56 que “As farmácias e drogarias são obrigadas a plantão, pelo sistema de rodízio, para atendimento ininterrupto à comunidade, consoante normas a serem baixadas pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.” Percebe-se, portanto, que o Município de Guaíba é competente para dispor sobre a regulação do funcionamento das farmácias e drogarias em âmbito local, através de sistema de rodízio.

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22) e não esbarre nos casos de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 085/2018 é regulamentar a Lei Federal nº 5.991/73, especificamente o seu art. 56, a fim de garantir o atendimento ininterrupto à comunidade pelas farmácias e drogarias instaladas no Município de Guaíba. E, nesse sentido, não há qualquer inconstitucionalidade sob o ponto de vista material, visto que a própria legislação federal condicionou o funcionamento de tais estabelecimentos à organização de sistema de rodízio, excepcionando os princípios constitucionais liberais da ordem econômica a partir de razões de interesse público.

Aliás, é possível encontrar na internet várias notícias no sentido da instauração de inquéritos civis pelo Ministério Público para apurar o descumprimento reiterado do disposto no art. 56 da Lei Federal nº 5.991/73, exigindo-se dos Municípios postura ativa para regulamentar o funcionamento contínuo de farmácias e drogarias em âmbito local.

Desse modo, considerando o atendimento da competência municipal, da iniciativa para a deflagração do processo legislativo e do conjunto material de normas constitucionais, não há obstáculos para a tramitação do Projeto de Lei nº 085/2018. Sugere-se, no entanto, para dar-lhe maior regularidade, alteração da sua ementa, uma vez que, nos termos do art. 5º da Lei Complementar Federal nº 95/98, “A ementa será grafada por meio de caracteres que a realcem e explicitará, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei.” A ementa da proposição não delineia adequadamente o seu objeto, recomendando-se seja alterada, mediante emenda, para texto aproximadamente neste sentido: “Dispõe sobre a organização de plantões noturnos de atendimento ao público, mediante sistema de rodízio, pelas empresas estabelecidas no Município de Guaíba que tenham por objeto o comércio varejista de medicamentos.”

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 085/2018, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. Sugere-se, no entanto, modificação da ementa da proposição, conforme exposto acima, para melhor atender ao art. 5º da LC nº 95/98.

É o parecer.

Guaíba, 21 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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