Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 083/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 171/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de se equipar piscinas de uso coletivo no Município de Guaíba com drenos ou ralos com tampas antiaprisionamento ou não bloqueáveis bem como dispositivo que interrompa o processo de sucção e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 083/2018 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a obrigatoriedade de se equipar piscinas de uso coletivo no Município de Guaíba com drenos ou ralos com tampas antiaprisionamento ou não bloqueáveis, bem como dispositivo que interrompa o processo de sucção. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera algumas das competências dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A garantia trazida na proposta se insere na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 083/2018, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um meio de garantia da segurança de pessoas que utilizam piscinas coletivas, o que se encontra no âmbito das posturas municipais como normas do poder de polícia, sobre as quais cabe a todos os entes federados dispor, no limite de suas competências.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.”

A fim de esclarecer a possibilidade de o Município, através do Poder Legislativo, com sanção do Poder Executivo, estabelecer normas que regulamentem o exercício de atividades privadas à luz do interesse público, colaciona-se lição da doutrina:

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quando do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. (...)

A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com interesses sociais (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 838).

Assim, não há dúvidas sobre a competência municipal para a criação de normas de poder de polícia, visando a impor à iniciativa privada o atendimento ao interesse público concernente à segurança do uso de piscinas coletivas, nos exatos termos do art. 13, inc. I, da Constituição Estadual Gaúcha e, inclusive, do art. 78 do Código Tributário Nacional.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual Gaúcha:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que a previsão da alínea “c” do art. 4º, bem como do seu parágrafo único, viola o sistema constitucional de reserva de iniciativas do processo legislativo, já que atribui nova função aos órgãos públicos municipais no sentido de interditar as piscinas que não atendam às condições previstas na lei. Tal matéria também afronta a Lei Orgânica Municipal nos artigos 52, VI, e 119, II, como se vê a seguir:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Veja-se na jurisprudência precedente que confirma essa análise:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. CRIAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES A ORGÃOS DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO FORMAL. INICIATIVA. AUMENTO DE DESPESAS. Lei Municipal nº 2.958/2010, do Município de Gravataí, que dispõe sobre a proibição do consumo de cigarros e assemelhados. Criação de atribuições a órgãos do Poder Executivo consistentes na fiscalização, aplicação de penalidades, realização de campanha educativa e formalização de denúncias. Aumento de despesas. Vício de Iniciativa. Competência do Poder Executivo. Violação aos artigos 8º, 10, 60, inc. II, "d", c/c artigo 82, VII, todos da Constituição Estadual. Ação parcialmente procedente, unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70037974110, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 20/06/2011)

Já em relação à cominação de multas, cabe referir que o próprio IGAM, em consultoria prestada no dia 18/08/2017 (orientação técnica nº 21.581/2017), recomendou que, em projeto de lei cujo objeto era a obrigação de afixar avisos, em estabelecimentos comerciais, de que os crimes contra as crianças e adolescentes são passíveis das penas previstas em lei, seria viável e, sobretudo, recomendável a cominação de penalidades para que a proposta, caso aprovada, não fosse inócua. Em diversos outros projetos de lei que tramitaram nesta Câmara de Vereadores, o IGAM também sugeriu a adoção dessa medida, a exemplo do Projeto de Lei nº 121/2017, de autoria parlamentar, em que constou a seguinte nota: “Sugere-se que sejam colocadas penalidades para que a futura lei, se aprovado o projeto, não seja inócua. Ainda, que se utilize para dosimetria da pena somente com valores, a fim de evitar questionamento acerca das medidas de caráter administrativo, que são da iniciativa legislativa do Prefeito.” (orientação técnica nº 28.559/2017). O entendimento desta Procuradoria também é pela possibilidade de fixação de multa através de proposta parlamentar.

Desse modo, é preciso realizar ajuste no Projeto de Lei nº 083/2018 apenas para retirar as previsões constantes no art. 4º, “c”, e seu parágrafo único, por se referirem à medida de interdição, cuja iniciativa para determinação é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos dos artigos 52, VI, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

No aspecto da técnica legislativa, é importante que se façam algumas modificações, para melhor adequar a proposição aos termos da Lei Complementar Federal nº 95/98: I. A expressão “Parágrafo único”, no art. 2º, deve ser seguida de ponto final; II. O art. 4º deve desdobrar-se em incisos, não em alíneas, conforme recomenda o art. 10, II, da LC 95/98.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa existente na alínea “c” e no parágrafo único do art. 4º, caracterizado com base nos artigos 52, VI, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Recomenda-se, ainda, a adequação da técnica legislativa, conforme indicado acima.

Guaíba, 18 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 18/05/2018 ás 15:21:53. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação ca6ee6c25c524f7ec2ca53c40b34f852.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 54252.