Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 080/2018
PROPONENTE : Ver. Everton da Academia
     
PARECER : Nº 165/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a inclusão do Maio Amarelo no calendário oficial de eventos do município, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Everton da Academia apresentou o Projeto de Lei nº 080/2018 à Câmara Municipal, objetivando instituir o “Maio Amarelo”, de atenção pela vida, a ser realizado, anualmente, no mês de maio e incluído no calendário oficial de eventos. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Parecer:

Quanto à competência e à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

No entanto, em relação ao registro do “Maio Amarelo” no calendário municipal de eventos, ocorre violação à reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. Isso porque o calendário oficial de eventos municipais é instituído por meio de lei municipal de iniciativa do Chefe do Executivo, por se tratar de matéria atinente à organização administrativa, nos exatos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, em virtude de sua natureza de norma constitucional de reprodução obrigatória. No mesmo sentido, o artigo 52, VI, da Lei Orgânica Municipal refere competir privativamente ao Prefeito “dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei.”

Em Guaíba, o calendário oficial de eventos é reavaliado anualmente, tendo sido instituído, neste ano, através da Lei Municipal nº 3.633, de 09 de janeiro de 2018, a qual, como já foi dito, é de iniciativa do Prefeito enquanto responsável pelas questões relacionadas à organização administrativa. O anexo único à Lei nº 3.633/18 detalha, mês a mês, os eventos a serem realizados durante o ano pelo Município, cabendo a gestão e a ordenação ao Poder Executivo.

Portanto, tratando-se de matéria relacionada à organização administrativa do Município de Guaíba, que despende recursos, pessoal e força de trabalho para a realização de eventos, convém esclarecer que a iniciativa de projeto de lei determinando a inclusão de certa celebração no calendário oficial de eventos é do Chefe do Executivo. Nada impede, entretanto, iniciativa parlamentar no sentido de instituir a celebração em si, com previsão de objetivos específicos, desde que não imponha ou “permita” medidas ao Executivo.

Nesse sentido, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.019/2013, QUE INCLUI NO CALENDÁRIO OFICIAL DE EVENTOS DO MUNICÍPIO DE PELOTAS AS FESTAS DE IEMANJÁ E NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. AUMENTO DE DESPESA. VÍCIO MATERIAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONCESSÃO DA LIMINAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA LEI IMPUGNADA. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL. (Agravo Regimental Nº 70057704108, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 26/05/2014).

Além disso, não há impedimento algum a que datas comemorativas sejam informadas por objetivos ou princípios, contanto que não obriguem de qualquer forma o Poder Executivo, traduzindo-se como meras inspirações e diretrizes do evento. Inclusive, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – onde há vários precedentes em ações diretas de inconstitucionalidade sobre a instituição de datas comemorativas –, foi julgado constitucional o artigo 2º da Lei Municipal nº 11.409, de 08 de setembro de 2016, do Município de Sorocaba, por apenas ter fixado os objetivos da Semana de Conscientização, Prevenção e Combate à Verminose. Eis aqui parte do esclarecedor voto adotado:

Como referi por ocasião da decisão em que indeferi a medida liminar (págs. 83/84), não se vê invasão de competência normativa do Poder Executivo, porquanto, instituída semana de conscientização, prevenção e combate à verminose naquela municipalidade, o artigo 2º, ora impugnado, não vai além de fixar os objetivos da campanha, sem fixar novas incumbências a servidores que, à evidência, e se necessárias, não irão além das de cunho ordinário, situação a não exigir peculiaridades características de aumento de despesas ordenadas pelo Legislativo.

Transcreve-se, ainda, ementa de outro julgado do TJSP sobre idêntica matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Nº 3.898, de 25 de abril de 2016, do Município de Mirassol, que 'Institui A Semana de Combate ao Aedes Aegypt no âmbito do Município de Mirassol'. Inicial que aponta ofensa a dispositivos que não guardam relação com o tema em debate, tal como carece de fundamentação correlata (artigos 1º, 111, 180 e 181 da CE, bem como artigo 22, inciso XXVII da CR). Impertinência de exame. Iniciativa oriunda do poder legislativo local. Viabilidade. Inconstitucionalidade formal não caracterizada. Lei que não disciplina matéria reservada à Administração, mas sim sobre programa de conscientização de caráter geral. Ausência de invasão à iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, cujo rol taxativo é previsto no artigo 24, § 2º da Carta Estadual, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 do mesmo diploma. ATO normativo, ademais, que não impõe qualquer atribuição ao Executivo local, ostentando conteúdo educativo a justificar atuação legislativa municipal. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes. Mácula aos artigos 5º, 47, incisos II, XIV E XIX, da Constituição Bandeirante, não constatada. Previsão orçamentária genérica que, por si só, não tem o condão de atribuir inconstitucionalidade à lei. Precedentes. Pretensão improcedente (ADI 2101150-34.2016, rel. Des. FRANCISCO CASCONI, j. 19.10.2016).

Na presente situação, todavia, alguns dispositivos atribuem funções ao Poder Executivo para a implementação do “Maio Amarelo”, ainda que mediante “permissões”, o que não lhe retira a inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa. São esses: a) parágrafo único do art. 1º: ao prever que, na medida das possibilidades, será procedida à iluminação em amarelo das fachadas das edificações públicas, a proposição interfere na organização administrativa dos poderes municipais, cuja ordem deve partir única e exclusivamente do titular de cada esfera; b) inciso III do art. 2º, quanto à expressão “órgãos de governo”: também há interferência na organização administrativa do Executivo e nas atribuições de órgãos públicos municipais, afrontando o artigo 60, II, “d”, da Constituição Estadual e os artigos 52, VI, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal; c) art. 3º, quanto à expressão “este Poder e com os órgãos e entes públicos”: da mesma forma há afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88) e à reserva de iniciativa prevista na Constituição Estadual e na Lei Orgânica de Guaíba; d) art. 1º, quanto à expressão “incluído no Calendário Oficial de Eventos do Município de Guaíba”: como já dito, há violação à reserva de iniciativa do Prefeito por ser ele o responsável pela organização anual do calendário de eventos.

Para adequar a proposição aos comandos constitucionais e retirar qualquer resquício de inconstitucionalidade, sugere-se a apresentação de substitutivo nos seguintes termos, caso o proponente concorde com a contribuição:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 080/2018

Institui, no Município de Guaíba, o “Maio Amarelo”, de atenção pela vida, a ser realizado, anualmente, no mês de maio.

Art. 1º Fica instituído, no Município de Guaíba, o “Maio Amarelo”, de atenção pela vida, a ser realizado, anualmente, no mês de maio.

Art. 2º Na data de que trata esta Lei, poderão ser adotadas ações destinadas à população com os seguintes objetivos:

I – chamar a atenção do Município para o alto índice de mortes e feridos no trânsito em todo o mundo;

II – contribuir para a redução de acidentes no trânsito do Município;

III – colocar em pauta o tema segurança viária e mobilizar toda a sociedade, envolvendo os mais diversos segmentos: empresas, entidades de classe, associações, federações e sociedade civil organizada para, fugindo das falácias cotidianas e costumeiras, efetivamente discutir o tema, engajar-se em ações e propagar o conhecimento, abordando toda a amplitude que a questão do trânsito exige, nas mais diferentes esferas.

Art. 3º As atividades de que trata o art. 2º poderão ser planejadas e desenvolvidas em conjunto com os entes privados relacionados, compreendendo, entre outras, palestras, apresentações, distribuição de panfletos ou cartilhas informativas.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Por fim, ressalta-se que, caso seja aprovado o PL nº 080/2018 na forma do substitutivo, os membros do Legislativo poderão remeter indicações ao Executivo (art. 114, RI), para que o Prefeito também implemente ações e medidas de contribuição ao “Maio Amarelo”, efetivando a participação do setor público municipal na campanha.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa, caracterizado com base nos artigos 2º e 61, § 1º, da CF/88, artigo 60, II, “d”, da CE/RS e artigos 52, VI, e 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

Caso haja interesse na apresentação de substitutivo, recomenda-se a adoção do modelo anteriormente apresentado, já adequado juridicamente e à técnica legislativa.

Guaíba, 16 de maio de 2018.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 16/05/2018 ás 12:02:17. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 29b4656df5dfa32792d3229dafc7d3a3.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 54092.