Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 079/2018
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 163/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece diretrizes para a Política de Combate à Violência e Bullying nas Escolas da Rede Pública Municipal de Ensino, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Projeto de Lei n.º 079/2018, de autoria do Vereador Dr. João Collares (PDT), que “Estabelece diretrizes para a Política de Combate à Violência e Bullying nas Escolas da Rede Pública Municipal de Ensino, e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

 

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Senado Federal - Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) - e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI, nas linhas gerais da Ordem de Serviço 004/2018.

     A iniciativa em relação à competência está adequada. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

O artigo 30, II, da Constituição Federal prevê que cabe aos entes municipais suplementar a legislação federal e estadual no que couber, para amoldar regramentos federais e estaduais às peculiaridades de cada Município, detalhando e pormenorizando as normas gerais editadas com base na competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a matéria se insere no rol taxativo das matérias vedadas pelo art. 61 § 1º da Constituição Federal ou pelo art. 60 da CERS:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

  • 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

  1. a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
  2. b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
  3. c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
  4. d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
  5. e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  6. f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

                      Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

            Quanto à matéria de fundo da proposição em análise, pretende regular em âmbito local a Lei N.º 13.185 de 06 de novembro de 2015, que Instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). O artigo 1º, § 2º da referida norma federal estabelece que o Programa de à Intimidação Sistemática (Bullying) regulado por aquela lei poderá embasar as ações das Secretarias Municipais de Educação, in verbis:

Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.

  • O Programa instituído no caput poderá fundamentar as ações do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como de outros órgãos, aos quais a matéria diz respeito.

                       

Não obstante, o Projeto de Lei ora em análise trata da atribuição dos órgãos públicos, em afronta o princípio da separação entre os poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Federal:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Assim tem decidido o Supremo Tribunal Federal - que tal norma é de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, conforme consagrado no art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Art. 10. São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, exercido pela Câmara Municipal, e o Executivo, exercido pelo Prefeito.

Em que pese ser verdadeiramente louvável a pretensa norma, a jurisprudência citada amolda-se perfeitamente à impossibilidade da regulação pretendida pelo projeto em análise por iniciativa parlamentar, já que a proposição pretende criar obrigações e atribuições ao Poder Executivo Municipal, havendo, em relação a essa matéria, vício de iniciativa que macula de inconstitucionalidade a proposição. Ainda nessa perspectiva, pode-se colacionar a jurisprudência dos tribunais pátrios:

 ADI. LM 3.784/2015 – MIRASSOL. “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 3.784, de 16 de julho de 2015. Inclusão de medidas de conscientização e combate ao 'bullying' escolar no projeto pedagógico elaborado pelas Escolas Públicas de Educação Básica do Município de Mirassol. Inadmissibilidade. Vício de iniciativa. Cabe, privativamente, ao Executivo a iniciativa legislativa de projetos que interfiram na gestão administrativa. Precedentes. Desrespeito ao princípio constitucional da 'reserva de administração'. Precedentes do STF. Falta de indicação de fonte de custeio. Afronta a preceitos constitucionais (arts. 5º; 25; 47, incisos II, XI, XIV e XIX e 144 da Constituição Estadual). Ação procedente.” (ADI 21746125820158260000 – São Paulo – Órgão Especial – Relator Evaristo dos Santos – 27/01/2016 – Votação Unânime – Voto nº 33631).

É preciso ressaltar que existindo normas gerais sobre o combate à violência, sobre a proteção da saúde e da criança e do adolescente, os demais entes somente podem preencher vazios, esclarecer e aperfeiçoar as normas gerais, adequando esses regramentos às realidades locais do Município, porém sem afrontar a chamada reserva de administração e o princípio da separação ente os poderes. Assim, a norma federal regula a proteção da criança e do adolescente contra atos de violência, cabendo à lei local esmiuçar tais regulamentos levando em conta a realidade municipal, mas constitui matéria reservada ao Chefe do Executivo.

Ao parlamentar municipal foi conferida, de tal modo, a edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão, diversamente do que pretende o Projeto de Lei N.º 079/2018, que pretende regular de maneira específica e pormenorizada as atividades administrativas. Quanto a isso, cabe referir-se ao mesmo conteúdo normativo da proposição ora em análise e a vergastada na ADI nº 990.10.260226-5 TJ-SP, já que aquela lei de combate ao bullying pretendia da mesma forma estabelecer medidas reservadas à administração e, portanto, à iniciativa do Chefe do Poder Executivo, buscando gerir atividades municipais. E ainda a atacada na ADI n.º 70066455122 do TJ-RS, pois o PL N.º 079/2018 em análise, no mesmo sentido, estabelece limitação indevida pelo Poder Legislativo ao espectro de atuação do Poder Executivo com relação às atribuições da Administração e sua organização e envolve normas de gestão administrativa[1], especificamente no que diz respeito à Secretaria de Educação:

TJ-SP. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.389, de 03 de março de 2010, do Município de Nova Odessa, de iniciativa da edilidade, que ‘autoriza a Administração adotar medidas para combater o denominado ‘bullying’ nas escolas públicas municipais. Inadmissibilidade. Lei de natureza ‘autorizativa’ de medidas que competem à Administração adotar é reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Ofensa aos princípios de reserva de iniciativa e repartição de poderes, de observância obrigatória pelos municípios. Arts. 5º, 47, II e144, da Constituição Estadual ofendidos. Ação procedente.” (ADI nº 990.10.260226-5, Rel. Des. José Santana, j. 17.11.2010).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA. LEI N. 2.104/2015. PROGRAMA MUNICIPAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A JUVENTUDE. VÍCIO FORMAL E MATERIAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. Preliminar irregularidade formal do processo rejeitada, na medida em que o Prefeito Municipal de Estância Velha, legitimado ativo para propor ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, nos termos do artigo 95, § 2º, da Constituição Estadual, embora não tenha firmado a inicial, outorgou poderes específicos para propor a presente ação ao advogado que a firmou com a indicação objetiva e individualizada da regra legal impugnada, reputando-se, assim, válida a representação em conformidade com a orientação consolidada no STF e neste Órgão Especial. 2. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que acabou regulando matéria eminentemente administrativa, resultando na interferência indevida até mesmo da estrutura organizacional da Administração Pública, ao indicar a necessidade de destinação de uma Secretaria específica para a Cultura no Município, desmembrando-se a Secretaria Municipal da Educação e Cultura atualmente existente, além de criar atribuições e serviços que, para sua implementação, certamente, demandarão maiores gastos não previstos na Lei Orçamentária. 3. De mais a mais, in casu, o vício de origem ou de iniciativa também acarreta violação ao princípio constitucional da Separação dos Poderes. 4. Presença de vício de inconstitucionalidade de ordem formal e material por ofensa ao disposto nos artigos 8º, caput, 10, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e 154, incisos I e II, da Constituição Estadual. PRELIMINAR REJEITADA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. UNÂNIME.

A norma local Lei Municipal nº 3.784/15 ao criar medidas de combate ao “bullying”, impôs nova atribuição à Administração Municipal Departamento Municipal da Educação , invadindo, inequivocamente, seara privativa do Executivo, caracterizando vício formal subjetivo a ensejar o acolhimento da pretensão (ADIn nº 2.101.616-96.2014.8.26.0000 v.u. j. de 12.11.14 Rel. Des. XAVIER DE AQUINO). Haveria, em outros termos, ofensa ao princípio constitucional da 'reserva de administração'. Ele, segundo o Pretório Excelso, “... impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo.” (RE nº 427.574-ED j. de 13.12.11 Rel. Min. CELSO DE MELLO DJE de 13.02.12 e ADI nº 3.343 j. de 01.09.11 Plenário Rel. p/ o Ac. Min. LUIZ FUX DJE de 22.11.11, mencionados pela Douta Procuradoria, dentre outros no mesmo sentido).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. Lei municipal de autoria de membro do Poder Legislativo que dispõe sobre a criação de medidas de conscientização, prevenção e combate "bullying". Matéria que é de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Ofensa aos arts. 5o, "caput", da CESP, e art. 20 da CF/88. Caracterização de vicio de iniciativa. Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente. (TJ-SP - ADI: 715313520128260000 SP 0071531-35.2012.8.26.0000, Relator: Roberto Mac Cracken, Data de Julgamento: 17/10/2012, Órgão Especial, Data de Publicação: 01/11/2012)

Quanto à técnica legislativa, a proposição está em consonância com o que dita a Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona” com suas alterações posteriores (LC nº 107/2001).

[1] Por organização administrativa, na lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, entende-se aquela que “... resulta de um conjunto de normas jurídicas que regem a competência, as relações hierárquicas, a situação jurídica, as formas de atuação e o controle dos órgãos e pessoas, no exercício da função administrativa.” (“Manual de Direito Administrativo” Ed. Atlas 2012 p. 447).

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de tratar-se de matéria manifestamente inconstitucional em afronta aos arts. 2º e 61, § 1º da Constituição Federal e por ofensa aos artigos 10, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos II, III e VII da Constituição Estadual e ao artigo 119, II da Lei Orgânica Municipal, cabendo recurso ao Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 14 de maio de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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