Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 077/2018
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 159/2018
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a criação do programa “Horta na Escola” nas instituições de ensino do município de Guaíba"

1. Relatório:

 O Projeto de Lei n.º 077/2018, de autoria do Vereador Manoel Eletricista (PPS), que “Dispõe sobre a criação do programa “Horta na Escola” nas instituições de ensino do município de Guaíba”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º) - parlamento em que o controle vem sendo exercido, e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende criar obrigações ao Poder Executivo Municipal, particularmente no âmbito de sua Secretaria de Educação, o que se depreende da leitura de seus arts. 2º, 4º, 5º e 6º dos quais decorre a inconstitucionalidade da proposição. Os referidos artigos tratam literalmente de diretrizes da política municipal de educação, ao pretender criar o “Programa Horta na Escola”.

A matéria invade de maneira indevida a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º da Constituição Federal e consequência da substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito da organização e coordenação das políticas públicas administrativas, as quais cabe exclusivamente ao Poder Executivo legislar e normatizar. Resta claro que a organização dos planos de estudo do ensino público na esfera da Secretaria de Educação é de competência do Poder Executivo, sendo que o Plano Municipal de Educação foi instituído e teve suas diretrizes definidas através da Lei n.º 3.292, de 19 de junho de 2015 que “INSTITUI O PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - PME, PARA O DECÊNIO 2015/2025”, trazendo em seu art. 2º suas diretrizes e um anexo de metas e estratégias.

O Projeto de Lei ora em análise vai de encontro ainda ao disposto no artigo 60, inciso II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, inciso II da Constituição Estadual:

Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

[...]

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e arts. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.” (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439).

Os artigos 2º e 4º, 5º e 6º tratam eminentemente de disciplina tipicamente administrativa, as quais constituem atribuições político-administrativas do Prefeito Municipal, caracterizando inconstitucionalidade e vício de competência. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer diretrizes de políticas públicas, mesmo na área da educação e das instituições de ensino de âmbito municipal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ALAGONA N. 6.153, DE 11 DE MAIO DE 2000, QUE CRIA O PROGRAMA DE LEITURA DE JORNAIS E PERIÓDICOS EM SALA DE AULA, A SER CUMPRIDO PELAS ESCOLAS DA REDE OFICIAL E PARTICULAR DO ESTADO DE ALAGOAS. 1. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Estadual para legislar sobre organização administrativa no âmbito do Estado. 2. Lei de iniciativa parlamentar que afronta o art. 61, § 1º, inc. II, alínea e, da Constituição da República, ao alterar a atribuição da Secretaria de Educação do Estado de Alagoas. Princípio da simetria federativa de competências. 3. Iniciativa louvável do legislador alagoano que não retira o vício formal de iniciativa legislativa. Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI n. 2.329, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 25.6.10).

 

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de Constituição Estadual. Processo legislativo. Normas de reprodução obrigatória. Criação de órgãos públicos. Competência do Chefe do Poder Executivo. Iniciativa parlamentar. Inconstitucionalidade formal. Precedentes. 1. A orientação deste Tribunal é de que as normas que regem o processo legislativo previstas na Constituição Federal são de reprodução obrigatória pelas Constituições dos Estados-membros, que a elas devem obediência, sob pena de incorrerem em vício insanável de inconstitucionalidade. 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que padece de inconstitucionalidade formal a lei resultante de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições de órgãos públicos, haja vista que essa matéria é afeta ao Chefe do Poder Executivo. 3. Agravo regimental não provido. (RE 505476 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012 – grifos acrescidos)

 

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ALAGONA N. 6.153, DE 11 DE MAIO DE 2000, QUE CRIA O PROGRAMA DE LEITURA DE JORNAIS E PERIÓDICOS EM SALA DE AULA, A SER CUMPRIDO PELAS ESCOLAS DA REDE OFICIAL E PARTICULAR DO ESTADO DE ALAGOAS. 1. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Estadual para legislar sobre organização administrativa no âmbito do Estado. 2. Lei de iniciativa parlamentar que afronta o art. 61, § 1º, inc. II, alínea e, da Constituição da República, ao alterar a atribuição da Secretaria de Educação do Estado de Alagoas. Princípio da simetria federativa de competências. 3. Iniciativa louvável do legislador alagoano que não retira o vício formal de iniciativa legislativa. Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

                        O Projeto de Lei n.º 077/2018 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de incompetência frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que em seu artigo 119 reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa municipal, inclusive quanto às atribuições e à organização da Secretaria de Educação e de seus serviços públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de a Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PL N.º 077/2018, em razão de tratar-se de matéria inconstitucional em afronta aos arts. 2º e 61, § 1º da Constituição Federal, aos artigos 10, 60 e 82 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como caracterizado vício de iniciativa frente aos arts. 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal, cabendo recurso ao Plenário. Sugere-se ao autor a possibilidade de a matéria ser proposta por meio de Indicação ao Poder Executivo, nos termos regimentais.

Guaíba, 11 de maio de 2018.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



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